Por Ana Estela de Sousa Pinto
(Folhapress)
Críticas indiretas aos Estados Unidos por suas ações militares no Caribe e sua política comercial e de imigração marcaram a declaração final da 4ª cúpula UE-Celac, que reuniu 58 países da União Europeia e da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos. O documento também mandou recado à Venezuela e à Nicarágua, ao defender "eleições livres e transparentes" - representantes de ambos os países não assinaram o texto conjunto.
Sem citar os americanos, a declaração pede "segurança marítima e estabilidade regional no Caribe", onde o governo de Donald Trump tem bombardeado embarcações sob acusação de ligação com o narcotráfico. O mais recente foi anunciado pelo Pentágono nesta segunda (10), com 6 mortos - contando estas vítimas, já são 75 os que morreram em ataques a barcos por forças americanas.
"Reafirmamos nossa adesão aos princípios e propósitos da Carta das Nações Unidas, em particular a igualdade soberana dos Estados, o respeito à integridade territorial e de a independência política, a não intervenção em assuntos que são essencialmente da jurisdição interna dos Estados e o arranjo pacífico das controvérsias. Reiteramos nossa oposição à ameaça ou ao uso da força", diz o texto.
Em 52 pontos, o documento reforça também a necessidade de democracia e diálogo multilateral, cita a guerra na Ucrânia, o conflito em Gaza e sugere reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas "para torná-lo mais representativo" (um ponto que interessa particularmente ao Brasil, que deseja ser membro permanente do órgão). O Uruguai, que assume a próxima presidência rotativa da cúpula, deve propor agora um "mapa do caminho", com medidas práticas de cooperação em áreas como ação climática, transição energética e combate ao crime organizado.
A ofensiva americana no Caribe foi o tema dominante de várias declarações de líderes antes e durante a cúpula e objeto do presidente Lula em seu discurso na reunião: "A ameaça de uso da força militar voltou a fazer parte do cotidiano da América Latina e do Caribe. Velhas manobras retóricas são recicladas para justificar intervenções ilegais. Democracias não combatem o crime violando o direito internacional".
O parágrafo sobre o assunto, porém, foi o que teve mais ressalvas entre os participantes: sete países, entre eles a Argentina, a Costa Rica e o Equador, se desassociaram desse ponto.
O governo do presidente ultraliberal Javier Milei também não endossou parágrafos sobre o apoio ao fim do embargo a Cuba; o compromisso com uma solução de dois Estados para o conflito entre Gaza e Israel; o pedido de governança ética para inteligência artificial e de combate à desinformação nas redes sociais; e menções a gênero e políticas de sustentabilidade, todos temas caros à Casa Branca, com quem os argentinos negociam um resgate financeiro.
A declaração final dos dois blocos também se dirige aos EUA, sem citá-los, no capítulo sobre comércio, que trata de "tensões comerciais" que precisam ser reduzidas para "facilitar o comércio internacional e melhorar o acesso ao mercado", e defende um sistema de negociações multilaterais "baseado em regras", "aberto, transparente, inclusivo, não discriminatório e previsível, com a Organização Mundial do Comércio (OMC) em seu núcleo".
O texto pede ainda "migração regular, segura e ordenada" em conformidade com o direito internacional e cita explicitamente "os processos de retorno", em referência à política de deportação de imigrantes implementada por Trump.