Para enfrentar o desafio coletivo da crise climática, os instrumentos internacionais como acordos, metas e protocolos firmados entre países representam um marco importante da governança ambiental global. Entretanto, a implementação dessas políticas enfrenta uma série de desafios, especialmente diante do questionamento sobre como dividir a conta dos custos das mudanças climáticas e as tensões geradas entre interesses econômicos, modelos de crescimento e a proteção ambiental. Esse cenário de embates e negociações intensas ficou evidente na Conferência do Clima (COP30), realizada em Belém (PA) e encerrada no dia 22 de novembro.
O Acordo de Paris, considerado um dos instrumentos mais importantes da política climática, completou dez anos na última sexta-feira (12). Assinado por 195 países na COP21, realizada em Paris em 2015, o acordo representou uma tentativa ambiciosa de alcançar um consenso sobre metas de redução de gases de efeito estufa (GEE). Ficou marcado por ser um dos mais ousados e inovadores ao envolver os países em compromissos voluntários para limitar o aumento da temperatura global abaixo de 2°C.
Agravamento
Passados dez anos desde o estabelecimento do Acordo de Paris, o mundo tem atravessado o agravamento da crise climática, marcada por eventos extremos que se tornam cada vez mais frequentes e de maior magnitude. A Organização das Nações Unidas (ONU) tem reiterado a urgência em limitar o aquecimento global a 1,5° C e que para isso as emissões precisam cair 43% daqui a cinco anos.
Na avaliação do geógrafo e professor do Departamento de Geografia da Universidade de Brasília (UnB), José Sobreiro, o Acordo de Paris fortaleceu o papel da ciência em um momento marcado pelo negacionismo climático e abriu espaço para construções coletivas e para o acúmulo de debates sobre a urgência de medidas para conter a crise climática, tema que antes do Acordo de Paris já vinha sendo debatido mas ainda não ocupava a centralidade das discussões políticas internacionais.
“Os dez anos do Acordo de Paris fomentaram debates mais precisos que buscam o alinhamento de agendas e identificação de elementos comuns entre os países, sobretudo considerando os desafios, mas nunca deixando de olhar para frente no sentido de alcançar a realização de algumas metas globais”, considera.
Fator crucial
Na mesma direção de Sobreiro, o climatólogo e professor da Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA), no Ceará, Jander Monteiro, afirma que a ratificação de 195 países foi um fator crucial para que o Acordo se tornasse de fato histórico. “Se com o Acordo de Paris, ainda estamos distantes do cenário ideal de redução das emissões, imagine como seria em um mundo sem ele. Talvez já estivéssemos caminhando para um cenário de 4° Celsius até o final do século, o que seria preocupante. O maior avanço do Acordo de Paris foi permitir que a nossa sociedade mudasse ao menos um pouco a rota, a trajetória rumo àquele cenário ainda mais perigoso de aquecimento do planeta.”
Apesar da ratificação por 195 países e a formação de uma coalizão supranacional, ambos os especialistas avaliam que, no momento em que o Acordo de Paris foi assinado, a geopolítica mundial era bastante diferente da atual. Hoje, o cenário internacional é marcado por guerras, atravessa disputas econômicas e de poder, além de uma maior fragmentação da cooperação internacional entre os países. Isso é evidenciado, por exemplo, na saída dos Estados Unidos do Acordo durante a presidência de Donald Trump. O país também optou por não participar da COP30, em Belém (PA).
Sobreiro argumenta que os Estados Unidos, um dos maiores emissores de gases de efeito estufa, atuam de forma imperial e independente na geopolítica, buscando retomar o protagonismo econômico ameaçado pelo crescimento da China. Segundo ele, esse movimento se baseia no negacionismo climático e científico para justificar a reindustrialização do país, mesmo à custa do aumento da poluição desenfreada.
“Os Estados Unidos tentam retomar um certo protagonismo econômico diante de uma realidade ameaçada em virtude do crescimento da China. Um dos argumentos disso é necessariamente o negacionismo climático e científico. Esse é um ponto central que vai justificar essa saída do Acordo de Paris. Ou seja, esse é o tarifaço climático para o mundo, é mais uma tarifa que teremos que pagar para conviver com eles.”
Mudanças efetivas
O Acordo de Paris é frequentemente descrito como uma espécie de criança que está em processo de consolidação e amadurecimento. Na avaliação dos especialistas ouvidos pelo Correio da Manhã, são notáveis as mudanças que foram estabelecidas nas políticas climáticas e ambientais dos países signatários. O Coordenador de Política Internacional do Observatório do Clima, Cláudio Angelo, cita que graças ao Acordo, a transição energética se tornou inevitável.
