A saúde bucal tem um impacto muito maior do que a maioria das pessoas imagina e influencia diretamente a saúde do corpo como um todo. Um estudo recente da Universidade Médica de Shanxi, na China, revelou que o desequilíbrio da microbiota oral, que é o conjunto de micro-organismos que vivem naturalmente na boca pode estar ligado ao desenvolvimento do câncer de pulmão e até piorar o prognóstico de quem já enfrenta a doença.
A descoberta reforça a importância da saúde bucal para além do sorriso. A coordenadora do curso de odontologia da faculdade Aria, Maria Letícia Bucchianeri, explica que microrganismos como Porphyromonas gingivalis e Fusobacterium nucleatum estão naturalmente presentes na boca, mas, quando há descuido com a higiene, podem crescer em excesso e atingir a corrente sanguínea.
“Essas bactérias podem estar presentes até em pessoas com boa saúde bucal, mas em quantidade muito reduzida. Quando há acúmulo de placa bacteriana, surge a gengivite que, se não tratada, evolui para periodontite. Nesse ambiente, elas encontram condições para se multiplicar e se tornar mais agressivas”, afirma.
Segundo Bucchianeri, é nesse estágio que o problema deixa de ser apenas local. “Essas bactérias podem cair na corrente sanguínea, invadir tecidos e causar infecções à distância, como nos pulmões, coração e outros órgãos”, alerta.
O corpo reage tentando combater os microrganismos, mas o processo inflamatório que se instala pode gerar danos colaterais. “Na tentativa de eliminar essas bactérias, o organismo desenvolve uma inflamação intensa. Os produtos gerados por essa inflamação acabam danificando nossos próprios tecidos”, explica.
A especialista destaca que, em casos de gengivite e periodontite, não é apenas a quantidade de bactérias que muda, mas também sua natureza.
“A placa bacteriana passa a abrigar bactérias mais agressivas. Chamamos isso de potencial patogênico. É essa agressividade que faz o organismo reagir de forma mais intensa e, muitas vezes, descontrolada”, detalha.
Esse quadro favorece processos inflamatórios sistêmicos, que podem contribuir para lesões celulares e, potencialmente, tumores em órgãos distantes da boca, como os pulmões.
Fumo desequilibra a microbiota oral
O tabagismo é outro fator que agrava o cenário. Além de ser uma das principais causas de câncer de pulmão, ele altera profundamente o ecossistema de bactérias na boca.
“O paciente fumante apresenta uma placa bacteriana composta por bactérias mais patogênicas, além de ter comprometimento da resposta imunológica. Isso torna o fumo um possível agente coadjuvante no surgimento de câncer de pulmão”, afirma a coordenadora do curso de odontologia da faculdade Aria.
A dentista ressalta que a ciência ainda investiga o peso exato de cada elemento como o cigarro, desequilíbrio da microbiota e imunossupressão no aparecimento do câncer, mas que a relação preocupa.
Compostos naturais podem ajudar, mas pesquisas ainda são iniciais. O estudo também cita compostos antimicrobianos naturais, como polifenóis, como possíveis aliados no reequilíbrio da microbiota oral. Apesar de promissores, Bucchianeri pondera que ainda não há comprovação robusta para aplicação clínica.
“As evidências são positivas, mas ainda não temos estudos consolidados em humanos que confirmem essa eficácia. Os trabalhos, por enquanto, são pré-clínicos, mas representam um passo importante para futuras pesquisas”, conclui a especialista.