A Lei Paulo Gustavo (LPG) tem promovido o fortalecimento de manifestações culturais tradicionais no Distrito Federal, com apoio a projetos voltados à preservação de saberes populares nas áreas da música, do teatro e da contação de histórias. A iniciativa busca garantir a continuidade de práticas artísticas que integram o patrimônio imaterial do país e a formação identitária das comunidades locais.
Entre as ações apoiadas, está a plataforma Encantarias de Culturas Populares, dedicada a difundir expressões culturais de diferentes regiões do Brasil. O projeto oferece atividades gratuitas à comunidade, como exposições com figurinos, instrumentos, bonecos, máscaras e alimentos típicos, além de mediações performáticas, rodas de conversa e oficinas de dança e música popular.
A diretora e proponente do Encantarias, Laura Dorneles, afirma que o projeto tem como foco o reconhecimento da identidade e da diversidade cultural. Segundo ela, o apoio da Lei Paulo Gustavo foi fundamental para garantir a continuidade das ações. O grupo já realizou atividades no Museu de Arte de Brasília e na Galeria Risofloras, no projeto Jovem de Expressão, em Ceilândia. A última etapa ocorre entre 1º e 9 de novembro, no Espaço Cultural Renato Russo.
Durante o evento, será realizada uma roda de conversa com Tamá Freire e Nice Teles, integrante do grupo de maracatu Cavalo Marinho. A programação inclui oficinas de dança, uma aula-espetáculo e as apresentações das peças Nessa Noite Perfumosa e O Sumiço da Alembrança. O primeiro espetáculo aborda a construção de Brasília, relacionando elementos das brincadeiras populares com a vida urbana. O segundo trata da importância da memória e da ancestralidade na formação da identidade coletiva.
Histórias
Outro projeto apoiado pela legislação é o “Memórias Populares”, idealizado pela contadora de histórias Terezinha Ancândida Borges de Brito, conhecida como Mestra Griô Tetê Alcândida. A proposta reúne aula e espetáculo, com narrativas inspiradas nas tradições caipiras e na construção de brinquedos populares. O projeto busca valorizar o protagonismo feminino e transmitir memórias intergeracionais.
O espetáculo narra a história de uma comunidade formada por descendentes de indígenas, ciganos e roceiros, retratando modos de vida baseados na produção artesanal e no convívio com a terra. De acordo com a mestra, a industrialização provocou mudanças que afastaram parte da população dessas tradições. Ela destaca que o apoio da Lei Paulo Gustavo possibilitou o registro e a transmissão dessas experiências.
Em outubro, o Memórias Populares foi apresentado nas Escolas Classe Juscelino Kubitschek e Setor P, no Sol Nascente, e promoveu a Formação de Acessibilidade Cultural no Batalhão das Artes, em Taguatinga. Durante a atividade, o público colaborou na criação de um Plano de Acessibilidade para o espaço, relacionando teoria e prática no processo formativo.
Pife
A tradição do pife, instrumento de sopro de origem indígena feito de materiais como taboca e taquara, também recebeu incentivo. O projeto “O Pife do Distrito Federal” tem o objetivo de preservar e difundir a cultura das bandas de pife no DF, reunindo mestres, aprendizes e grupos musicais em apresentações, oficinas e rodas de conversa. A proposta busca manter viva uma manifestação típica do Nordeste brasileiro que se expandiu para diversas regiões do país.
A Lei Complementar nº 195/2022, conhecida como Lei Paulo Gustavo, representa o maior investimento público já realizado no setor cultural brasileiro, com recursos superiores a R$ 3,8 bilhões destinados a projetos artísticos. O financiamento é concedido por meio de editais e outras formas de seleção pública, administrados pelos governos estaduais, municipais e pelo Distrito Federal.
No DF, já foram repassados R$ 48,1 milhões para o setor cultural, sob gestão da Secretaria de Cultura e Economia Criativa (Secec). Os valores possibilitam o desenvolvimento de iniciativas que promovem a economia criativa e o acesso às artes, contemplando diferentes linguagens e expressões.
