Por: Martha Imenes

Brasil pode incluir Direito Digital na reforma do CPC

Marco civil da internet e LGPD podem entrar no Código de Processo Civil, que será reformulado | Foto: Freepik

Em meio ao escândalo da denúncia feita pelo youtuber e influenciador digital Felca - sobre exploração de menores de idade nas redes sociais -, e da aprovação do projeto de lei contra a adultização de crianças e adolescentes em ambientes digitais, o Brasil pode sair na vanguarda e incluir na reforma do Código Civil um livro que trata, exclusivamente, de Direito Civil Digital.

Nele devem ser incluídos o Marco Civil da Internet e a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), por exemplo. Na avaliação de coordenadores da pesquisa, apesar de as regulamentações existentes serem de extrema importância, oferecem tratamento fragmentado e, até mesmo insuficiente, ao ambiente digital. 

A pesquisa é coordenada pelo ministro Luis Felipe Salomão, coordenador da FGV Justiça e presidente da Comissão de Juristas para a Reforma do Código Civil, pelo coordenador adjunto, desembargador Elton Leme, do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJ-RJ); e pela advogada Laura Porto, sub-relatora da Subcomissão de Direito Digital para a Reforma do Código Civil.

"O Projeto de Lei nº 4, de 2025, avança de forma sistemática e consistente no enfrentamento dos desafios trazidos pela digitalização das relações privadas, preenchendo lacunas normativas e introduzindo conceitos inéditos no ordenamento jurídico brasileiro, de forma articulada com os entendimentos jurisprudenciais dos tribunais superiores brasileiros, e tendências legislativas internacionais", diz o estudo.

Exclusão de dados

Entre os pontos centrais, o estudo destaca que a proposta estabelece critérios objetivos para a exclusão de dados e para o direito à desindexação, criando um padrão mais protetivo que o atualmente praticado por grandes plataformas como Google, Meta, TikTok e X.

O estudo também aponta que o projeto avança na regulação de plataformas digitais, aproximando-se do modelo europeu ao prever deveres de transparência, auditorias independentes e responsabilidade para plataformas de grande alcance.

O documento concluiu também que o projeto de reforma se conecta à recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que considerou insuficiente o regime de responsabilidade previsto no Marco Civil da Internet.

Inteligência artificial

No campo da inteligência artificial, o Código Civil prevê princípios gerais de uso responsável, incluindo regras para a criação de imagens, como deepfakes (vídeos que simulam a realidade a partir de inteligência artificial), com exigência de consentimento e respeito à dignidade.

O estudo pondera que o PL 4/2025 avança ao estabelecer princípios fundamentais para o desenvolvimento e o uso de sistemas de IA, mas não regulamenta exaustivamente o tema, o que não seria o seu objetivo. A pesquisa prevê a necessidade de regulamentação da inteligência artificial no futuro.

Já no âmbito contratual, o estudo aponta que o projeto consolida a validade jurídica dos contratos digitais e dos chamados "smart contracts", com requisitos de segurança e auditabilidade, além de atualizar o regime das assinaturas eletrônicas.

 

Texto reforça proteção às crianças e patrimônio digital

O youtuber Felca levantou a discussão na internet | Foto: Reprodução/Youtube/Felca.

O texto reforça a proteção de crianças e adolescentes no ambiente digital, inspirando-se em regras já existentes na União Europeia e no Reino Unido, onde as plataformas têm dever de cuidado e regras mais rígidas para publicidade direcionada a essas faixas etárias.

Outro aspecto enfatizado pela pesquisa é o tratamento do patrimônio digital, que passaria a ser reconhecido como parte integrante da herança, com classificação de bens digitais em econômicos, personalíssimos e híbridos.

Privacidade mental

O projeto também é considerado inovador ao tratar dos neurodireitos, buscando proteger, entre outras coisas, a privacidade mental contra uso indevido por tecnologias que acessam dados cerebrais. Para o estudo da FGV Justiça, o Brasil se alinha a experiências como a do Chile, que regulamenta a questão, com potencial para ser referência normativa na América Latina.

Experiências

Os resultados do estudo partem de experiências normativas da União Europeia, Reino Unido, Alemanha, Argentina, Austrália, Chile, China, Estados Unidos, Espanha e França. A análise destaca o alinhamento da proposta brasileira aos padrões globais de normatização de temas relacionados aos Direito Digital.

PL 2628/2022

Aprovada na Câmara dos Deputados o PL 2628/2022 estabelece regras para a proteção e prevenção de crimes contra menores na internet. No entanto, devido às modificações realizadas pelos deputados, o PL retorna para votação no Senado Federal, onde já havia sido aprovado.

A apreciação do texto acontece dias após a temática ganhar visibilidade nacional com a publicação de um vídeo sobre o assunto pelo youtuber e influenciador Felca.

Conhecido por vídeos de humor e sátiras, Felca rompeu com seu padrão ao publicar um vídeo sobre "adultização". Nele, ele demonstra como algoritmos podem sugerir conteúdos com crianças em contextos impróprios, favorecendo redes de pedófilos e com linguagem cifrada para evitar a moderação.

O impacto foi imediato: o vídeo viralizou, ganhou repercussão na mídia e trouxe à tona debates sobre leis, ética digital e a vulnerabilidade das crianças.

O que é adultização

A adultização de menores consiste em expor crianças e adolescentes a situações, comportamentos e imagens que simulam a vida adulta, muitas vezes com carga sensual ou sexual. É quando uma menina de 12 anos, por exemplo, dança coreografias provocativas ou usa roupas que remetem ao universo adulto.

A exposição distorce a visão de infância e gera consequências psicológicas graves ao abrir espaço para a exploração por parte de adultos mal-intencionados.