O impasse sobre quem deve arcar com os custos da crise climática continua sendo o grande ponto de debate nas Conferências das Partes da Organização das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas. Na COP30, que chega à segunda semana de negociações e vai até dia 21 de novembro em Belém (PA), o tema do financiamento está presente em todos os espaços, mas países ricos seguem resistindo a abrir o cofre e repassar recursos para ações de mitigação e adaptação climática dos países em desenvolvimento.
Márcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, que está acompanhando a Conferência em Belém, avalia, em entrevista ao Correio da Manhã, que a COP30 começou de forma tranquila. Segundo ele, a primeira semana poderia ter sido marcada por disputas ou conflitos entre os países na definição dos principais itens da agenda, um momento tradicionalmente sensível nas conferências climáticas, entretanto os embates não ocorreram. Astrini afirma que neste primeiro momento o governo brasileiro desempenhou um papel estratégico e conseguiu retirar as pautas consideradas mais polêmicas da agenda oficial e colocá-las em um grupo separado de discussão.
Agendas sensíveis
“São quatro agendas consideradas sensíveis. A primeira é o financiamento público para a agenda de clima, ou seja, recursos provenientes do cofre dos países ricos para financiar os países em desenvolvimento. A segunda é a falta de ambição nas promessas dos países, conhecidas como Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs), muitas não foram entregues e, entre as que foram, poucas apresentaram metas suficientes das ações que serão executadas no combate às mudanças climáticas”. Segundo ele, o desafio é justamente fechar essa lacuna de ambição das metas.
A terceira agenda que ficou de fora neste momento é a da transparência. Trata-se de estabelecer critérios técnicos e científicos para medir o cumprimento das metas climáticas de maneira uniforme entre os países.” Ele explica que o objetivo da agenda da transparência é reduzir a dependência autodeclaratória das metas de redução de gases de efeito estufa adotadas pelos países. Dessa forma, seriam criadas regras e parâmetros que permitam medir e verificar o cumprimento dessas metas. O quarto item da agenda envolve as medidas unilaterais econômicas, especialmente no comércio internacional.
Cenário complexo
Astrini avalia que a destinação de dinheiro pelos países ricos para que países em desenvolvimento possam estabelecer políticas voltadas à mitigação e adaptação climática continua sendo o grande desafio das negociações das Conferências. Especialistas ouvidos pela reportagem admitem que o cenário é complexo e preocupante, especialmente em países que não têm capacidade financeira para arcar com as questões das mudanças climáticas.
Em concordância com Astrini, a professora e geógrafa Núbia Beray Armond, da Universidade de Indiana, nos Estados Unidos, aponta que em alguns casos, o orçamento básico dos países é insuficiente para necessidades essenciais, como combater a fome. Segundo ela, isso torna quase impossível pensar em grandes investimentos em energia limpa ou políticas climáticas.
“Sabemos que muitas dessas formas de alcançar determinadas metas climáticas exigem recursos financeiros. Para os países em desenvolvimento, ou como alguns chamam, os países da periferia do capitalismo, isso representa um desafio duplo: não é só a falta de dinheiro, mas também a ausência de infraestrutura e capacidade técnica que torna a implementação dessas medidas ainda mais desafiadoras.”
Mitigação
Armond alerta que as mudanças climáticas estão avançando rapidamente e que, embora se discuta a redução das emissões e do desmatamento para manter o aquecimento abaixo de 1,5° C, esse limite já vem sendo superado. De acordo com a geografia, já enfrentamos outro patamar de cenário climático, em comparação com a Conferências anteriores (COP28 e COP29). Por isso, a necessidade de ações concretas é urgente.
“A mudança climática fez a dinâmica atmosférica escalar de forma muito rápida. Nós vimos ao longo de vários meses seguidos de 2023, 2024 e também 2025 as temperaturas ultrapassando esse limite de maneira sustentada. De certa forma, estamos tentando fazer um discurso para correr atrás de um prejuízo que já está dado, e os impactos disso já estão sendo sentidos, de fato.”
Combustíveis fósseis
Paulo César Zangalli, professor do Departamento de Geografia da Universidade Federal da Bahia (UFBA), afirma que até agora as ações da COP30 foram bastante pontuais e direcionam o debate para o campo da implementação. Os próximos dias devem ser marcados por muita negociação. Zangalli cita o avanço na captação de recursos para o Fundo Florestas Tropicais Para Sempre (TFFF na sigla em inglês), iniciativa multinacional voltada à conservação e restauração de florestas tropicais, que já recebeu o aporte de US$ 5,6 bilhões.
“O Fundo Florestas para Sempre, por exemplo, o TFFF, é um mecanismo que está fora da agenda principal, mas foi anunciado e tem potencial para mobilizar uma agenda de financiamento, inclusive para compor parte do que está no mapa do caminho para os 1,3 trilhões. Mas ainda é insuficiente na questão do financiamento.”
Outro ponto positivo citado pelos especialistas é à criação de uma certificadora nacional para crédito de carbono. “Isso é um avanço importante no âmbito do mercado de carbono e está dentro daquilo que o governo quer mobilizar, que é a agenda de implementação. Então essa é uma medida importante dentro da lógica do mercado regulado e do Acordo de Paris”, pontua o geógrafo.
Tanto Zangalli quanto Astrini chamam atenção para outro tema considerado sensível nas Conferências: o abandono dos combustíveis fósseis baseado na transição energética.
“A COP começou muito tranquila, diferente de outras. Não houve bloqueio de agenda, mas quando o embaixador André Corrêa do Lago falou sobre questões ligadas à ambição, aí voltaram os velhos conflitos, especialmente os países árabes travando o debate para qualquer distanciamento dos combustíveis fósseis”, criticou Paulo Zangalli.
Povos indígenas
Zangalli afirma que é crucial garantir a escuta dos povos indígenas e cita a tentativa do povo Munduruku de ocupar a Zona Azul para reivindicar maior participação nas discussões da COP30. “As vozes dissonantes foram impedidas de acessar os espaços. O governo obviamente, num espaço que funciona pelo consenso, tentou frear qualquer voz dissonante nesse sentido. Os povos indígenas são aqueles que mais preservam a floresta, os que menos contribuem para as emissões, e os que têm apresentado alternativas. Eles foram impedidos de ter voz nesses espaços. Então isso é um problema real de participação.”
A CEO da COP30, Ana Toni, afirmou em entrevista coletiva que os protestos indígenas são “legítimos” e “parte da democracia brasileira”. Ela afirmou que a presença indígena dentro e fora da área oficial de negociação é central para a Conferência. “O presidente Lula poderia ter escolhido São Paulo ou Rio de Janeiro, mas não veríamos os povos indígenas como estamos vendo aqui, e estamos dialogando com eles”, afirmou. Ana Toni também disse que esta é a “COP mais inclusiva para os povos indígenas.”
Astrini frisa que a manifestação dos indígenas faz parte de um ambiente democrático, mas admite que as Conferências Climáticas são espaços que provocam muita exclusão.
“A COP está acontecendo em um ambiente democrático, coisa que não aconteceu nas últimas duas Conferências. As manifestações e marchas fazem parte de um ambiente democrático. Agora, nas conferências do clima, elas são provadas e sabidas: são espaços que provocam muita exclusão. Os indígenas estão sendo dizimados, estão lutando pela sua sobrevivência e demonstrando o quanto querem ser ouvidos.”