O Corpo de Bombeiros cortou, na última terça-feira (28), uma árvore da espécie ipê-roxo de 18 metros de altura, cerca de 60 anos, saudável e vigorosa, que ficava no canteiro central localizado em frente a Igreja Nossa Senhora das Dores, na Rua Maria Monteiro, 1212, no Cambuí, em Campinas (SP). O ipê-roxo (Handroanthus impetiginosus) que foi suprimido era um exemplar declarado imune ao corte em Campinas, ou seja, protegido por lei municipal e não pode ser cortado, removido, podado de forma drástica ou sofrer qualquer dano sem autorização expressa da Prefeitura.
O procedimento, porém, ocorreu sem a autorização e o respaldo do Departamento de Parques e Jardins (DPJ), órgão responsável pela arborização em Campinas, que realiza vistorias técnicas e autoriza o corte de árvores, e é vinculado à Secretaria de Serviços Públicos. A árvore cortada estava localizada no canteiro da Rua Maria Monteiro, entre a Avenida Cel. Silva Telles e a Rua Santos Dumont. O ipê-roxo que morreu deixou um companheiro em pé. Outro exemplar, ainda maior, que também é imune ao corte segundo a lei municipal, permanece no mesmo local vivo, frondoso.
O Comdema (Conselho Municipal de Meio Ambiente), órgão fiscalizador, consultivo e deliberativo sobre as políticas ambientais do município, que inclui a arborização urbana, afirmou que também não foi informado sobre o corte.
“Nós estamos todos muito chocados com o corte daquele ipê maravilhoso daquela pracinha que ficava na frente da igreja, na Rua Maria Monteiro, entre a Silva Teles e a Santos Dumont. Eram dois ipês que foram declarados imunes ao corte. Agora um deles não está mais lá, é uma pena!”, disse a Tereza Penteado, pesquisadora ambiental e presidente do Movimento Resgate Cambuí, associação sem fins lucrativos que busca preservar o patrimônio histórico e ambiental do bairro.
A árvore cortada era imune ao corte, por força de legislação municipal específica: o decreto nº 16.011, de 3 de outubro de 2007, publicado no Diário Oficial do Município em 4/10/2007, na p.1, que especifica em seu Art. 1º a proteção e imunidade do mesmo à supressão.
“Na realidade, estamos todos estarrecidos, porque a última florada daquele ipê foi maravilhosa. Alegrava a vista de todo mundo. Então, este ipê era meio xodó do bairro. Nunca poderia ter acontecido isso. E a gente quer esclarecimento!", disse Tereza.
Em nota, a Secretaria de Serviços Públicos informou que não fez a extração ou a poda da árvore e que solicitou ao Corpo de Bombeiros, que executou o serviço, explicação sobre o motivo de ter feito a retirada da árvore e de não ter solicitado ou informado ao DPJ. A Secretaria disse ainda que “aguarda os esclarecimentos sobre o assunto para, a partir daí, tomar as providências que forem necessárias”.
“Já fizemos questionamentos pela Lei de Acesso à Informação, solicitando toda a documentação sobre esse corte. A gente quer saber, quer informações, por que o bombeiro que foi ali fazer esse corte? Porque o bombeiro só pode agir numa árvore num caso emergencial. E ali a gente já perguntou até pro pessoal do posto, não caiu galho, nem nada daquela árvore”, disse Tereza, que é uma figura conhecida em Campinas por seu trabalho ambientalista e de preservação ambiental no bairro Cambuí. “E não tinha emergência nenhuma. Como que o bombeiro vai lá num dia de chuva, com o apoio da Emdec (porque tinha o pessoal da Emdec ali) e tira essa árvore? Como assim? O que acontece nessa cidade? É uma terra sem lei? Não vai ser uma terra sem lei! Nós temos que ter os esclarecimentos e ir atrás do que aconteceu”, afirmou a Tereza.
O Correio da Manhã entrou em contato com a Secretaria da Segurança Pública (SSP-SP) (que coordena e integra as ações das forças de segurança estaduais, que inclui o Corpo de Bombeiros) e não obteve resposta. Foram enviados dois e-mails para pedir explicações sobre o corte do ipê-roxo, sem êxito. A SSP também foi procurada por meio de telefone, em vão. O espaço segue aberto para uma resposta e explicação sobre o motivo do corte da árvore saudável e sem pedido de autorização dos órgãos competentes.
