Por: Raquel Valli e Moara Semeghini

Megaoperação no Rio vira polêmica em Campinas

Centro de Campinas (SP) foi palco de manifestação da esquerda contra as medidas de segurança adotadas por Castro | Foto: @marianaconti

O debate nacional sobre a megaoperação no Rio de Janeiro e, por conseguinte, sobre as medidas de segurança pública que devem ou não ser tomadas pelo Estado, tem sido marcado pela polarização de opiniões, que extrapolou as fronteiras fluminenses e chegou, inclusive, a Campinas (SP).

A discussão extrapolou as redes sociais e chegou às ruas, refletindo a fissura ideológica que divide o Brasil. Na última sexta-feira (31), o centro campineiro foi ocupado por centenas de manifestantes de esquerda convocados nacionalmente pela Coalizão Negra por Direitos.

Para o movimento, "o que houve (no RJ) foi um massacre, de uma política sistemática de morte que atinge homens e meninos negros nas favelas brasileiras". A manifestação em Campinas compôs "O Ato Unificado: Chega de Chacinas, Fora Cláudio Castro", convocado em 15 cidades brasileiras pela Coalizão.

Por outro lado, a direita sustenta que as operações representam não apenas o combate ao narcotráfico, mas a reconquista do território dominado por facções criminosas, que impõem um poder paralelo e fazem dos moradores das comunidades reféns. Neste sentido, a força do Estado é vista como uma resposta necessária e legítima para restaurar a soberania e garantir o direito à segurança e à cidadania nas áreas conflagradas (leia mais abaixo).

A socióloga Camila Vedovello, pesquisadora do Laboratório de Estudos sobre Política e Criminologia (Polcrim), da Unicamp, lembra que a Operação Contenção, envolvendo forças de Segurança do Rio de Janeiro nos complexos do Alemão e da Penha, se transformou na ação mais letal da história do Brasil até o momento, com o registro de mais de 120 mortos.

A ação mobilizou 2,5 mil agentes. A pesquisadora ressalta a necessidade de um acompanhamento minucioso da sociedade em relação aos detalhes que envolveram a operação, que ela aponta como "massacre" ou "chacina policial". "O que vamos ver, agora, são famílias destroçadas e toda uma comunidade traumatizada. É um estado de barbárie", define.

Para a vereadora Mariana Conti (Psol), representante da esquerda no município, "a maior chacina da história não pode ser naturalizada e entendida como 'combate ao tráfico'. É, na verdade, um sistema eleitoreiro e sanguinário que só produz mais violência". Ainda segundo a parlamentar, "o crime organizado se combate com operações de inteligência que atinjam as bases econômicas e políticas que sustentam esse mercado bilionário".

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Coronel Marci Elber Rezende, ex-comandante da PM de Campinas (SP) | Foto: Arquivo Pessoal

O outro lado

Para o coronel da reserva Marci Elber Resende, ex-comandante da PM de Campinas (PS), as opiniões veiculadas sobre a segurança pública no Brasil, especialmente após operações de alta complexidade, como a que ocorreu recentemente no Rio de Janeiro, "carecem, infelizmente, de serem embasadas nos fatos, e não meramente em ideologias políticas". Para o policial, "é preciso que haja uma análise sóbria, feita por verdadeiros especialistas, com verdadeira experiência e conhecimento técnico e não por marqueteiros ideológicos de plantão".

O coronel aponta que na capital fluminense há um Estado paralelo em áreas conflagradas, ou seja, que os moradores são reféns das facções e, caso não se submetam à tirania por elas impostas, têm suas vidas ceifadas, entre tantas outras mazelas".

Por isso, de acordo com ele, "a operação em não foi fruto de invenção súbita, mas de um complexo planejamento orquestrado por, pelo menos, dez meses, incluindo a identificação dos alvos e a obtenção de mandados". Quanto à materialização, "impôs a lógica da guerra urbana: a necessidade de entrar em um campo dominado, localizar e prender os bandidos".

Ainda de acordo com o coronel, "a letalidade, infelizmente, é inerente a essa dinâmica, pois o confronto é inevitável onde narco traficantes dominam o território, e a entrada só é possível mediante combate com lógica de guerra, e não, entre a troca de flores".

Enquanto o Rio de Janeiro lida com o desafio da retomada territorial para a recuperação do estado de direito, São Paulo pode operar sob uma lógica distinta. 

"O território paulista pertence de fato aos moradores, sob a liderança do Estado Paulista. Por isso, em SP, o foco reside sobretudo no sufocamento financeiro do crime organizado - base de sustentação econômica das facções, pois a duras penas, não existe lugar em que a polícia não entre em São Paulo", declara.

Mesmo assim, como no Rio, "a abordagem também exige levantamento preciso de inteligência acurada para minimizar ao máximo efeitos colaterais, de forma a se proteger civis".