O Ministério Público Federal (MPF) pediu, por meio de ação civil pública, que a licença de instalação emitida pelo município de Paraty (RJ), autorizando a construção do Hotel Spa Emiliano, empreendimento de luxo da empresa J Filgueiras Empreendimentos e Negócios Ltda, seja anulada. Segundo o MPF, a construção poderá causar impactos ambientais severos e irreversíveis em ecossistemas frágeis e protegidos. A ação tramita na Justiça Federal de Angra dos Reis (RJ) e aguarda apreciação da liminar.
O MPF requer também que o estado do Rio de Janeiro assuma o processo de licenciamento, garantindo a inserção da variável climática nos respectivos estudos e adotando medidas de compensação durante todas as fases do empreendimento.
O licenciamento do Hotel Spa Emiliano tem sido alvo de questionamentos desde 2022. Na época, o MPF instaurou inquérito civil público, após constatar a ausência de consulta adequada a comunidades tradicionais caiçaras, quilombolas e indígenas da região, como determina a legislação nacional e os tratados internacionais ratificados pelo Brasil. Também foi verificada omissão quanto à participação dos conselhos gestores ambientais e a aceleração incomum do processo no final de 2024, às vésperas da mudança de gestão municipal.
Reserva ecológica
O MPF frisa que a área onde se pretende instalar o empreendimento é considerada sensível e estratégica para a conservação ambiental e proteção cultural. Além de estar situada dentro da Área de Proteção Ambiental (APA) Cairuçu (Unidade de Conservação federal), está inserida em território reconhecido pela Unesco como Patrimônio Mundial Misto - o primeiro da América Latina com esse título - por reunir rica biodiversidade da Mata Atlântica e cultura tradicional caiçara.
O projeto se encontra próxima à zona de amortecimento da Reserva Ecológica da Juatinga, a manguezais, cursos d'água, áreas de preservação permanente (APPs), além de terras indígenas, comunidades caiçaras e quilombolas. Há ainda previsão de supressão vegetal significativa para a instalação de cabanas, vilas e estruturas de lazer como beach club e spa, contrariando as diretrizes de zoneamento da APA.
Na ação, o MPF destaca que o projeto de arquitetura prevê infraestrutura de alto padrão - com piscinas e banheiras individuais em todas as unidades hoteleiras - o que implicaria forte pressão sobre os recursos hídricos e o saneamento local, além do aumento de circulação de veículos e pessoas em uma área de reconhecida sensibilidade ambiental. O órgão ainda reforça que a ausência de Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e Relatório de Impacto Ambiental (Rima) impossibilita a análise dos riscos sobre a biodiversidade, a paisagem natural, os bens culturais e os modos de vida das populações tradicionais do entorno.
Danos morais coletivos
A ação pede também a condenação dos réus ao pagamento de R$ 3 milhões por danos morais coletivos, sendo R$ 1 milhão atribuído à empresa J Filgueiras, R$ 1 milhão ao estado do Rio de Janeiro e R$ 1 milhão ao município de Paraty.
A ação pede ainda a condenação do município de Paraty à suspensão imediata de qualquer nova licença relacionada ao empreendimento até a regularização completa do processo, com participação dos conselhos ambientais — do município e da APA — e com inclusão de todos os entes federais com atribuição na área, como o ICMBio e o Iphan.
Em relação à empresas, o MPF pede paralisação do empreendimento e novo pedido de licenciamento. Desta vez, dirigido ao órgão ambiental estadual, caso seja reconhecida a obrigatoriedade de EIA/Rima.
Ao Iphan, a ação requer que se abstenha de emitir novas anuências relacionadas ao Hotel Spa Emiliano até que seja apresentado novo processo de licenciamento ambiental, com a participação de todos os órgãos federais e com consulta efetiva às comunidades impactadas.
Envolvidos divulgam notas
Em nota enviada à imprensa, a prefeitura disse que o licenciamento seguiu os trâmites legais e que novas análises técnicas serão feitas antes do início das obras. Já a empresa J Filgueiras divulgou, em nota, que preservará 98% da área, construindo em apenas 2% do terreno. Disse ainda que o projeto respeita o meio ambiente. Já o Inea afirmou "que a legislação atribui ao município a competência para licenciar empreendimentos turísticos, exceto quando há necessidade de estudos aprofundados. Nesse caso, o estado assume a responsabilidade".