A Emdec (Empresa Municipal de Desenvolvimento de Campinas), que colocou cavaletes para isolar a área no momento do corte, informou, em nota, que "não houve agendamento prévio dos trabalhos de extração, possivelmente por se tratar de intervenção emergencial. Agentes da mobilidade urbana passaram pelo local e, ao visualizar o bloqueio preventivo realizado na rua Maria Monteiro pelas equipes do Corpo de Bombeiros, prestaram o apoio necessário (liberação da via e sinalização parcial do trecho ocupado) até a finalização da ocorrência. A Emdec reforça que a atuação dos agentes visa sempre preservar a segurança viária e a fluidez do trânsito".
Perplexidade
O engenheiro florestal e agrônomo, José Hamilton de Aguirre Junior, suplente na comissão técnica de arborização urbana do Comdema (Conselho Municipal de Meio Ambiente) disse ter ficado perplexo ao saber da supressão irregular da árvore, realizada pelo Corpo de Bombeiros. “Como o corpo de bombeiros vai lá e corta a árvore imune ao corte, meu Deus? Sem passar por avaliação técnica de profissional competente e dos órgãos técnicos competentes?”, questionou o ambientalista.
Segundo ele, o exemplar passou por seguidas avaliações técnicas, pela ONG Movimento Resgate o Cambuí, nos anos de 2007, 2012, 2017 e 2022 e, em uma avaliação mais recente, realizada em julho de 2024. “Todos esses estudos constataram a saúde do exemplar, bem como condições para sua preservação no local, inexistindo qualquer razão técnica, de acordo com a Lei Municipal de Arborização Urbana de Campinas - 11.571/03 que fundamenta a possibilidade de supressão”, afirmou o engenheiro florestal.
“Nos causou ainda mais espanto constatar, que todas as partes cortadas do exemplar estavam internamente intactas, sem sinal de cavidades/ocos, danos estruturais, rachaduras ou qualquer outra justificativa aparente para embasar sua supressão”, afirmou. “A maneira realizada (para cortar a árvore) causa diversas dúvidas, principalmente, quanto à transparência e necessidade real da sua supressão, que foi muito rápida, impedindo qualquer medida para sua parada, principalmente, de checagem e averiguação das documentações e autorizações necessárias”, afirmou.
Ipê-roxo
A árvore suprimida se trata de um exemplar de ipê-roxo, cujo nome científico é Handroanthus impetiginosus (Mart. ex DC.) Mattos, espécie nativa da flora brasileira, com inflorescência espetacular de cor rosa intenso, uma das árvores ornamentais mais belas do mundo.
Ainda de acordo com Aguirre Junior, como se trata de um exemplar histórico e protegido por legislação específica, além dos critérios exigidos legalmente é exigida a elaboração de laudo técnico completo feita por engenheiro agrônomo, florestal ou biólogo; o recolhimento de Anotação de Responsabilidade Técnica (ART); a aprovação da atividade no órgão competente - Departamento de Parques e Jardins - DPJ, qualquer documentação eventual nesse sentido, obrigatoriamente, teria de passar pela decisão de plenário do Conselho Municipal de Meio Ambiente de Campinas - Comdema, o que não ocorreu.
Sua espécie é considerada quase ameaçada (NT), pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN). Essa classificação reflete a diminuição significativa de suas populações na natureza, causada pela exploração predatória de sua madeira de alto valor, por sua qualidade, características mecânicas, durabilidade e resistência altíssima às intempéries e ação de micro-organismos decompositores como cupins, brocas, bactérias e fungos. A espécie é naturalmente longeva, rústica e dificilmente atacada por doenças.
Como se trata de uma espécie com grau de ameaça e protegida, a legislação campineira determina a compensação ambiental com, pelo menos, 25 exemplares, o que deve e precisa ser feito no local da supressão e entorno próximo, principalmente nas calçadas do bairro Cambuí, segundo o Comdema.
“Até mesmo, para evitarmos o que aconteceu com a supressão de 18 árvores na praça Imprensa Fluminense - Centro de Convivência, em janeiro de 2025, que deveria ter sido compensada pela municipalidade, com o plantio de 270 novas árvores no local e calçadas do entorno, compreendendo 15 para cada suprimida e, no entanto, só recebeu a reposição das cortadas. Substituíram-se árvores grandes, adultas e com diversas contribuições ambientais, por mudas pequenas, em quantidade de 1, para cada removida, o que demora dezenas de anos, até alcançarem o porte e contribuições das anteriores. No momento de emergência climática (com temperaturas extremas) e poluição que vivemos, isso é inaceitável”, desabafou.