Por: Mateus Lincoln

Meu filho ainda não fala. O que fazer?

A escola, quando bem preparada, ajuda as crianças | Foto: Agência Brasil

“Se meu filho ainda não fala, colocá-lo na escola pode ajudar ou atrapalhar?” A dúvida é frequente entre famílias que acompanham de perto o desenvolvimento das crianças. O questionamento surge diante de sinais de atraso na comunicação e da busca por alternativas que favoreçam avanços no processo de aprendizagem. Foi nessa situação que se viu a professora Dalila Menezes, 38 anos, mãe de três crianças. Ela convive com diagnósticos distintos em cada um dos filhos, o que fez da experiência em casa e na escola um percurso cheio de desafios.

Um caso real

Dalila conta que a trajetória do filho mais velho, João, envolveu várias idas a médicos, tentativas em escolas diferentes e acompanhamento contínuo de terapias. Hoje, aos 8 anos, ele não fala, apresenta comportamentos repetitivos, precisa de medicação e segue em atendimentos de fonoaudiologia, psicopedagogia, psicologia e terapia ocupacional. O caso, segundo ela, exigiu persistência desde os primeiros sinais.

“A neuropediatra iniciou logo as intervenções, mas para conseguir atendimento foi muito difícil. A lista de espera era de quatro a cinco meses. Depois que começou, ele nunca mais parou as terapias”, relata. Apesar do esforço, o percurso escolar teve episódios de dificuldade. “Na primeira escola pública ele foi maltratado por uma professora. Depois tentamos a rede particular, mas também não deu certo. Agora voltou para a rede pública e faz acompanhamento paralelo”, afirma.

O segundo filho, Rafael, hoje com 7 anos, foi diagnosticado com autismo ainda bebê. De acordo com Dalila, isso permitiu iniciar os cuidados precocemente. “As intervenções começaram com nove meses. Ele fazia fisioterapia, fonoaudiologia e outros atendimentos desde cedo. Isso fez diferença no desenvolvimento”, diz.

Apesar disso, Rafael apresenta dificuldades de socialização. Na escola, ele se destaca pelo aprendizado, mas evita vínculos duradouros. O pequeno conversa e brinca, mas não considera as crianças como amigas. “Quando perguntamos o nome de um amigo, ele responde que não tem. Até mesmo em situações simples, como entregar algo à professora, ele resiste e prefere que eu escreva bilhetes”, explica.

O acompanhamento neuropsicopedagógico tem sido mantido, mas a busca por profissionais pelo plano de saúde segue como obstáculo. “Até hoje não conseguimos uma psicóloga adequada para ele. Seguimos tentando”, relata.

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Dalila e o marido se empenharam em uma longa batalha para buscar o tratamento correto para os três filhos | Foto: Arquivo pessoal

O que dizem os especialistas?

A fonoaudióloga Angelika dos Santos Scheifer, especialista em atrasos de fala, explica que o ambiente escolar pode ser um aliado importante, desde que seja bem preparado. “O convívio com outras crianças favorece a socialização e cria oportunidades para que a linguagem se desenvolva. Muitas vezes é na escola que os primeiros sinais ficam claros. Professores percebem quando a criança não interage verbalmente ou não compreende instruções simples. Isso ajuda a encaminhar para avaliação e iniciar intervenções”, afirma.

Angelika ressalta que alguns sinais precisam ser observados: ausência de frases até os 3 anos, vocabulário restrito, dificuldade em manter conversas, pouca compreensão de ordens e frustração frequente ao tentar se comunicar.

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Angelika dos Santos Scheifer é fonoaudióloga e atua na área clínica desde 2012, com especialização em atraso de fala infantil | Foto: Arquivo pessoal

“O papel do professor não é diagnosticar, mas observar e estimular. Se os marcos esperados não são atingidos, a escola deve orientar a família a buscar avaliação com especialista”, destaca ela.

