Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Annamaria Materazzini e Fiammetta Girola: 'Festivais podem promover uma visão baseada na inclusão'

Fiammeta Girola (de preto) e Annamaria Materazzini durante a abertura do BFM | Foto: Divulgação BFM

A semana começa animada na programação desta segunda da 43ª Bergamo Film Meeting, um festival italiano que celebra os novos passos da produção audiovisual europeia, com a projeção de "Slocum et Moi", desenho do francês Jean-François Laguionie ambientado nos anos 1950. A animação segue a toda, também por vias polonesas, com "There Are People in the Forest", de Szymon Ruczynski. Tem muita live-action no cardápio também.

Criado em 1983, esse evento propõe uma triagem das conexões audiovisuais do Velho Mundo a cada nova programação. Ao longo de nove dias, a contar do último sábado (sua abertura), cerca de 160 filmes, entre curtas e longas, passam por lá. Na competição oficial, com sete ficções em concursos, há uma coprodução da Alemanha com o Chile e o Uruguai, o faroeste "Oro Amargo", de Juan Olea, que promete temperar a Itália com especiarias da América do Sul. Vai ter ainda retrospectiva da atriz britânica (nascida na Bélgica) Audrey Hepburn (1929-1993) e do realizador georgiano Otar Iosseliani (1934 - 2023), além de comemoração do centenário do cineasta polonês Wojciech Has (1925-2000).

Cercados de prestígio, a tcheca Alice Nellis (diretora de "Os Sete Corvos") e o alemão Christan Petzold (diretor de "Undine") ganham mostras dedicadas ao conjunto de suas narrativas, num recorte histórico que vem do fim dos anos 1990 até hoje. Cada um representa um sistema de produção de regras particulares.

Para contextualizar as novidades do BFM 2025, suas diretoras artísticas Annamaria Materazzini e Fiammetta Girola amalgamam suas ideias nesta conversa com o Correio da Manhã sobre novos horizontes estéticos.

Que cenário criativo a Europa oferece a um evento como o BFM hoje, diante do avanço da extrema direita e das crises econômicas no continente?

Fiammetta Girola e Annamaria Materazzini: Os festivais de cinema podem fomentar o intercâmbio cultural, criar espaços de debate e promover uma visão da Europa baseada na inclusão e na abertura. Com seu caráter internacional, o BFM pode servir como uma plataforma privilegiada para refletir sobre essas questões por meio do cinema. Apesar dos desafios econômicos, a União Europeia continua a apoiar o setor cultural por meio de programas como o Creative Europe, que financia festivais e produções independentes. Isso permite que eventos como o BFM mantenham viva a diversidade cinematográfica e ofereçam uma plataforma para vozes emergentes.

Quais são as questões temáticas mais recorrentes e mais discutidas na seleção de longas-metragens da competição deste ano?

A linha comum entre os sete filmes concorrentes deste ano é a família - seja ela tradicional, monoparental ou disfuncional. Embora todos sejam dirigidos por homens, esses filmes enfocam predominantemente personagens femininas, explorando suas vulnerabilidades, pontos fortes e sua luta para afirmar seu lugar na sociedade. Por meio de uma variedade de gêneros - incluindo drama social, adaptações literárias, road movies e até mesmo um faroeste moderno -, o tema da família se expande para abranger questões individuais, como emancipação, independência e busca de identidade, bem como lutas sociais e de classe mais amplas, migração, minorias étnicas e o medo da diferença.

O que os ciclos da diretora tcheca Alice Nellis e do alemão Christian Petzold revelam sobre o conceito de "cinema de autor contemporâneo"?

Esses dois cineastas nos mostram como o cinema de autor contemporâneo surge como um espaço de reflexão sobre a sociedade, capaz de contar histórias íntimas e universais. Nellis explora a dinâmica familiar, a identidade e os papéis de gênero com um olhar atento à vida cotidiana e às mudanças sutis da sociedade. Seus filmes retratam personagens realistas, geralmente mulheres, lutando com conflitos internos e transformações pessoais que refletem questões mais amplas da sociedade contemporânea. Petzold, por outro lado, é uma das principais figuras da Berliner Schule (termo aplicado aos talentos revelados entre os anos 1990 e 2000 na capital alemã), criando um cinema que reflete sobre a memória histórica, as condições existenciais e as transformações da sociedade alemã. Seus filmes misturam minimalismo formal, influências noir e uma forte dimensão política, demonstrando como o cinema de autor contemporâneo pode reinterpretar o passado para dar sentido ao presente.

Onde uma voz aclamada de Hollywood, como Audrey Hepburn, se encaixa no quadro histórico do BFM?

Todos os anos, o BFM dedica uma pequena homenagem ao ator ou atriz que é o testemunho da campanha SupportBFM, uma iniciativa de arrecadação de fundos para apoiar as atividades do festival. A escolha sempre esteve ligada ao cinema de Hollywood e, neste ano, recaiu sobre a icônica Audrey Hepburn. Isso nos dá a oportunidade, todos os anos, de apresentar ao público os grandes clássicos do passado, tanto os mais conhecidos quanto os menos conhecidos, e de explorar o cinema clássico americano.