Na maior ofensiva já realizada contra o crime organizado no país, cerca de 1.400 agentes da Receita Federal, Polícia Federal e outros órgãos foram às ruas na manhã desta quinta-feira (28) para cumprir mais de 400 mandados judiciais, incluindo 14 de prisão, e centenas de busca e apreensão em dez estados. Três operações simultâneas - Quasar, Tank e Carbono Oculto – foram deflagradas para desmantelar um esquema ligado ao Primeiro Comando da Capital (PCC) que inclui lavagem de dinheiro no setor de combustíveis.
As investigações apontam que a facção criminosa, dotada de cerca de 1,1 mil postos de combustíveis, 1,6 mil caminhões e outros bens, movimentou, de forma ilícita, aproximadamente R$ 140 bilhões de 2020 a 2024. As medidas judiciais levaram ao bloqueio e sequestro de mais de R$ 3,2 bilhões em bens e valores.
Conforme a Receita Federal, o esquema conta com estrutura financeira para lavagem de dinheiro e ocultação de patrimônio. O órgão informou, por meio de nota, que a facção se utilizava de fintechs e de dezenas de fundos de investimentos. Ao todo, 42 alvos estão localizados em cinco endereços na Avenida Faria Lima, em São Paulo, maior centro financeiro do país, e têm um patrimônio de mais de R$ 30 bilhões.
Mais de R$ 1 bilhão em bens dessas empresas foram bloqueados. O valor deve ser usado para a garantia de crédito tributário, informou a Receita.
Decisões judiciais
O Correio teve acesso à decisão do juiz Sandro Nogueira Barros de Leite, do Foro de Catanduva (SP), que autorizou buscas e apreensões. O documento aponta como líderes do esquema Mohamad Hussein Murad, vulgo ‘Primo’ ou ‘João’, e Roberto Augusto Leme da Silva, também conhecido como ‘Beto Louco’.
O despacho também cita empresas participantes do esquema de lavagem de dinheiro, dos setores de combustíveis e financeiro. A lista inclui a Bankrow, BK Instituição de Pagamento S.A. (Ribeirão Preto/SP), Império Comércio de Petróleo S/A, G8.LOG, Transportes Sociedade Unipessoal LTDA, Blue Star Locação de Equipamentos, Holding do Brasil S.A., Blendor S.A, Bannout Participações S.A., Zurich Holdings e Participações LTDAS, Zeus Fundo de Investimentos em Direitos Creditórios, Brazil Special Opportunities e Antena Fundo de Investimento em Participações Multiestratégia.
Clique aqui para abrir o despacho do Foro de Catanduva
A reportagem também teve acesso à decisão do juiz Guilherme Eduardo Martins Kellner, do Foro Central Criminal da Barra Funda, da cidade de São Paulo, que igualmente autorizou buscas e apreensões contra pessoas físicas e jurídicas envolvidas no esquema.
Clique aqui para abrir o despacho do Foro da Barra Funda
Pelas redes sociais, o presidente Lula (PT) afirmou que a megaoperação teve como foco principal proteger a população brasileira. “Nosso compromisso é proteger cidadãos e consumidores: cortar o fluxo de dinheiro ilícito, recuperar recursos para os cofres públicos e garantir um mercado de combustíveis justo e transparente, com qualidade e concorrência leal”, afirmou o presidente.
A população em todo o país assistiu hoje à maior resposta do Estado brasileiro ao crime organizado de nossa história até aqui. Em atuações coordenadas que envolveram Polícia Federal, Receita Federal e Ministérios Públicos estaduais, foram deflagradas três operações simultâneas…
— Lula (@LulaOficial) August 28, 2025
Força-tarefa
Além da Receita e da PF, participaram também da operação servidores MP-SP (Ministério Público de São Paulo), MPF (Ministério Público Federal), polícias Civil e Militar, Sefaz-SP (Secretaria da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo), ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis); e PGE-SP (Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo).
Os mandados de busca e apreensão foram cumpridos em pelo menos oito estados: São Paulo, Espírito Santo, Paraná, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, Rio de Janeiro e Santa Catarina.
Pelas redes sociais, o presidente Lula (PT) afirmou que a megaoperação teve como foco principal proteger a população brasileira. “Nosso compromisso é proteger cidadãos e consumidores: cortar o fluxo de dinheiro ilícito, recuperar recursos para os cofres públicos e garantir um mercado de combustíveis justo e transparente, com qualidade e concorrência leal”, afirmou o presidente.
Combustíveis adulterados
Conforme a investigação, importadoras compravam no exterior nafta, hidrocarbonetos e diesel com recursos de formuladoras e distribuidoras vinculadas ao PCC. De 2020 a 2024, foram importados mais de R$ 10 bilhões em combustíveis no esquema.
Empresas "sonegavam reiteradamente tributos em suas operações de venda", segundo nota divulgada pela Receita Federal.
