Por: Thamiris de Azevedo

Escola irregular no DF levanta suspeitas e revolta

Escola Kairós/Reprodução-Instagram | Foto: Reprodução/Instagram

O Correio da Manhã foi procurado por mães de alunos do Colégio Kairós, preocupadas com a situação dos filhos matriculados na unidade de Águas Claras, no Distrito Federal. Segundo relataram, os próprios responsáveis pelas crianças passaram a investigar a regularidade da escola após notarem mudanças significativas no comportamento dos filhos e dos professores. As averiguações indicaram que o colégio estaria operando sem a devida autorização dos órgãos competentes, o que agravou ainda mais a insegurança das famílias.

Micheli Ferreira, mãe de uma criança de três anos, conta que a filha começou a apresentar comportamentos incomuns, como retornar da escola com uma fome excessiva. Segundo ela, as alterações coincidiram com o anúncio, feito no final de junho, de uma suposta “fusão” entre o Colégio Kairós e a Casa Montessori. A comunicação foi feita via aplicativo e, em poucos dias, os estudantes foram transferidos para outra unidade.

“No início, até achei bom. O outro colégio é bem mais caro e a estrutura também é melhor”, afirma.

Grupo

Ferreira relata que, ao dividir suas preocupações com outras mães, surgiram relatos semelhantes. As desconfianças resultaram na criação de um grupo, que afirma ter constatado diversas irregularidades na administração da escola.

“A desorganização e a falta de comunicação se instalaram. Fomos transferidos para outra unidade sem contrato ou termo aditivo que contemplasse as mudanças, e sem nenhuma reunião formal explicando o motivo da alteração. No decorrer dos dias, descobrimos que nenhuma das instituições possuía licença para funcionar”, denuncia.

“Pelos relatos e pesquisas que fizemos, é sempre assim: no começo, tudo parece maravilhoso, depois vem uma troca de CNPJ e as coisas começam a desandar. Houve inclusive relatos de que nossos filhos estão sendo tratados de forma desigual em relação aos estudantes veteranos da Montessori”, completa.

As mães também demonstram preocupação com o bem-estar dos profissionais da educação, relatando que professores e auxiliares foram vistos chorando dentro da escola em mais de uma ocasião.
Reunião

Na última quinta-feira (24), após diversas reivindicações, foi realizada uma reunião com os pais na “nova” unidade de ensino. Segundo relatos, o encontro ocorreu devido a omissão do Colégio Kairós, que não havia prestado esclarecimentos às famílias. Beatriz Rodrigues, mãe de uma aluna de dois anos, conta que não pôde comparecer, mas que seu marido voltou indignado.

“Quando ele chegou, contou que percebeu, junto com outros pais, certo deboche por parte da responsável da Casa Montessori. Ele disse que não estavam interessados em ouvir e nem em responder nossas dúvidas”, relata.

Rodrigues afirma que pretende recorrer à Justiça, mas que, no momento, sua prioridade é tirar a filha da escola.

“Em um segundo momento, vamos registrar boletim de ocorrência, acionar o Ministério Público e entrar com ação judicial. Do jeito que está sendo feita essa transição, e com todas as informações que recebemos sobre o cuidado com as crianças, que são vulneráveis, entendemos que há violação do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente). Nosso foco agora é encontrar uma nova escola para que nossa filha possa continuar os estudos com segurança. A escola também é parte da nossa rede de apoio”, ressalta.

Alimentação

Thais Lima, mãe de uma menina de três anos. Ela destaca que a própria criança disse que não podia repetir a comida na escola. Além disso, afirma que os alunos têm sido deixados por longos períodos no parquinho, sob sol intenso.

“Minha filha já vinha apresentando mudanças comportamentais devido à constante troca de professores. Mas nas últimas três ou quatro semanas piorou. Prometeram que, no dia 21, uma professora estaria com a turma da minha filha, mas continuam apenas com uma auxiliar para cuidar de cerca de 16 crianças. Asc crianças estão passando o dia todo no parquinho, expostas ao sol. Além disso, minha filha chega em casa com fome, e ela me contou que agora é proibido repetir a comida”, declara.

