Por um ano inteiro, o sol forte e o solo avermelhado de Moçambique foram o cenário de uma das experiências mais transformadoras da vida de Ana Carolina, 27 anos, missionária da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias. Do conforto da rotina no Rio de Janeiro ao contato direto com comunidades marcadas pela pobreza, mas também pela alegria, Ana viveu uma imersão espiritual e humana que redefiniu sua maneira de enxergar o mundo.
"Acho que foi a questão de olhar as coisas de um jeito diferente", conta ela. "Quando você vê pessoas que não têm nada, mas são felizes com o que não têm, isso muda tudo. Hoje eu não reclamo de nada, porque aprendi com aquelas crianças e senhorinhas que só querem alguém que as ame como elas amam uns aos outros."
Antes da missão, Ana era empreendedora. Tinha um restaurante movimentado, boa estabilidade financeira e uma vida confortável na zona oeste do Rio. "Eu era empreendedora, tinha um restaurante, muitos clientes. Me sustentava bem, morava bem. Mas eu decidi largar tudo para seguir a Deus e as pessoas. E isso me fez ser quem eu sou hoje: uma pessoa mais forte e com vontade de nunca desistir."
O chamado para a missão chegou de forma inesperada. "Eu tava sozinha no restaurante quando chegou a notificação. Fiquei ansiosa, pensando pra onde eu iria. Será que pra Bahia?", lembra Ana, rindo. "Quando abri minha carta, vi 'Moçambique, Beira'. Fiquei em choque. Nunca acreditei que iria tão longe."
Depois de cinco meses em Porto Alegre aguardando o visto, embarcou rumo ao país africano. Logo nas primeiras semanas, o choque cultural foi intenso. "Assim que cheguei, quase fui expulsa pelos mosquitos, porque tem muito! Parecia que iam me carregar", brinca. "Meu presidente de missão disse: 'Olha, esse é o carro mais chique que temos aqui'. E era um ônibus todo quebrado. Eu pensei: 'Sério que é isso?'. Mas se o presidente disse, eu acredito."
Em Moçambique, a rotina era voltada para o trabalho missionário: ensinar valores espirituais, ajudar nas comunidades e cuidar das pessoas. "Meu intuito lá era ajudar as pessoas a chegarem a Cristo, aprendendo sobre fé, arrependimento, batismo, dom do Espírito Santo e perseverança até o fim."
Com experiência em enfermagem, Ana também auxiliava em pequenos cuidados de saúde. "Meus presidentes de missão sempre deixaram eu cuidar muito bem das pessoas. Eles acreditavam em mim."
A missão a levou a diferentes regiões do país, entre elas Nampula, onde viveu um dos períodos mais marcantes. "Lembro que eu estava num vilarejo bem distante, em Anchilo. Lá não se fala português, só makua. Eu ensinava as crianças e tentava mostrar um pouco do idioma."
Conflito político
Mas o trabalho foi interrompido por questões políticas. "Estava na época da guerra. Todos os estrangeiros tinham que sair da cidade. Fui designada para a África do Sul. Foi muito triste, o sentimento de abandono me corroía."
Mesmo assim, a fé permaneceu firme. "Faltavam duas transferências para eu ir embora. Depois de quase dois meses, recebi a confirmação de que poderia voltar a Moçambique, porque meu visto ainda era válido. E consegui terminar minha missão com honra."
Hoje, seis meses depois de seu retorno ao Rio de Janeiro, Ana ainda carrega vivas as lembranças de Moçambique. "As pessoas, o amor simples, a humildade… tudo isso ficou em mim."
Projeto Social
Motivada por essa experiência, ela criou um pequeno projeto social. "Por isso tenho um projeto chamado 'Anchilo, Nampula, Moçambique'. Quero ajudar as pessoas a terem um lugarzinho melhor para adorar a Deus e uma escolinha para as minhas crianças aprenderem português". Para quem quiser ajudar o projeto, basta seguir o perfil no Instagram @seja_luz_anchilo e entrar em contato com ela.
A missão também consolidou sua fé. "Eu frequento a Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias há quase 12 anos. Foi onde conheci pessoas que mudaram totalmente o meu destino, não só durante a vida, mas também na eternidade."
No retorno, o apoio da comunidade religiosa foi essencial. "A igreja me ajuda muito na autossuficiência. Ela nos instrui a ser independentes, a recomeçar com fé e propósito."
Ato de solidariedade
Em um país com altos índices de pobreza e desafios estruturais — Moçambique é uma das nações com menor IDH do mundo — a presença de missionários como Ana representa não apenas um ato de fé, mas também de solidariedade. Ela testemunhou de perto a força de um povo que, apesar das dificuldades, mantém viva a alegria e a esperança.
"Eles não têm nada, sabe o que é nada? E estão lá, cantando, dançando, te abraçando. Isso mudou meu jeito de ver o mundo."
Hoje, Ana Carolina carrega no coração as memórias de Anchilo, as risadas das crianças e a simplicidade que aprendeu a valorizar. "Tudo que vivi lá me ensinou que felicidade não é o que você tem, mas o que você compartilha."
Entre lembranças, fé e projetos sociais, a jovem missionária reafirma que sua jornada em Moçambique foi mais do que uma experiência religiosa — foi uma lição de humanidade.
Moçambique
Com uma população majoritariamente jovem e carente de recursos básicos, Moçambique enfrenta desafios profundos em suas regiões mais afastadas, como Anchilo, Nampula e Beira, cidades que marcaram a missão de Ana Carolina. Nessas localidades, a falta de infraestrutura e a escassez de oportunidades fazem parte da rotina de milhares de famílias. A maioria das crianças cresce sem acesso regular à escola, e o analfabetismo ainda é uma realidade presente em boa parte da população rural.
Anchilo, em particular, é um pequeno vilarejo nos arredores de Nampula, onde muitas famílias sobrevivem da agricultura de subsistência. Ali, o trabalho voluntário de missionários e organizações humanitárias se torna essencial. Eles levam não apenas mensagens de fé, mas também educação, cuidados básicos de saúde e esperança. O gesto de ensinar uma palavra em português ou dividir um prato de comida se transforma em uma forma de empoderamento e dignidade.
Mais do que uma ação religiosa, as missões humanitárias em Moçambique representam um encontro de mundos. Seja qual for a crença, o idioma ou o país de origem, cada voluntário que chega ao solo moçambicano contribui para semear conhecimento, solidariedade e amor. Em regiões onde muitos ainda não sabem ler ou escrever e nem sempre têm o que comer, gestos simples tornam-se grandes transformações. É nesse cenário que histórias como a de Ana Carolina florescem, mostrando que a fé, quando colocada em prática, tem o poder de mudar não só quem recebe, mas também quem doa.