Por: Mayariane Castro

Lente em negro

Beleza e ancestralidade no olhar dos fotógrafos | Foto: Ribeira

A Casa Niemeyer, espaço cultural vinculado à Universidade de Brasília (UnB), inaugurou a exposição “Foto Preto Grafia”, que reúne trabalhos de sete artistas contemporâneos: Luiz Roberto Moreira, Andyara Miranda, gabmeta, Denise Camargo, David Alves, Juliana Uepa e Letícia Miranda. A mostra integra o calendário do Mês da Consciência Negra e marca a abertura da VII Mostra Competitiva de Cinema Negro Adélia Sampaio, prevista para 2025.

A exposição tem curadoria de Claudio Bull e conta com a colaboração da professora Edileuza Penha de Souza, coordenadora da Mostra de Cinema Negro, além da equipe de Curadoria e Exposições da Diretoria de Difusão Cultural (DEX/UnB). A proposta é apresentar um panorama da fotografia produzida em diálogo com a arte de matriz africana, articulando narrativas visuais sobre ancestralidade, identidade e memória.

Os trabalhos expostos abrangem diferentes técnicas, suportes e temáticas. O percurso visual se organiza em torno da pluralidade de olhares e do modo como cada artista interpreta as relações entre corpo, território e pertencimento. As obras transitam entre a representação simbólica de mitologias, registros documentais e experimentações visuais realizadas no Brasil e no exterior.

Entre os destaques, o fotógrafo Luiz Roberto Moreira apresenta um ensaio inspirado na mitologia grega, reinterpretada por meio de corpos negros. A série retrata figuras como Zeus e Apolo, representadas por modelos que encarnam arquétipos de força, sabedoria e transformação. O conjunto propõe uma releitura visual das imagens clássicas da antiguidade, associando-as à ancestralidade africana.

O artista David Alves exibe fotografias urbanas de Brasília, nas quais registra o cotidiano da capital federal a partir de uma perspectiva que valoriza a presença negra em espaços públicos. Já Andyara Miranda apresenta o ensaio “Egbé”, termo iorubá que significa comunidade ou pertencimento espiritual. Suas imagens aproximam o ato fotográfico de um rito, explorando a relação entre corpo, luz e memória. A artista utiliza técnicas como a cianotipia, processo artesanal de revelação com luz solar e o filme 35mm, um ângulo específico utilizado por uma lente fotográfica, para construir uma narrativa visual que combina materialidade e espiritualidade.

Mar e África

Na série assinada por gabmeta, o corpo negro é retratado em fusão com as águas oceânicas, em composições que evocam o movimento e o deslocamento simbólico entre continentes. A fotógrafa Letícia Miranda combina colagem e fotografia em paisagens intimistas, produzindo imagens que associam fragmentos visuais à construção de memórias pessoais e coletivas.

A artista Juliana Uepa apresenta registros realizados em Cotonou, no Benin, país africano marcado por tradições ligadas ao Voodoo, uma religião de matriz africana que combina espiritualidade e sincretismo. Suas fotografias documentam rituais e celebrações de ancestralidade, compondo um relato visual sobre as práticas religiosas e culturais de origem africana. A mostra inclui ainda uma videoinstalação de Denise Camargo, que propõe uma reflexão sobre a presença do corpo negro na imagem e sobre a construção de novas formas de representação no campo da fotografia brasileira.

Reflexão

Segundo o curador Claudio Bull, a exposição busca destacar o papel da fotografia negra como ferramenta de visibilidade e reflexão. Ele afirma que o gesto de revelar uma imagem é também uma forma de demarcar no mundo a presença desses olhares e experiências. Para Bull, o conjunto de obras evidencia a diversidade de perspectivas que compõem o panorama atual da fotografia no Brasil.

“Foto Preto Grafia” propõe ao público uma leitura ampliada da produção fotográfica afro-brasileira. O projeto considera a imagem como um instrumento de narrativa e resistência, capaz de restituir protagonismo a corpos e histórias historicamente marginalizados. As obras reunidas estabelecem diálogos entre passado e presente, entre o registro documental e a experimentação estética, revelando diferentes modos de compreender e representar a identidade negra no campo das artes visuais.

O conceito curatorial articula-se também com a programação da VII Mostra Competitiva de Cinema Negro Adélia Sampaio, evento dedicado à difusão de obras audiovisuais produzidas por realizadores negros. A aproximação entre fotografia e cinema visa reforçar a importância de espaços institucionais que promovam a circulação de obras comprometidas com a valorização da diversidade cultural.

A Casa Niemeyer, que abriga a exposição, é um dos principais espaços expositivos da Universidade de Brasília. Projetada por Oscar Niemeyer e administrada pela DEX/UnB, a instituição tem como missão difundir produções artísticas contemporâneas e promover debates sobre arte, cultura e sociedade. A realização de “Foto Preto Grafia” faz parte de uma série de ações voltadas à promoção da cultura afro-brasileira, em consonância com as comemorações do Mês da Consciência Negra.

A mostra fica aberta à visitação gratuita e oferece visitas mediadas para grupos e escolas mediante agendamento. A programação completa e informações sobre os artistas participantes podem ser consultadas nos canais oficiais da Casa Niemeyer e da Universidade de Brasília.