Por: Déborah Gama
A cada 38 minutos, um homem morre no Brasil em decorrência do câncer de próstata, tipo de doença que representa quase 30% dos casos oncológicos no homem, conforme dados do Instituto Nacional de Câncer (INCA). Esta é a segunda neoformação mais comum entre o público masculino, perdendo apenas para o câncer de pele não melanoma.
Os dados são alarmantes e apontam em um alto índice de que 60% (1,5 mil) do total de pacientes do sexo masculino acima dos 40 anos já estão com doenças em estado considerado avançado quando procuram tratamento, segundo um levantamento feito pelo Centro de Referência da Saúde do Homem.
Por isso, campanhas como Novembro Azul, que buscam conscientizar acerca do câncer de próstata, são extremamente importantes. Apesar da alta incidência do câncer, a campanha ainda parece não ter a mesma força e presença social que o Outubro Rosa — dedicado ao câncer de mama — alcançou entre as mulheres.
Resta-nos o questionamento: Por que essa disparidade? Na matéria, especialistas apontam que a resposta passa por fatores culturais, o preconceito e o tempo de existência das campanhas.
O câncer que mais mata entre os homens, é o menos discutido
Para entender a gravidade do cenário, é crucial comparar a mortalidade: O Brasil registrou mais de 17 mil mortes de câncer de próstata em 2024, o equivalente a 48 óbitos por dia - uma alta de 21% em dez anos, segundo números da Sociedade Brasileira de Urologia.
Com números similares, sendo o último registro de 2023, com mais de 20 mil mortes pela doença no país, segundo o INCA, o câncer de mama é muito discutido entre o público feminino. É comum ver encontros entre mulheres, bate-papos sobre a doença e a campanha Outubro Rosa sendo abraçada por empresas, familiares e amigas. Embora o número de óbitos seja próximo e a incidência dos cânceres de mama e próstata sejam alarmantes, a doença em meio aos homens não é tão debatida quanto deveria.
"O 'tom ameaçador' da doença se dá pelo seu volume que, pela projeção do INCA, fecharemos este ano com mais de setenta mil mortes causadas pelo tumor," afirma o urologista Lucilio Neto, destacando a letalidade da neoplasia.
A próstata é uma glândula pequena, do tamanho de uma noz, que fica abaixo da bexiga e tem a função de produzir parte do sêmen. O câncer de próstata acontece quando as células dessa glândula se multiplicam de forma desordenada, formando um tumor que pode invadir tecidos vizinhos e se espalhar por outros órgãos. Portanto, é essencial que os homens tenham o hábito de manter a rotina de exames em dia.
O preconceito pode atrasar o diagnóstico precoce
O grande paradoxo do câncer de próstata é que ele é altamente curável quando detectado cedo. "A precocidade é o segredo da cura. Podendo chegar de 95 a 98% de cura com o diagnóstico precoce," garante o urologista. Contudo, o preconceito e a falta de informação são fatores que podem atrasar o diagnóstico, piorando ainda mais o quadro de saúde de muitos homens.
"Certamente, a maior causa desta dificuldade no diagnóstico consiste no preconceito do exame do toque retal", destaca o Dr. Lucilio Neto, reforçando que é um exame rápido e indolor. O procedimento é simples, no qual o urologista insere um dedo lubrificado no reto para apalpar a próstata do paciente, avaliando o tamanho, a forma e textura do órgão, em busca de nódulos e endurecimentos que possam indicar câncer.
O diagnóstico é multifatorial, incluindo alterações no ultrassom, no PSA (Antígeno Prostático Específico, exame de sangue que mede uma proteína produzida pela próstata) e o exame de toque. O médico ressalta a importância da realização dos três exames, pois a interpretação conjunta deles define a necessidade de prosseguir com ressonância e biópsia.
Portanto, é essencial que a campanha Novembro Azul tenha mais aderência e conte com a participação da população masculina, para que o preconceito contra exames básicos seja combatido e, assim, os procedimentos preventivos sejam mais procurados. "Sem dúvida nenhuma, essa falta de aderência impacta na saúde masculina, como na diminuição do diagnóstico precoce e, portanto, curativo, gerando então um aumento de casos mais graves e avançados", explica o urologista.
A luta por visibilidade: Campanha Novembro Azul é mais recente
A diferença na aceitação e engajamento das campanhas reflete uma disparidade histórica. Enquanto o Outubro Rosa tem raízes que remontam aos anos 1990, o Novembro Azul é uma campanha mais recente. A iniciativa surgiu na Austrália em 2003, mas chegou ao Brasil em 2008, pelo Instituto Lado a Lado pela Vida, com a campanha "Um toque, um drible", que visava quebrar estigmas e incentivar homens a realizarem os exames preventivos. Aquele foi o embrião do que viria a ser a campanha Novembro Azul, lançada em 2011 e recebida por todo o Brasil.
O urologista atribui a menor aderência do público masculino devido à sua "juventude" da campanha: "Acho que isso se deve ao pouco tempo de existência e divulgação da campanha", afirma. Dr. Lucilio, contudo, vê um avanço impulsionado por dois fatores externos à vontade do homem, como a cobrança de periódicos pelas empresas e a cobrança das esposas.
Como o câncer de
manifesta?
Na fase inicial, a doença muitas vezes é assintomática, daí a necessidade do controle periódico. Quando os sintomas aparecem, geralmente são obstrutivos: dificuldade de urinar, jato fino ou interrompido e gotejamento terminal. Em quadros mais avançados, pode ocorrer sangramento na urina ou sêmen.
Exames de rotina são recomendados a partir dos 45 anos, para homens com histórico da doença na família e a partir dos 50 anos, para pessoas sem histórico familiar.
Além disso, o especialista também alerta para fatores de risco adicionais. De acordo com Jorge Abissamra Filho, coordenador da Oncologia da Hapvida Notredame Intermédica, cerca de 60% dos casos de câncer de próstata ocorrem em homens negros. "Os casos tendem a ser mais agressivos e a maior parte dos diagnósticos é tardio, o que dificulta o tratamento e diminui as chances de cura", afirma.
O especialista explica que homens negros apresentam mais polimorfismos, ou seja, variações genéticas que conferem grau de agressividade potencialmente maior ao quadro de câncer de próstata. "Homens negros também têm mais sensibilidade androgênica, ou seja, o organismo é mais sensível à ação da testosterona, favorecendo o surgimento do câncer que está diretamente ligado a ação desse hormônio", acrescenta. Portanto, é necessário que homens negros busquem exames preventidos, pois, desta forma, as consequências são minimizadas e o tratamento é possível.
Outro fator a ser levado em consideração é a hereditariedade. Ter parentes de primeiro grau com a doença duplica o risco do câncer de próstata e a presença de dois parentes de primeiro grau aumenta a chance de duas a seis vezes.
As abordagens terapêuticas são amplas, variando conforme o estágio da doença no momento do diagnóstico, desde cirurgia em casos iniciais até radioterapia, hormonioterapia e quimioterapia em estágios mais avançados, exigindo tratamento multidisciplinar.
O Novembro Azul é mais que uma campanha; é um convite direto à desconstrução de um tabu que custa milhares de vidas anualmente. O diagnóstico precoce é o passaporte para a cura e a longevidade.