O Brasil já perdeu 94% da população de jumentos em menos de três décadas: de 1,37 milhão de animais em 1996, restam hoje apenas cerca de 78 mil. Esse declínio dramático se deve principalmente ao abate em larga escala para extração de pele, que é enviada para a produção de ejiao, um colágeno altamente valorizado na medicina tradicional chinesa. A crescente demanda por esse produto na Ásia tem impactos profundos não apenas sobre os animais brasileiros, mas também sobre a população de jumentos em todo o mundo.
O último relatório da organização The Donkey Sanctuary fala em uma demanda crescente de, pelo menos, 5,9 milhões de peles por ano, provocando graves consequências socioeconômicas em países do Sul Global: sobrecarga de trabalho para mulheres no meio rural, perda da renda da família e até abandono escolar de jovens e crianças, cuja mão de obra é usada na ausência dos jumentos, frequentemente roubados dessas populações em países da África e América Latina.
Mas existe uma forma para barrar a ação de abatedouros de jumentos que visam a pele exportada. O mesmo colágeno extraído da carcaça do animal pode ser fabricado em laboratório por meio da chamada agricultura celular. Trata-se de um conjunto de biotecnologias que permite produzir proteínas e colágeno biologicamente idênticos aos derivados de origem animal, mas resultam de cadeias produtivas seguras, rastreáveis e livres de sofrimento.
Entre as tecnologias mais avançadas está a "fermentação de precisão", na qual microrganismos como leveduras ou bactérias recebem o gene responsável pela produção de colágeno e passam a fabricá-lo em tanques de fermentação, método já usado em larga escala em medicamentos e capaz de gerar colágeno de jumento em apenas seis dias. Há ainda o cultivo de tecidos, em que células extraídas dos jumentos de forma não invasiva são cultivadas em biorreatores até formarem tecidos que liberam colágeno, embora essa seja uma via mais demorada.
Essa teoria já tem data para virar realidade. Até dezembro de 2026, deverão surgir os primeiros colágenos de jumento originados pela fermentação de precisão, fabricados pelo LABEA - Laboratório de Bem-Estar Animal da Universidade Federal do Paraná. De acordo com a professora e doutora Carla Molento, coordenadora do projeto, o estudo segue em estágio avançado e com prazo de finalização no próximo ano.
"Essa pesquisa é resultado de uma colaboração inédita entre a UFPR e a Universidade de Wageningen, nos Países Baixos, referência mundial em biotecnologia, além de contar com o fomento do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima e da Fundação Araucária do Paraná. O objetivo é claro: oferecer ao mercado uma alternativa rastreável, segura e sustentável, que torne desnecessário o abate, a extinção e o sofrimento de jumentos; além do risco sanitário já demonstrado inúmeras vezes em função de ser uma prática extrativista", salientou ela.