Por: Thamiris de Azevedo

Uma viagem pela história do planeta Terra

Répteis alados, os Pterossauros habitaram a Terra no período Mezozóico | Foto: Adobe Stock

Um dente com cerca de 125 milhões de anos é guardado com toda segurança e carinho pela paleontóloga Flávia Fialho. Ela fez a descoberta por acaso, quando buscava fósseis de peixes antigos para o seu trabalho de doutorado. O dente, porém, é o primeiro fóssil de Pterossauro do Clado †Ornithocheiromorpha encontrado na região de Minas Gerais. Encontrado na Bacia do rio São Francisco, na Formação Quiricó, o dente de Pterossauro é uma importante descoberta para a paleontologia brasileira, comemorada como possível impulsionador de novos estudos e pesquisas no Brasil.

Flávia Fialho é a curadora do Museu de Geociências da Universidade de Brasília (MGEO/UnB), elencada entre as mil melhores universidades do mundo, segundo os institutos Center for World University Rankings e Quacquarelli Symonds. A convite, o Correio da Manhã conheceu o museu e sua exposição, “3 Atos: Conhecendo a Terra”, que apresenta a origem e a evolução da vida no planeta. O acervo reúne centenas de peças entre minerais preciosos, rochas, fósseis e meteoritos, em sua maioria encontrados no Brasil.

Não são dinossauros

A pesquisadora esclarece que, embora frequentemente confundidos com dinossauros, os pterossauros eram répteis voadores que habitaram o mesmo período, mas pertenciam a um grupo distinto. No Brasil, já foram identificados fósseis dessa espécie em outras bacias sedimentares. Porém este é o primeiro exemplar encontrado em solo mineiro, o que, segundo a pesquisadora, preenche uma lacuna importante na paleontologia nacional.

“Espero que essa descoberta incentive novos estudos na região”, declara.

“Eu estava em campo com meu orientador, procurando fósseis de peixes da Formação Quiricó, quando encontramos o dente. À primeira vista, desconfiamos que fosse algo diferente, mas só depois das análises em laboratório confirmamos ser um dente de Pterossauro”, relata.

Importância

Em entrevista à reportagem, o professor Rodrigo Santucci, orientador do doutorado de Fialho, destaca a relevância da descoberta para a paleontologia brasileira.

"Nós reconhecemos que essa descoberta não muda os rumos da humanidade. Mas, pensando no futuro, mostra que a região tem um potencial paleontológico muito promissor”, explica. “Embora seja apenas um dente encontrado, a descoberta é muito importante, pois mostra pela primeira vez que esses animais estiveram presentes nessa região de Minas Gerais e isso desde antes da metade do período Cretáceo, há aproximadamente 120 milhões de anos. Isso ajuda a explicar melhor a distribuição geográfica dos pterossauros no Brasil, pois até o momento fósseis desses animais somente haviam sido encontrados basicamente no Paraná e no Nordeste do país”, continua. “Além disso, agora sabemos que as rochas estudadas apresentam potencial para preservação desses animais, assim podemos realizar novas campanhas de campo para tentar descobrir fósseis mais completos”, esclarece.

O pesquisador explica que, durante o processo de confirmação em laboratório, o dente foi submetido a uma análise comparativa detalhada com outros fósseis. “Quando se trata de materiais fósseis isolados, como o dente de Pterossauro em questão, temos que comparar com outros fósseis mais completos. No caso, crânios com dentes preservados. Assim, podemos identificar com mais segurança o material isolado. Para nossa sorte, o dente encontrado apresenta características bem informativas, como a forma geral, tamanho e espessura da camada de esmalte. Dessa forma, foi possível eliminar outras possibilidades, como dinossauros e crocodilomorfos, que também já foram encontrados nas mesmas rochas”, conclui.

Museu

A paleontologia, ramo de estudo de Flávia Fialho, busca compreender as origens e a história do planeta Terra a partir do registro fóssil. E é isso o que o visitante irá encontrar ao visitar o Museu de Geociências da Universidade de Brasília e a exposição “3 Atos: Conhecendo a Terra”.

