Por Diego Félix (Folhapress)*
A Iata (Associação Internacional de Transporte Aéreo) reconheceu, nesta terça-feira (9), que a meta de 10% estabelecida para uso de SAF (Combustível Sustentável de Aviação) no setor dificilmente será cumprida até 2030. O problema é decorrente da baixa produção do combustível no mundo, que polui até 80% menos do que o querosene e é visto como essencial para alcançar a descarbonização nos próximos anos.
O diretor-geral da associação, Willie Walsh, culpou a leniência de governos ao redor do mundo pelo atraso no desenvolvimento do combustível verde. Para ele, os reguladores cruzam os braços diante dos baixos níveis de produção e deixam que as empresas cobrem preços abusivos das companhias aéreas pelo produto.
"Quando nos comprometemos com o carbono zero em 2050, eu disse que seria extremamente desafiante, mas o que estamos enfrentando agora é ainda maior do que o esperado. Não estamos progredindo como era esperado em termos de produção, apesar da forte demanda por SAF", disse Walsh em entrevista coletiva.
Com a produção em baixa, as companhias aéreas dependem exclusivamente dos poucos produtores disponíveis na indústria neste momento.
No Brasil, a Petrobras anunciou na última sexta (5) as primeiras entregas do combustível sustentável no país, com volume suficiente para abastecer cerca de um dia de consumo nos aeroportos do Rio de Janeiro.
A Raízen recebeu, em 2023, a certificação ISCC Corsia Plus, que comprova que o etanol produzido pela empresa na planta de Costa Pinto, em Piracicaba (SP), cumpre os requisitos internacionais para a produção de SAF.
Atualmente, menos de 1% do combustível consumido na aviação global é SAF, segundo a Iata. A explicação tem preço: enquanto as companhias pagam cerca de US$ 1.000 por tonelada no querosene de aviação, o valor do SAF chega a custar US$ 3.000 por tonelada.
A Iata avalia, no entanto, que o problema não é dinheiro, mas a falta de interesse na produção e no baixo acompanhamento dos reguladores na qualidade do combustível renovável.
Sem citar casos específicos, Walsh afirmou que os produtores se beneficiaram das deficiências operacionais envolvendo SAF e passaram a praticar preços abusivos e artificiais, tornando inviável a meta de descarbonização no curto prazo.
De acordo com o diretor da Iata, mudanças regulatórias na Europa, iniciadas no ano passado, foram prejudiciais ao desenvolvimento do SAF. As empresas hoje são obrigadas a misturar um pequeno percentual do combustível no querosene e pagam multas pesadas em caso de descumprimento.
Como a produção está concentrada na mão de poucas empresas, o custo do SAF europeu ficou ainda mais caro que a média global e os produtores se beneficiaram de sua posição para "extrair dinheiro adicional" do setor aéreo, segundo comentou Walsh.
O cenário atual vai prejudicar até o alcance de metas intermediárias do uso do SAF no mundo, como o desenhado pela Oaci (Organização da Aviação Civil Internacional), que projetava pelo menos 5% de SAF na operação regular das companhias até 2030.
Aliado a isso, o setor também enfrenta uma forte crise na cadeia de suprimentos. A Iata estima que hoje exista um déficit de mais de 5.340 aeronaves que deveriam estar em operação, mas não foram entregues.
Como consequência, os custos operacionais das companhias aéreas ultrapassaram US$ 11 bilhões neste ano. O valor reflete despesas extras com maior consumo de combustível —já que as empresas precisam manter aeronaves mais antigas em serviço — além do aumento nos gastos com manutenção e retenção de peças que hoje estão com reposição comprometida.
"Me surpreende que os reguladores, principalmente os da União Europeia, estejam de braços cruzados enquanto os fornecedores de combustível abusam de sua posição, aumentando significativamente os preços sob o falso pretexto de taxas de compliance, protegendo o lucro", disse Walsh.
O diretor-geral da Iata também reclamou da política de taxação no setor aéreo, sobretudo quando aplicada sob o argumento de razões ambientais.
"A tributação não reduz CO², mas reduz o número de pessoas que podem voar. Os voos seguem operando, mas com menos pessoas a bordo. Acho encorajador quando alguns governos reconhecem que a taxação por razões ambientais causa danos econômicos e decidem reverter os impostos aplicados", analisou Walsh.
*O repórter viajou para Genebra, na Suíça, a convite da Iata