“O fato dos carros elétricos terem invadido o mercado e da energia solar hoje ser, na maior parte do mundo, a forma mais barata de gerar eletricidade se deve, em grande parte, às políticas implementadas nos países por conta do Acordo de Paris na Convenção do Clima. Então, assim, esse é o copo meio cheio. Do ponto de vista da mudança de comportamento, o Acordo de Paris foi um tremendo sucesso.”
No entanto, o coordenador do Observatório do Clima chama atenção especial para a fragilidade das Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs), compromissos dos países no Acordo de Paris, isso porque as NDCs são autodeterminadas. Dessa forma, abre-se a possibilidade do não cumprimento ou o estabelecimento de metas consideradas “tímidas” para lidar com a dimensão do problema. Somado a isso, os especialistas criticam que ainda falta maior transparência das ações que estão sendo adotadas e executadas pelos países para reduzir a emissão dos gases de efeito estufa.
“As NDCs são muito frouxas, tudo é voluntário, cada país faz do jeito que quer, mede do jeito que quer, e a transparência é algo que só agora estamos começando a resolver. Mesmo assim conseguimos baixar esse ponteiro de 4°C, para algo em torno de 2,7°C, talvez 3°C. Dá para dizer com igual honestidade que ele foi um tremendo fracasso, porque estamos prestes a ultrapassar 1,5 °C de aquecimento global. Não há nada que nos assegure que conseguiremos, até o final do século, devolver as temperaturas para esse patamar de 1,5 °C. Para isso acontecer, deveríamos cortar emissões de maneira muito mais acelerada. As políticas estão corretas, mas o tempo está atrasado”, avalia.
Transparência
As metas do Acordo de Paris são revisadas a cada cinco anos. O chamado “mecanismo de ambição” exigem que, em cada ciclo de revisão, os países apresentem ações mais ambiciosas. Com o objetivo de acompanhar o progresso real das ações de mitigação, implementação, assim como o apoio prestado ou recebido, foi criado o Quadro de Transparência Fortalecido (ETF). Todas as informações coletadas desse quadro passam a integrar o Balanço Global (Global Stock Take) que resulta na elaboração de um relatório destinado a apontar os progressos coletivos no âmbito do Acordo.
O primeiro balanço foi concluído em 2023, na COP28 e o segundo balanço acontecerá em 2028. Cláudio Angelo considera essa estrutura do Acordo, que está passando por ajustes, como brilhante. No entanto, ele aponta a necessidade de metas mais ambiciosas e critica o fato de vários países, como a China e a União Europeia terem apresentado as metas com atraso.
“Precisamos contar com basicamente duas coisas: um, muita cooperação internacional e dois, muita boa vontade dos países. Se a cooperação internacional está em baixa e a boa vontade dos países está em baixa, dificilmente teremos metas ambiciosas o suficiente para dar conta do problema, e é exatamente isso que está acontecendo agora.”
Antídoto
Diante da magnitude da crise climática, considerada inevitável, o climatólogo Jander Monteiro faz uma comparação com a pandemia da Covid-19. Para ele, é fundamental que os países unam esforços para enfrentar um problema que vem sendo alertado pela comunidade científica há anos. Monteiro traça um paralelo com a crise sanitária, ressaltando que o combate ao vírus só foi possível quando as nações cooperaram no desenvolvimento de vacinas em prol de um bem comum.
“A ciência já mostrou que o cenário tende a se agravar de maneira inequívoca. Não vamos resolver a questão do clima sozinhos. Se houvesse o mesmo trato dentro desse contexto da crise climática, ou seja, os países levando a sério de forma conjunta, acreditando na ciência, investindo pesado nisso, aí estaríamos falando de um cenário mais otimista.”
O climatólogo frisa que para avançarmos para um cenário menos catastrófico os países precisam levar o tema da crise climática mais a sério. “Inclusive em suas metas, que devem ser mais ambiciosas, para que possamos ter desfechos das Conferências das Partes (COPs) melhores do que as últimas COPS. É fundamental ampliar o financiamento climático, desenhar esse chamado “mapa do caminho” e, tentar de forma colaborativa, promover a cooperação internacional entre os países e responder a um contexto que, infelizmente, tende a se agravar nos próximos anos.”