Nem sempre o que se estuda na escola é verdadeiramente a história contada em livros de historiadores e pesquisadores. Mesmo assim, muitos já escutaram que o dia 24 de outubro de 1930 marcou o início de uma transformação no Brasil, na qual a República Oligárquica fora destituída, para dar lugar a um novo governo que, no decorrer dos anos, virou a chamada Era Vargas, na qual o senador gaúcho Getúlio Dornelles Vargas comandou o Brasil por 15 anos. E seu governo começou há exatos 95 anos, no dia 3 de novembro de 1930.
Desde a eleição de Julio Prestes para presidente do Brasil, em março de 1930, o país passava por grandes turbulências, sob acusações de que o pleito fora fraudado, para que os paulistas continuassem no poder. O meses foram passando e o governo de Washington Luiz estava se deteriorando. Em outubro, a população deu um basta e insurreições começaram pelo país, com a decretação do Estado de Sítio no Distrito federal, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Paraíba e Pernambuco. Mais tarde, o país como todo estava em ebulição, pedindo a destituição do presidente Washington Luiz.
Os militares, então, agiram e, mais uma vez, depuseram o presidente do cargo, criando uma Junta Governamental para comandar o Brasil até a posse de Vargas, como presidente interino, que depois virou definitivo, para ser um ditador e sair do Palácio do Catete quase que escoltado pelos próprios militares que o colocaram no poder.
Golpe ou Revolução?
Eis aqui a primeira questão que gera a dúvida em muitos. Nos livros, caracteriza-se o processo como Revolução, já que houve uma mudança política. Há historiadores e pesquisadores, porém, que consideram o fato como um golpe, pois não houve mudança política, e sim deposição do presidente. Mas afinal, qual da diferença entre golpe e revolução?
Pegando por fatos históricos pode se explicar as diferenças. A França em 1789 passou por um processo político no qual grupos políticos queriam mais autonomia e direito de voz. Para isso, tinham que mudar o panorama governamental na época, já que o estado francês era uma monarquia absolutista, com o poder concentrado nas mãos do rei. O povo, insatisfeito com isso, e contando com o apoio de uma nova classe social emergente e bastante rica, a burguesia, começou uma insurreição no país. Do campo à cidade, a França fora tomada por revoltosos. O resumo da ópera, por assim dizer, foi a mudança de monarquia para república, mesmo que por um curto período de tempo. Mas, para cá, vale dizer que, pela participação popular e pela mudança da conjuntura política, caracteriza-se o processo, como revolucionário.
Já o golpe não se caracteriza desta forma. Ele não muda a conjuntura política, apenas os atores em cena. Ele é muito mais atrelado a uma mudança do grupo predominante, para que outro, normalmente contando com o apoio de classes militares, venha a assumir o poder. Alguns falam que 1889 foi um Golpe de Estado, pois o imperador foi destituído, os militares entraram no poder e passaram a governar o Brasil, sob um regime republicano. Como não houve participação popular e sim a troca no comando das elites dominantes na política, o fato pode ser considerado um golpe, já que, para a população, nada ou pouco mudou, pois não tinham adquiridos muitos direitos nem participaram da conjuntura da nova política brasileira.
Ruptura entre partidos de Minas Gerais e São Paulo
Seguindo a ordem emblemática da famosa política oligárquica entre Minas Gerais e São Paulo na alternância de poder no Brasil, era a hora de um mineiro assumir a poltrona no Palácio do Catete. Porém, Washington Luiz apoiou o candidato paulista Julio Prestes para ser o seu sucessor. Os mineiros, revoltados, passaram a buscar meios de fazer uma chapa de oposição, já que se sentiram traídos pela quebra do pacto que vigorava desde o início da Primeira República.
Como Paraíba e Rio Grande do Sul não compactuavam com a política ao qual vigorava no Brasil, formou-se, assim, a chamada Aliança Liberal. Os três estados formaram uma chapa para concorrer contra os paulistas, encabeçada pelo gaúcho Getúlio Vargas e pelo paraibano João Pessoa como vice.
O Correio da Manhã, que sempre fora atuante politicamente, não tardou de fazer campanha para a Aliança Liberal, a fim de acabar com a supremacia paulista no poder. As eleições aconteceram e, fraudadas ou não, algo que era muito comum naquela época, Julio Prestes saiu vitorioso.
Este foi o primeiro passo não apenas para as mudanças políticas no país, como também para uma reconfiguração nas lideranças de poder.
Assassinato de João Pessoa
Julio Prestes fez excursões para a Europa como presidente eleito, algo que fora noticiado na época pelo Correio da Manhã. E, por mais que os indícios indicassem fraude, a Aliança Liberal aceitou o resultado. Todavia, um acontecimento em Pernambuco mudou aquilo que estava programado e provocou uma onda de protestos em todo o país.
Provocado por rusgas internas na política da Paraíba, João Dantas atirou à queima-roupa em João Pessoa na confeitaria "A Glória", no Recife. O crime, que a princípio tinha um caráter de ser passional, já que João Pessoa mandou publicar as cartas de amor da poetiza Anayde Beiriz, algo que, na época era algo impensável, publicar coisas íntimas de políticos em jornais ou meios públicos.
O acontecimento, mesmo tendo um cunho político estadual, rapidamente fora transformado em nacional, sob a suposta acusação de que Washington Luiz teria mandado matar João Pessoa.
Se a situação no Brasil não estava boa para a população a Aliança Liberal usou o pretexto para iniciar um cortejo fúnebre de caráter político, visitando todas as capitais do Brasil entre Paraíba e Rio de Janeiro, para exibir e prestar solidariedade a João Pessoa.
Revoltas começaram a pipocar no Distrito Federal, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Paraíba e Pernambuco contra o Governo Federal, pela morte de João Pessoa e pela insatisfação popular a Washington Luiz. Os estados citados acabaram entrando em sítio. Mas o estopim foi dado para que novas mudanças radicais viessem a acontecer no país.
O início da Era Vargas
O caráter revolucionário da insurreição cresceu no país e os militares aderiram á causa. Não tardou para que uma comitiva pressionasse Washington Luiz pela renúncia, algo que não aconteceu. Sendo assim, ele foi deposto do cargo de Presidente da República e um Junta Militar assumiu o país até que fosse definida uma solução.
No Rio Grande do Sul, Vargas estava a espreita, esperando o melhor momento para aderir aos revoltosos. Quando deu sua palavra de que era a favor da causa, saiu em carreta ferroviária de São Borja ao Rio de Janeiro, sendo ovacionado em todas as paradas. Chegou na capital federal em 31 de outubro de e, com suas habilidades políticas, foi nomeado presidente do Brasil em 3 de novembro pela Junta Militar Governamental.
Estava assim, encerrada, não apenas uma revolução nacionalista, que culminou num golpe de Estado e gerou uma nova fase política no país.
Vargas mostrou mais do que uma raposa, mas sim um modelo de governo, caracterizado pelo apoio popular e benesses à elite. O Varguismo virou sinônimo de proteção aos trabalhadores e seu governo, que o fez durar 15 anos, foi um marco pelas três fases — Provisório, Constitucional e Ditatorial — e pelas espertezas políticas tanto interna quanto externa.