“Geociência é muito abrangente. Aqui nós reunimos elementos arqueológicos, paleontológicos e geológicos. Inclusive, em 2018, a UnB passou a ser a instituição de guarda e pesquisa do material arqueológico do DF e do entorno. Aqui na universidade nós temos mais de dez mil peças. Não são todas que estão no museu”, explica.

Trajetória

Fialho conta que o museu foi criado na década de 1970, poucos anos após a inauguração da capital e da universidade, quando o meteorito Sanclerlândia — o oitavo maior do Brasil, com 267 kg — foi encontrado por um grupo de pesquisadores da UnB e exposto à visitação pública.

O espaço, porém, permaneceu por décadas sem investimentos e quase esquecido. O achado de um novo meteorito impulsionou sua revitalização e resultou na exposição inaugurada em 2022, que permanece em cartaz.

“Um trabalhador rural achou o meteorito Castanheira, em Rondônia. Ele nos entregou, mas sob uma condição: que contássemos essa história. Foi quando conseguimos os recursos para fazer uma reforma para contar essa história e de outros fósseis guardados aqui na universidade. Eu gosto dessa história do trabalhador rural porque ele poderia ter ganhado dinheiro – meteoritos têm grande valor financeiro –, mas ele preferiu ser honesto e entregar à ciência”, relata.

A especialista alerta para a necessidade de uma legislação específica sobre o manejo de meteoritos. Segundo ela, há normas sobre bens arqueológicos e minerais, mas não há regulação voltada aos meteoritos. Fialho afirma que alguns exemplares podem valer até meio milhão de reais, e que muitos acabam sendo vendidos para fora do país.

Para a pesquisadora, o maior valor do museu está em transformar a informação científica em conhecimento acessível, permitindo que pessoas de todas as idades compreendam e se aproximem da ciência. Ela adianta ao jornal que, em breve, o espaço contará com uma nova atração: a impressão 3D de uma réplica de um dinossauro em uma escala real.

Atos

Embora a mostra apresente um panorama contínuo sobre os três atos que narram a história da Terra, eles se interligam, permitindo ao visitante compreender as relações entre os diferentes períodos e explorar o conteúdo em qualquer ordem.

O primeiro ato aborda a origem do planeta, apresentando os primórdios de sua formação e os registros em amostras extraterrestres que caem no solo, como meteoritos e também os impactitos (rochas geradas pelo impacto de meteoritos).

O segundo ato é dedicado à história da vida na Terra. Fósseis de animais que habitaram o planeta em seus primórdios ajudam a compreender a importância das correlações cronoestratigráficas – estudo das camadas de rochas ao longo do tempo – para desvendar a evolução dos ecossistemas ao longo das eras geológicas. Nesse percurso, o visitante também pode entrar em uma caverna cenográfica, construída pela comunidade acadêmica da UnB, que simboliza os primeiros abrigos humanos e a relação entre o ser humano e o ambiente natural.

O último ato é denominado “As ciências”. Neste espaço o público encontra dezenas de rochas e minerais preciosos, também conhecidos como gemas, que revelam a diversidade e a beleza dos elementos formados ao longo de milhões de anos. Parte do acervo é interativo, permitindo que o visitante toque e observe de perto texturas, brilhos e cores naturais, em uma experiência sensorial que aproxima o público do processo de formação desses materiais.

Oficinas educativas

Dentro do museu há uma sala reservada às oficinas educativas, um espaço que integra a pesquisa acadêmica ao aprendizado escolar. Segundo Flávia Fialho, as atividades foram criadas para aproximar o conhecimento científico da educação básica, tornando conceitos complexos mais compreensíveis por meio de experiências práticas e acessíveis. Conduzidas por pesquisadores e estudantes do Instituto de Geociências, as oficinas funcionam como apoio didático para professores, oferecendo ferramentas e abordagens experimentais que enriquecem o ensino de ciências e despertam o interesse dos alunos pelo estudo da Terra. As inscrições são gratuitas e podem ser realizadas no site do MGEO.