As investigações apontam que o grupo movimentou valores bilionários de 2020 a 2024, com importações de combustíveis que somaram mais de R$ 10 bilhões, créditos tributários já constituídos pela Receita no valor de R$ 8,67 bilhões, movimentações financeiras de R$ 52 bilhões em mais de mil postos de combustíveis em dez estados — Bahia (BA), Goiás, Maranhão (MA), Minas Gerais (MG), Paraná, Piauí (PI), Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul (RS), São Paulo e Tocantins (TO) — e, ainda, R$ 46 bilhões operados por fintechs que funcionavam como bancos paralelos da organização.
Combustíveis também eram adulterados. "O metanol, importado supostamente para outros fins, era desviado para uso na fabricação de gasolina adulterada, com sérios prejuízos para os consumidores", destaca a Receita.
Lavagem de dinheiro
Segundo a investigação, formuladoras, distribuidoras e postos faziam parte da estrutura operacional do esquema. "Há indícios de que as lojas de conveniência e as administradoras desses postos, além de padarias, também participavam do esquema", disse a Receita.
O órgão acrescenta que o recolhimento de tributos pelos postos de combustíveis era muito baixo e incompatível com suas atividades. “Os postos já foram autuados pela Receita Federal em mais de R$ 891 milhões”, diz a Receita Federal, no comunicado.
Apenas um grupo de 140 postos recebeu um total de mais de R$ 2 bilhões em notas fiscais de combustíveis. "Possivelmente, essas aquisições simuladas serviram para ocultar o trânsito de valores ilícitos depositados nas distribuidoras vinculadas à organização criminosa", informa a Receita.
Ocultação de patrimônio
Ainda conforme a Receita, fintechs foram utilizadas como “bancos paralelos” para dificultar o rastreamento financeiro, sendo que uma dessas instituições movimentou, sozinha, mais de R$ 46 bilhões no período investigado, e o dinheiro era reinvestido em fundos de investimento, imóveis, usinas e veículos.
“A utilização de fintechs pelo crime organizado objetiva aproveitar brechas na regulação desse tipo de instituição. Essas brechas impedem o rastreamento do fluxo dos recursos e a identificação, pelos órgãos de controle e de fiscalização, dos valores movimentados por cada um dos clientes da fintech de forma isolada”, diz a Receita Federal.
Dinheiro ilícito era reinvestido
A Receita informa também que a venda irregular de combustíveis e a lavagem de dinheiro eram blindados em fundos de investimentos. O órgão explica que esses fundos contavam "com diversas camadas de ocultação", para "tentar impedir a identificação dos reais beneficiários".
Além disso, valores foram usados em negócios, propriedades e fundos de investimentos. A Receita Federal já identificou ao menos 40 fundos de investimentos multimercado e imobiliários, com patrimônio de R$ 30 bilhões, controlados pela organização criminosa.
Os investigadores descobriram ainda que entre os bens estão: um terminal portuário, quatro usinas produtoras de álcool, 1.600 caminhões para transporte de combustíveis e mais de cem imóveis, incluindo seis fazendas no interior de São Paulo, avaliadas em R$ 31 milhões, e uma casa em Trancoso (BA), comprada por R$ 13 milhões.
‘Andar de cima’ do crime
"Essa operação é exemplar, porque ela conseguiu chegar na cobertura do sistema, no andar de cima do sistema", afirmou o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), em coletiva de imprensa. Para ele, a identificação e sequestro de recursos e bens irregulares pelo governo, ou seja, a chamada ‘desmonetização’, é um passo importante no combate a organizações criminosas no país.
O ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, afirmou que o crime organizado "se apropriou do setor de combustíveis".
"É uma das maiores operações da história contra o crime organizado, sobretudo em sua atuação no mercado legal, ou seja, atacando, neste momento, o setor de combustíveis, apropriação das organizações criminosas, em parte do setor de combustíveis, e a sua ligação com o setor financeiro no que diz respeito a lavagem de dinheiro", afirmou o ministro.
CPI das Fintechs
O líder do PT na Câmara, Lindbergh Farias (RJ), repercutiu a megaoperação pelas redes sociais e anunciou ter protocolado um requerimento para que seja instalada a CPI das Fintechs.
"A CPI vai enfrentar o crime organizado, a intermediação das Fintechs da Faria Lima num sofisticado esquema de terceirização da lavagem de dinheiro e as redes de desinformação usadas para atacar instituições e fragilizar o combate à lavagem de dinheiro", diz a publicação do deputado.
URGENTE
— Lindbergh Farias (@lindberghfarias) August 28, 2025
Protocolei requerimento e vamos iniciar a coleta de assinaturas na Câmara dos Deputados para a instalação da CPI das Fintechs.
Nosso objetivo é investigar as conexões entre o crime organizado, bancos digitais, fintechs e grandes setores produtivos e também a rede de…