Documentação

Assim como Micheli, Thais também relata dificuldades para acessar os documentos escolares da filha.

“Fui até a escola para verificar se havia documentação ou contrato e não encontrei nada. A secretária informou que recebeu apenas uma planilha com os nomes dos alunos, sem nenhuma informação individual. Se algo acontece, como vão saber pelo menos o nome e o telefone dos pais?”, questiona.

Transferências em espera

Diversas mães relatam que pediram transferência dos filhos, mas ainda não conseguiram obter a documentação necessária. Segundo elas, a escola prometeu entregar os papéis na próxima segunda-feira (28).

Lorenna Bravo, mãe de duas alunas de dois e cinco anos, também denuncia a falta de informações claras.

“Eles são muito vagos. Quando pedi informações básicas na Montessori, fui tratada com rispidez. Disseram que tudo relacionado à Kairós deve ser resolvido com o Kairós, deixando claro que nossas filhas não fazem parte da nova escola. Informamos nossa decisão no aplicativo e fomos até o setor financeiro da Montessori. Pediram que aguardássemos até segunda-feira para explicarem sobre o distrato, a transferência dos alunos e outros detalhes. O antigo prédio da Kairós. Fizeram questão de não deixar rastros que ali um dia foi uma escola. Fiquei abismada”, afirma.

Maria Bezerra, mãe de um menino de dois anos, também relata a mudanças no comportamento do filho e optou por buscar outra instituição.

“Percebi um retrocesso no desenvolvimento dele e fiquei preocupada com a forma como essa ‘fusão’ foi conduzida. Diante da falta de comunicação e de soluções, decidi retirar meu filho. Solicitei, pela plataforma da escola, a transferência, o distrato e os materiais escolares. Estou aguardando retorno”, disse.

O que diz a Secretaria de Educação

Em resposta à reportagem, a Secretaria de Educação do Distrito Federal confirmou a existência de irregularidades. Informou que o Colégio Kairós chegou a abrir um processo de credenciamento junto à pasta, mas que a própria instituição solicitou o arquivamento, alegando “motivos de ordem pessoal e administrativa”.

Já o Centro Educacional Casa Montessori possui um processo de credenciamento em andamento, ainda em fase de deliberação.

A Secretaria informa ambém que a Resolução nº 2/2023 não prevê a possibilidade de fusão entre instituições educacionais. A informação revela que não há qualquer processo formal de integração entre as duas escolas.

Outro lado

O jornal entrou em contato com Carminha Cavallini, responsável pela Casa Montessori. Ela confirma o recebimento de alunos oriundos do Colégio Kairós, mas disse não estar ciente de qualquer dificuldade enfrentada pelos pais em relação à documentação.

“Não temos muito o que falar sobre isso porque, para nós, está tudo tranquilo. Na escola que compramos, uma parte dos alunos ainda está de férias. Eles iniciarão o segundo semestre no dia 28 de julho. Por isso, acredito que não estejam conseguindo contato com a escola de origem (Kairós)”, afirmou.

Também procurada pela reportagem, Daniella Asevedo, representante da escola Kairós, que está em viagem, disse compreender as preocupações, mas nega as acusações.

“Realizamos uma reunião extensa com as famílias, conduzida por nossa gestora pedagógica, onde pontos importantes foram esclarecidos. Muitas famílias saíram satisfeitas. Entendemos que mudanças geram dúvidas e estamos conduzindo o processo com responsabilidade, diálogo e respeito. A questão contratual está sendo analisada pelo nosso setor jurídico. Nossa secretária, que mantinha contato direto com as famílias, está temporariamente ausente por motivos pessoais, e retorna na próxima segunda-feira. Embora a ausência tenha sido comunicada via agenda digital, compreendemos que alguns pais possam ter se sentido desassistidos. As crianças são nossos bens mais preciosos, e seguimos firmes por elas, com compromisso e cuidado”, conclui.

O Correio da Manhã apurou que Asevedo tem diversos processos jurídicos sobre demandas relacionadas a gestão de centros educacionais.