Por: Martha Imenes

Férias de 60 dias do Judiciário na mira da reforma administrativa

Está nas mãos dos presidentes Davi Alcolumbre e de Hugo Motta a chance histórica de serem os pacificadores | Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

A semana começa com expectativa para servidores públicos federais, principalmente juízes e promotores, que podem ficar sem as férias de 60 dias. Esse é apenas mais um ponto, entre os cerca de 70, que constam na proposta de reforma administrativa a ser apresentada na Câmara dos Deputados ainda nessa semana.

A sugestão que propõe o fim de benefícios concentrados no sistema de Justiça - como férias de 60 dias (frequentemente convertidas em dinheiro), foi uma das reivindicações do Movimento Pessoas à Frente, que fez um estudo sobre os supersalários do Judiciário.

"O que foi consenso no grupo, está na proposta. Agora, vamos para a discussão. A pressão (contrária) é grande", disse o coordenador do grupo de trabalho da Câmara, deputado Pedro Paulo (PSD-RJ).

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, defende que a reforma administrativa comece pela discussão dos supersalários. Ele explica que no ano passado, o governo enviou Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para limitar os supersalários dentro do pacote de corte de gastos, mas o Congresso desidratou a proposta e incluiu uma regulamentação por lei ordinária, que pode ser mudada mais facilmente que uma lei complementar.

Indignação

"A questão dos privilégios no serviço público está todos os dias nos jornais. Tem gerado uma indignação profunda na sociedade, e esses privilégios estão nos Três Poderes. Ainda que a correção desses abusos não esteja diretamente vinculada a um melhor resultado na ponta de serviços públicos, ela tem um aspecto pedagógico. É quase uma questão de vergonha na cara nós corrigirmos essa situação".

O parlamentar explica que a carreira exclusiva dos juízes "dispõe de um privilégio que é 60 dias de férias mais recesso, quando todo trabalhador no Brasil tem só 30 dias de férias. E esses 60 dias de férias praticamente nunca são gozados, são transformados em pecúnia, são vendidos".

Na proposta de reforma o grupo de trabalho vai sugerir que todos os servidores públicos sigam a mesma regra. "A mesma regra no tempo, 30 dias, e que elas sejam impedidas de se transformar em pecúnia e pagos com retroatividade", pontua.

Outro ponto ressaltado pelo parlamentar foram os supersalários. O projeto aprovado na Câmara tinha muitas exceções, em torno de 30. Mas agora a expectativa é que esse número caia. Segundo ele, os critérios para se definir o que é verba indenizatória e remuneratória serão mais rígidos.

"Vamos balizar os critérios e com certeza não haverá a possibilidade de ter aquelas exceções como aconteceu na votação da Câmara. Essas verbas têm que ser aprovadas em lei, e não podem simplesmente ser definidas e criadas ao sabor do Poder Judiciário, do Poder Legislativo, enfim, elas vão ter que ser instituídas em legislação", afirma.

Eficiência e gestão

O grupo de trabalho vai propor medidas para melhorar a eficiência e gestão do serviço público, incluindo regras para avaliação de desempenho, bônus de eficiência, progressão de carreira e concursos públicos. A expectativa do parlamentar é debater o tema com os partidos e alinhar os textos para aprovar em setembro, informou a Folha.

De acordo com Pedro Paulo, a proposta estará dividida em quatro eixos: governança e gestão e estratégia; recursos humanos, que trata da melhoria da produtividade do serviço público; uma parte de transformação digital; e um quarto eixo que, segundo ele, talvez seja um eixo mais polêmico, que é a questão dos privilégios no serviço público.

 

'Penduricalhos' fazem salários passarem do teto

Os "penduricalhos" - verbas indenizatórias e adicionais que permitem aos magistrados receber além do teto legal do funcionalismo público - fazem os salários do Judiciário ficarem acima do limite constitucional. Somente entre 2023 e 2024, os gastos aumentaram 49,3%, passando de R$ 7 bilhões para R$ 10,5 bilhões em apenas um ano, muito acima da inflação oficial do período, que atingiu 4,83%. Esse é um dos desafios da reforma administrativa que será apresentada pelo deputado federal, Pedro Paulo (PSD/RJ).

Segundo o estudo do Movimento Pessoas à Frente, os auxílios e benefícios correspondem a mais de 43% do rendimento líquido dos magistrados, devendo ultrapassar 50% em breve. Na prática, grande parte da remuneração ultrapassa o teto constitucional (hoje em R$ 46.366,19) de forma indireta e muitas vezes não tributada.

De 2023 para 2024, o rendimento líquido médio de juízes subiu de R$ 45.050,50 para R$ 54.941,80, aumento de 21,95%. O crescimento continuou neste ano, e o valor chegou a R$ 66.431,76 em fevereiro de 2025.

A pesquisa destaca que esses aumentos são impulsionados por verbas classificadas indevidamente como indenizatórias, que escapam do teto e da tributação de Imposto de Renda (IR). As distorções criam um cenário de disparidade dentro do funcionalismo público, considerando que apenas 0,06% dos servidores se beneficia dessas brechas.

Em parceria com uma coalizão de dez organizações da sociedade civil, o movimento elaborou um manifesto em que sugere nove medidas para combater os supersalários.

São elas: 

•Classificação adequada das verbas entre remuneratórias e indenizatórias;

•Limitação das verbas indenizatórias a critérios como natureza reparatória, caráter transitório e criação por lei;

•Aplicação correta do Imposto de Renda sobre verbas remuneratórias;

•Reforço da transparência e da governança na remuneração pública;

•Exigência de lei para criação de qualquer adicional salarial;

•Eliminação de classificações indevidas e transformação de verbas em remuneratórias;

•Fim da vinculação automática entre subsídios;

•Enquadramento como improbidade administrativa de pagamentos acima do teto sem respaldo legal;

•Criação de barreiras ao pagamento de retroativos, com limite temporal.

Liderança e equidade

Organização da sociedade civil plural e suprapartidária, o Movimento Pessoas à Frente trabalha com especialistas, acadêmicos, parlamentares e representantes da sociedade civil. A organização tem como objetivo propor políticas que melhorem a gestão de pessoas no setor público, com foco especial em lideranças e equidade.