Às vésperas da COP30, uma importante vitória ambiental para Brasília e para o Brasil. O presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Rodrigo Agostinho, emitiu parecer, na última quinta-feira (16), indeferindo o pedido de Licença Prévia para a instalação da uma Usina Termelétrica (UTE Brasília) na região administrativa de Samambaia com extensão até Recando das Emas, no Distrito Federal. O principal interessado no empreendimento é o empresário Carlos Suarez, conhecido como “Rei do Gás”.
No documento, ao qual o Correio da Manhã teve acesso, Agostinho acolheu as teses da Diretoria de Licenciamento Ambiental do próprio órgão, após a análise do empreendimento. O processo que culminou com a negativa para o empreendimento começou com denúncia do Correio da Manhã, em março. Na ocasião, reportagem revelou que a ação corria “por baixo dos panos”, e só ganhou maior publicidade depois que escola pública, que seria removida para a construção da usina, fez um protesto que chegou ao conhecimento do jornal. Na ocasião, o secretário do Meio Ambiente do Distrito Federal (Sema), Gutemberg Gomes, afirmou que o GDF não estava ciente do pedido ao Ibama para instalar a Termelétrica movida a gás natural de 1470MW.
Reportagem
A empresa responsável, Termo Norte, havia protocolado o pedido de licenciamento em março de 2023, mas só no final de 2024 a comunidade começou a ouvir rumores. Informaram, então, ao Correio que estava marcada uma Audiência Pública sem a devida publicidade e transparência necessária para analisar e eventualmente aprovar a obra. A partir dessa primeira reportagem, os movimentos e estudos contrários a usina foram crescendo
Durante os últimos meses, o caso também movimentou a política. Parlamentares do Psol, PV e PT se posicionaram contra, promovendo audiências, falas em plenários e seminários dentro da Câmara Legislativa do DF e federal sobre os impactos sociais e ambientais do empreendimento. Além disso, o movimento “Xô Termelétrica” reuniu milhares de pessoas nas redes sociais e em manifestações presenciais. Durante a Audiência Pública que ocorreu em 17 de junho, os ativistas gritaram mais alto e suspenderam a sessão, elencada como pré-requisito essencial para a continuidade do processo dentro do Ibama.
Vale lembrar que a primeira audiência, que estava marcada para março, foi suspensa por decisão judicial. Na ocasião, o Tribunal de Justiça do DF (TJDFT) acolheu o pedido de Medida de Segurança, protocolada pelo Instituto Arayara, e suspendeu a sessão considerando que não havia tempo hábil para a devida participação social e análise do Estudo de Impacto Ambiental de mais de quatro mil páginas.
OSC
O Instituto Internacional Arayara, registrada como Organização da Sociedade Civil (OSC), atuou com medidas judiciais e estudos técnicos para impedir a UTE. Para o gerente de Transição Energética do instituto, John Wurdig, essa vitória só foi possível graças à cobertura da imprensa, à pressão popular e o apoio de parlamentares.
“Também vamos lembrar da medida judicial que derrubou as outorgas de exploração do rio Melchior, que foram citadas na decisão do Ibama. A Arayara entrou com duas ações civis públicas que suspenderam as duas outorgas emitidas para o empreendimento: tanto a outorga de captação de água como a outorga de lançamento de afluente. É importante destacar que o DF tem o plano carbono neutro que deveria reduzir as emissões, e essa térmica sozinha estaria emitindo 4,7 milhões de toneladas de gás de efeito estufa, sendo que todo o DF produz cerca de 7 milhões. Ou seja, iria quase dobrar. Provavelmente esse processo vai ser arquivado. Acho difícil haver chance de algum recurso provido”, avalia.
Escola
Entre as principais preocupações da implementação da Termelétrica na região estava a possibilidade da realocação da única escola rural do local, a Escola Classe Guariroba, que acolhe cerca de 560 estudantes da Educação Infantil até o 5º ano do Ensino Fundamental.
Não seria a primeira vez que a escola fecharia. A escola existe desde 1963, mas em 2018 ela foi realocada em um novo prédio para dar espaço à construção do Aterro Sanitário de Brasília, local em que permanece até hoje. Ao jornal, a diretora da escola, Nathália Pacheco, avaliou que, com a experiência anterior, ficou claro como a realocação é prejudicial para o desempenho dos estudantes e tem impacto psicológico nas crianças. Além, é claro, do impacto ambiental.