A coordenadora de projetos do Centro Integrado de Estudos e Programas de Desenvolvimento Sustentável (Cieds), Adriana Trancoso, ressalta a relevância das políticas culturais de fomento para o fortalecimento da memória coletiva. Segundo ela, as tradições populares refletem a identidade de um povo e orientam a construção de novas manifestações culturais.
De acordo com Trancoso, as políticas públicas voltadas à cultura devem equilibrar a preservação das tradições e o estímulo à inovação. “A cultura muda o tempo todo, mas há uma base que precisa ser mantida. Essas manifestações ajudam a compreender a nossa história a partir da perspectiva popular e contribuem para a formação de novas expressões culturais”, afirma.
A aplicação da Lei Paulo Gustavo no Distrito Federal evidencia a importância da descentralização dos recursos culturais e o impacto das políticas públicas no fortalecimento das identidades regionais. Os projetos contemplados ampliam o acesso da população às atividades artísticas e fortalecem o papel das comunidades como protagonistas na preservação de saberes tradicionais.
O conjunto de iniciativas apoiadas pela LPG demonstra que o investimento público na cultura é também uma forma de preservar a memória coletiva, valorizar os mestres populares e promover a continuidade das manifestações que compõem o patrimônio cultural brasileiro.
Entenda a diferença
Nos últimos anos, três legislações se tornaram fundamentais para o financiamento da cultura no Brasil: Lei Rouanet, Lei Aldir Blanc e Lei Paulo Gustavo. Embora todas tenham como objetivo apoiar a produção artística e fortalecer o setor cultural, cada uma possui características próprias em relação à origem dos recursos, à forma de acesso e à finalidade do investimento.
A Lei Rouanet, oficialmente chamada de Lei Federal de Incentivo à Cultura (Lei nº 8.313/1991), é o principal instrumento de renúncia fiscal voltado à cultura no país. Por meio dela, pessoas físicas e jurídicas podem destinar parte do imposto de renda devido para financiar projetos culturais previamente aprovados pelo Ministério da Cultura. Os recursos, portanto, não saem diretamente do orçamento público, mas do redirecionamento de tributos que seriam pagos à União. A proposta da Rouanet é incentivar o investimento privado na cultura, abrangendo áreas como música, teatro, artes visuais, cinema, patrimônio, literatura e circo. Empresas e cidadãos escolhem quais projetos desejam apoiar, o que gera uma dinâmica de parceria entre produtores culturais e o setor empresarial.
Já a Lei Aldir Blanc (Lei nº 14.017/2020) surgiu em um contexto emergencial, durante a pandemia de covid-19. Com o fechamento de teatros, museus e espaços culturais, a lei foi criada para garantir renda a trabalhadores da cultura e manter espaços culturais em funcionamento. Diferentemente da Rouanet, os recursos da Aldir Blanc foram repassados diretamente da União para estados e municípios, que ficaram responsáveis pela distribuição por meio de editais, chamadas públicas e subsídios mensais. O foco é a continuidade de ações culturais, a formação de público e o fomento à diversidade artística, fortalecendo as economias locais.
A mais recente entre as três é a Lei Paulo Gustavo (Lei Complementar nº 195/2022), criada para impulsionar a retomada do setor cultural após a pandemia. O nome homenageia o ator e humorista morto por complicações da covid-19. Diferente da Rouanet, a Paulo Gustavo não depende de renúncia fiscal e, assim como a Aldir Blanc, utiliza recursos do Fundo Nacional de Cultura (FNC), repassados diretamente a estados, municípios e ao Distrito Federal. A LPG destinou R$ 3,8 bilhões ao setor, representando o maior investimento direto em cultura da história do Brasil. Desse total, cerca de R$ 2 bilhões foram direcionados ao audiovisual e o restante foi destinado a outras áreas culturais, como música, teatro, dança, circo e artesanato. Os valores foram aplicados por meio de editais públicos, garantindo que projetos de todas as regiões tivessem oportunidade de participar.
Enquanto a Lei Rouanet estimula a participação da iniciativa privada, a Lei Aldir Blanc e a Lei Paulo Gustavo se baseiam em financiamento público direto, com foco em democratizar o acesso aos recursos e descentralizar os investimentos culturais. Juntas, elas compõem uma estrutura complementar que busca equilibrar sustentabilidade econômica e diversidade cultural no país.