Por: Mateus Lincoln

Como é o passeio noturno do Zoológico de Brasília

Interagir com as antas proporcionou aos visitantes um contato autêntico com a natureza, raro em uma geração marcada pelo digital | Foto: Mateus Lincoln/Correio da Manhã

Antes de começar o evento, diversas crianças esperavam ansiosas correndo para lá e para cá, gritando, brincando, soltando as maiores gargalhadas. Os pais, que tentavam em vão acalmá-las, também traziam consigo um ar de inquietação e vontade de conhecer aquele mundo a partir de outro ângulo: à noite. Uma pergunta pairava no ar: quem espera escurecer para sair de sua toca?

Esse foi o clima vivenciado pela reportagem do Correio da Manhã, que integrou mais uma das turmas do passeio que o Zoológico de Brasília realiza entre 19h e 21h, chamado de Zoo Noturno. O projeto consiste em visitas guiadas às terças e quintas-feiras e oferece a oportunidade de mostrar os animais de hábitos noturnos.

A iniciativa acontece em alguns períodos do ano mediante inscrições prévias pelo e-mail: [email protected]. Para saber quando acontecerão novas oportunidades de participar, basta acompanhar a instituição nas redes sociais pelo usuário: @zoobrasilia.

O diretor-presidente da Fundação Zoológico de Brasília, Wallison Couto de Oliveira, explicou que o programa acompanha a cultura da instituição, que é de conscientizar sobre a importância da preservação da fauna e flora. Além disso, também busca mostrar a rotina do local quando o sol se põe, já que o Zoo não para de funcionar quando as visitas diurnas terminam.

“Não é que esses animais não possam ser vistos durante o dia. Eles podem. Porém, alguns ficam mais ativos somente durante a noite. Seja por instinto, pelo clima ou outras razões”, comentou Oliveira. Ele citou que os principais atrativos do passeio são as onças, hipopótamos, elefantes e antas.

 

 

Como é o passeio

Antes de iniciar o percurso, os guias reúnem todos e repassam as orientações: não é permitido ligar lanternas ou quaisquer tipos de luzes (incluindo flashes, luzes de foco de câmeras, etc.); evitar ao máximo fazer barulhos altos para não atrapalhar o descanso dos animais de hábitos diurnos; e não se distanciar do grupo.

O passeio começa. Há pouquíssima luz, vindo da cidade em torno do Zoológico e também do luar – que, infelizmente, não era de uma lua cheia. As únicas lanternas permitidas são as utilizadas pelos guias, pois iluminam em um espectro de luz que não incomoda a visão dos animais.

A primeira parada é no recinto do elefante-africano. Ou melhor, da elefanta. Bela, também conhecida carinhosamente como Belinha, chegou ao Zoo em 1995, como presente do ex-presidente sul africano Nelson Mandela. Não precisou de muitos chamados dos tratadores, ela logo se apresentou. Caminhou e colocou a tromba em cima da mureta que a separava dos visitantes.

As crianças ficaram impressionadas com o carisma de Bela, que não se envergonhou ou se intimidou. Ficou do mesmo jeito por diversos minutos, encarando a todos como se esperasse companhia ou estivesse acostumada a dar um show.

Em seguida, foi a vez dos hipopótamos. Estes, diferentes da paquiderme, estavam mais acanhados. De longe, era possível ver seus olhos acima da água do laguinho. Os guias até tentaram, chamando-os por diversas vezes em vão.

Além disso, os biólogos explicaram aos presentes que esses herbívoros podem pesar mais de quatro toneladas e são um dos animais que mais matam seres humanos no continente africano. Não por serem predadores, mas por defenderem um habitat cada vez mais ameaçado.

Cada macaco no seu galho e cada serpente em sua toca

E as ameaças não se restringem ao continente que foi o berço da humanidade atual. No Brasil, diversos casos se repetem e muitos dos animais recebidos pelo Zoo de Brasília foram resgatados em situações de tráfico, cativeiro ou criações ilegais.

Foi o que aconteceu com muitas das serpentes que hoje vivem no serpentário. Os biólogos explicaram a história de cada uma delas. De onde vieram, quais situações passaram, em que condições chegaram e como melhoraram desde que receberam os cuidados adequados.

A passagem pelo serpentário foi também uma oportunidade para quebrar preconceitos relacionados às cobras. Os tratadores explicaram que estes animais não são vilões e possuem um papel muito importante no equilíbrio natural dos biomas e, além disso, elas atacam apenas em raras ocasiões em que precisam se defender.

“As serpentes são como muitos de nós, seres humanos. Gostam de ficar quietinhas no seu canto. Preferem não se envolver em confusão, mas, caso se sintam ameaçadas, elas sabem se defender. Se nós as deixarmos no lugarzinho delas, elas nada farão conosco”, explicou um dos guias.

Onça não é pet

Outra história triste que muito chamou a atenção dos visitantes foi a das onças-pintadas George e Peter. Elas foram resgatadas de uma fazenda em Mato Grosso. Acuadas nos incêndios que destruíram parte do Pantanal em 2021, elas foram encontradas por um fazendeiro. Possivelmente perderam a mãe em meio ao fogo e, por serem ainda filhotes, não sabiam se defender.

Depois de tê-las encontrado, este fazendeiro passou a tratá-las como animais de estimação. Após denúncias, elas foram resgatadas por autoridades e, por recomendação de diversas instituições, foram destinadas ao Zoo da capital federal, que possui uma equipe especializada em cuidar de onças.

Os irmãos, contrariando o padrão da espécie - que é territorialista e solitária - vivem juntos desde que chegaram e apreciam bastante a companhia um do outro. Um episódio de 2023 as deixou famosas na internet brasileira. Em dezembro daquele ano, visitantes registraram vídeos de Peter escalando as grades do Zoo e ficando cara a cara com quem os via.

No entanto, os guias confortaram a turma do passeio noturno, explicando que o recinto possui outras grades que impedem a fuga dos animais. Mesmo que tentassem, não conseguiriam passar. Ainda assim, eles frisaram que os tratadores precisam seguir diversos protocolos de segurança para cuidar ou alimentar as onças, já que se trata dos maiores carnívoros do continente americano. “[São] predadores de topo da cadeia alimentar. Não é pet, mas um animal silvestre”, frisou.

Ponto alto

O último recinto a ser visitado foi o das antas, que, atualmente, são os maiores mamíferos terrestres da América do Sul. Nesse momento, os guias convidaram voluntários a se habilitarem para alimentá-las, equipando-os com luvas especiais e mantendo uma distância segura, sendo protegidos também pelas grades.

Enquanto isso, curiosidades são contadas sobre as antas. Elas são classificadas como ungulados não ruminantes (mamíferos com cascos que tem um estômago simples), na mesma ordem dos equinos (como cavalos e zebras). Também são chamadas de “jardineiras da natureza” por consumirem muitos frutos (necessitando de 8 kg a 9 kg de alimento por dia) e dispersarem as sementes em grandes áreas durante suas longas caminhadas.

Durante a ação é perceptível a admiração no olhar de todos os presentes e não somente dos que se voluntariaram a alimentá-las. Interagir com um animal silvestre e que não é comum no cotidiano de ninguém ali, gera outro tipo de emoção aos visitantes tão acostumados com a vida moderna, digital e artificial. Cria-se uma ligação maior e viva com a natureza. A concretude de um ato simples impacta muito apenas por ser real. O melhor foi deixado para o final do passeio.