Ana Carolina Martins
A Mata de Santa Genebra, no distrito de Barão Geraldo, não é apenas um fragmento resistente de Mata Atlântica incrustado no perímetro urbano de Campinas. É, há décadas, um símbolo da relação que a cidade construiu — e ainda tenta manter — com a natureza. Sua história atravessa ciclos econômicos, decisões de famílias influentes, disputas ambientais e políticas públicas que, somadas, permitiram que aquele pedaço de floresta sobrevivesse onde tantas outras desapareceram.
A origem da mata remonta à antiga Fazenda Santa Genebra, uma das propriedades agrícolas mais importantes da região no final do século XIX. Após a decadência do ciclo do café e a falência do Barão de Geraldo de Resende, a área foi adquirida pela família de José Pedro de Oliveira e Jandyra Pamplona.
Na contramão do que ocorria em outras fazendas, nas quais a mata era vista como obstáculo econômico, aquele fragmento de floresta foi deliberadamente preservado. Há relatos de que o próprio José Pedro, com problemas respiratórios, via, naquele conjunto de árvores, uma esperança de cura, e, de alguma forma, isso acabou garantindo a sobrevivência da floresta.
Doação inusitada
Em 1981, Jandyra fez algo raro naquela época, mas decisivo, doou a mata ao município, que instituiu a Fundação José Pedro de Oliveira (FJPO) para administrá-la. A doação veio com uma cláusula simbólica e poderosa de salvaguarda, que exigia que aquela área pertenceria a Campinas somente enquanto estivesse coberta pela floresta. Sem as árvores, a terra retornaria à família. A mensagem era clara: preservar a área verde não se tratava apenas de uma recomendação, mas sim de uma condição de existência daquele rico patrimônio natural.
Nos anos seguintes, a Mata de Santa Genebra conquistou sucessivos reconhecimentos que consolidaram ainda mais a sua importância, como o seu tombamento pelo Estado em 1983, depois, sendo transformada em uma Área de Relevante Interesse Ecológico (ARIE) pelo Governo Federal em 1985, e tombada novamente pelo município em 1992. Essas três camadas legais de proteção ajudaram a garantir que, ainda que cercada pelo avanço urbano, a floresta não fosse consumida pelo "apetite imobiliário".
Remanescente expressivo
Hoje, com seus 251 hectares, a Mata Santa Genebra é a maior floresta urbana da Região Metropolitana de Campinas (RMC) e um dos últimos remanescentes expressivos de floresta estacional semidecidual: bioma característico da Mata Atlântica no interior paulista, apresentando estações bem definidas (chuvosa no verão e seca, no inverno) e pelo processo em que uma parte das árvores (entre 20% e 50%) perdem as suas folhas (deciduidade) durante a estação seca para economizar água, um fenômeno chamado de semideciduidade.
Ali se encontram mais de 660 espécies de plantas, algumas raras ou ameaçadas, e uma fauna diversa, que inclui desde pequenos animais até mamíferos de médio porte, como jaguatiricas e onças-pardas registradas ocasionalmente por câmeras de monitoramento.
Contudo, a importância da mata vai muito além de números. Ela funciona como abrigo ecológico, laboratório científico, centro educativo e regulador ambiental de uma região cuja urbanização avançou de forma acelerada.
Pesquisadores da Unicamp, PUC-Campinas e de instituições de outros estados realizam estudos sobre biodiversidade, manejo florestal, mudanças climáticas e restauração ecológica naquela área. Nas trilhas monitoradas, estudantes e visitantes conhecem de perto as espécies nativas, processos de sucessão da mata e os desafios a serem vencidos para manter um fragmento ecológico vivo dentro de uma metrópole.
A Fundação José Pedro de Oliveira mantém ainda um Centro de Educação Ambiental, um viveiro de mudas nativas, um borboletário, além de projetos regulares de visitação guiada, oficinas ecológicas e atividades voltadas a escolas públicas e privadas. Ainda que com acesso controlado, algo essencial para proteger adequadamente o ecossistema, a mata se mantém aberta à população em diversas ações programadas ao longo do ano.
Desafios a enfrentar
Entretanto, como todo fragmento de floresta cercado pela cidade, a Mata Santa Genebra enfrenta desafios. A pressão imobiliária do Distrito de Barão Geraldo, o avanço de condomínios e obras de grande porte, o isolamento da fauna provocado por muros e vias, e os riscos de incêndios em períodos secos são algumas das ameaças constantes.
Rogério Menezes, presidente da Fundação José Pedro de Oliveira, gestora da Mata de Santa Genebra, explica que a mata, uma das principais florestas em área urbana do país, representa ganhos em termos de qualidade de vida para a população do entorno ao regular o microclima e preservar a biodiversidade. E a temperatura na mata chega a ser 8 graus menor do que as áreas urbanizadas da cidade.
"A população dos bairros do entorno convive ainda com uma fauna diversificada, respira o ar puro da floresta. A biodiversidade é enorme e temos várias espécies da fauna e da flora ameaçadas de extinção: uma onça-parda, uma jaguatirica e a palmeira juçara", afirma.
Menezes informa que a mata recebe em um ano 15 mil pessoas em média, sendo que, em 2025, fechará em 20 mil visitantes em todas as frentes de projetos existentes. "As atividades desenvolvidas - o que chamamos de "banho de mata" -, visam resgatar o contato das pessoas com a natureza, porque isso impacta na saúde delas, na visão delas sobre o desenvolvimento delas, impacta a qualidade de vida delas", garante.
Lembrete poderoso
Protegida por leis e vigilância ambiental, a área depende de políticas públicas consistentes, fiscalização contínua e da participação ativa da comunidade. Moradores, pesquisadores e ambientalistas continuamente alertam para a necessidade de fortalecer a Zona de Amortecimento (ZA), que é a área no entorno, com regras e restrições específicas para atividades humanas, funcionando como um escudo ambiental para a fauna, flora e recursos hídricos.
A Mata de Santa Genebra permanece como um lembrete poderoso de que Campinas somente será sustentável enquanto conseguir equilibrar o desenvolvimento com a preservação. Aquela floresta que atravessou séculos, resistiu ao café, à especulação imobiliária e ao descaso pontual do tempo, hoje, é fonte de ar puro, biodiversidade, educação, ciência e identidade para a população.