A comunidade escolar – alunos, pais e professores – organizou diversos movimentos contra a UTE. Para Nathália, essa conquista é fruto da força e união da comunidade. “Não nos calamos diante das injustiças e defendemos com coragem o direito à vida, ao seu território e a um meio ambiente saudável. Seguimos firmes, sustentados pela convicção de que a escola pública tem voz, consciência e poder de transformação. Essa vitória reafirma que, quando a comunidade escolar se organiza e acredita, nenhuma omissão é capaz de silenciar a verdade e o compromisso com o bem comum”, diz ela.
Rio Melchior
Outro ponto de preocupação era a utilização do rio Melchior para resfriar as máquinas da Usina. A Termo Norte alegou que a exploração do rio seria benéfica, prometendo melhorar a qualidade das águas classificadas na classe 4, o pior nível de poluição dentro dos recursos hídricos. Segundo a empresa, a captação do Melchior seria mínima, com retorno de 95% da água tratada e em qualidade superior a captada. Mas especialistas e ambientalistas não se convenceram e foram contrários. Já extremamente poluído, o rio seria ainda mais sacrificado.
A alta poluição do Melchior já tinha levado à criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito, na CLDF, presidida pela deputada Paula Belmonte (Cidadania).
A UTE Brasília também entrou na Mira da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). O empreendimento foi incluído no “Mapa de Conflitos Envolvendo Injustiça Ambiental e Saúde” desenvolvido pelos pesquisadores da instituição.
Política
O Correio da Manhã procurou os deputados de oposição contrários ao empreendimento, uma vez que não houve um movimento parlamentar em sua defesa.
À reportagem, o distrital Gabriel Magno (PT-DF), que inclusive promoveu audiência pública para promover o debate, afirma que a decisão é um exemplo de que o povo avança quando se une em torno se uma causa. “Considero uma grande vitória da sociedade, que rejeitou esse projeto desde o início. Também do meio ambiente e do progresso da nossa civilização, que luta para avançar no uso de energias renováveis e não poluentes”, afirma.
Para Max Maciel (Psol-DF), a vitória é principalmente da Escola Classe Guariroba. “Mas também é uma vitória na perspectiva da proteção do meio ambiente. Não vamos relaxar e continuaremos acompanhando, até porque ainda pode caber algum tipo de recurso ou tentativa de reverter a decisão. Neste momento, no entanto, é sem dúvida uma grande conquista”, diz.
O deputado federal Reginaldo Veras (PV-DF) também comemora a decisão. O partido realizou, na semana passada, seminário sobre o empreendimento. “A decisão do Ibama é técnica e responsável. Ao negar a licença da usina termoelétrica em o órgão reafirma o compromisso com o Cerrado, com a saúde da população e com a segurança hídrica do DF. Não há desenvolvimento possível às custas do meio ambiente e do futuro das próximas gerações”, avalia.
Eduardo Brandão, presidente do PV, também destaca a importância de impedir projetos que prejudiquem ainda mais a crise climática “Durante nosso evento na Câmara dos Deputados eu disse com todas as letras: projetos como esse usam o discurso do progresso como cortina de fumaça para esconder interesses privados que beneficiam um pequeno grupo, às custas de danos profundos ao meio ambiente e à população como um todo. Seguiremos vigilantes para barrar qualquer iniciativa que coloque em risco o futuro sustentável do Distrito Federal”, ressalta.
À reportagem, o secretário do Sema comenta a decisão. Para ele, o indeferimento é visto de forma positiva e dialoga com toda a política distrital de enfrentamento às mudanças climáticas do DF.
“Assim, evita-se também contradição com a Política Distrital de Mudança do Clima (Lei nº 6.269/2019) e com a Contribuição Distritalmente Determinada, que estabelecem metas claras para a descarbonização da matriz energética e a neutralidade climática até 2050. A instalação da usina comprometeria esses compromissos”, afirma.
Em nota, a Termo Norte informa que recebeu o parecer técnico emitido pela Diretoria acolhido pelo presidente do Ibama e está avaliando detalhadamente seu conteúdo para definir as medidas cabíveis dentro do prazo legal.
"A empresa reafirma seu compromisso com a transparência, o diálogo institucional e o cumprimento da legislação ambiental brasileira", diz.