A neuropsicopedagoga Silvia Kelly Bosi complementa que o atraso de fala não significa incapacidade de aprendizado. “Muitas crianças apresentam bom desempenho cognitivo, mas precisam de apoio para se expressar. Quando a escola oferece mediação adequada, o ambiente favorece o progresso da linguagem”, diz. Para ela, o risco está em interpretações equivocadas. “Sem compreensão, o atraso pode ser confundido com indisciplina. A escuta qualificada evita rótulos e garante que a criança seja incluída e respeitada”, acrescenta.

As duas especialistas concordam que a parceria entre escola, família e profissionais de saúde potencializa os resultados. Recursos como figuras visuais, rotinas estruturadas, jogos de linguagem e momentos de escuta ativa podem estimular a comunicação. “A escola, quando preparada, é um espaço de estímulo. Com atenção e parceria, pode acelerar o desenvolvimento da fala e tornar a aprendizagem inclusiva”, conclui Silvia.

O que é oferecido no SUS?

Procurada, a Secretaria de Saúde do Distrito Federal (SES-DF) informou, em nota, que o diagnóstico de crianças com suspeita de autismo é realizado nas Unidades Básicas de Saúde (UBS), a partir do relato dos responsáveis e da avaliação médica. Quando necessário, o paciente é encaminhado para serviços especializados.

“Assim que a família procura a unidade de referência, a criança é atendida por médico de família e comunidade. Havendo sinais de Transtorno do Espectro Autista (TEA), pode ser encaminhada para serviços de reabilitação, sem necessidade de esperar diagnóstico fechado, para que não se perca a janela de oportunidade da neuroplasticidade cerebral”, destacou a SES ao Correio da Manhã.

Segundo a pasta, nos Centros Especializados em Reabilitação (CER) são feitas avaliações multiprofissionais, com planos terapêuticos individuais. Os atendimentos podem ser individuais ou em grupo, com foco em estimulação precoce. A secretaria reforça que os neuropediatras só acompanham casos em que há necessidade de prescrição medicamentosa. “Mesmo antes da confirmação diagnóstica, se já for identificado atraso, a criança deve iniciar estimulação precoce. Não é necessário esperar”, diz a nota.

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Os Caps atendem pessoas com sofrimento mental moderados e graves | Foto: Jhonatan Cantarelle/Agência Saúde-DF

Ainda de acordo com a SES, pessoas com sofrimento psíquico têm acesso à rede de saúde mental, especialmente nos Centros de Atenção Psicossocial Infantojuvenil (Caps i). O atendimento é feito por equipe multiprofissional, em regime de porta aberta, sem agendamento prévio. As equipes são formadas por médicos, psicólogos, terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogos, assistentes sociais, enfermeiros e farmacêuticos, a depender da unidade.

Recado aos pais

Dalila afirma que os responsáveis costumam passar por duas etapas logo após o diagnóstico dos filhos: o luto e a culpa. Segundo ela, “o luto é importante. Quando a gente recebe o diagnóstico, é necessário viver esse momento, porque é como se fechasse uma cicatriz. A gente precisa fechar essa cicatriz”.

Ela explica, no entanto, que a culpa não deve ser carregada. “A questão da culpa é que ela não existe. Embora a criança tenha determinadas condições, não é responsabilidade dos pais. São vários fatores que nem a ciência ainda consegue determinar”, diz.

Depois desse processo, a mãe recomenda que os responsáveis busquem ajuda profissional. Para ela, esse é um passo fundamental para garantir avanços no desenvolvimento dos filhos.

Para as famílias, como a dela, o caminho entre diagnóstico, terapias e acompanhamento escolar continua sendo de esforço constante. “A gente precisa conhecer os direitos, porque o conhecimento é libertador. E também buscar ajuda para si, porque se a gente não se cuida, não consegue cuidar deles”, afirma.

Dalila reforça que o acesso ao diagnóstico precoce foi decisivo para Rafael. “Ele começou a falar com três anos e, com apoio, tem menos demandas hoje. A diferença do tratamento cedo foi clara em relação ao irmão mais velho. Ainda enfrenta dificuldades, mas conseguiu avançar”, avalia a professora.
Além disso, a professora lembra que também é essencial cuidar de si. Ela conta que passou por um período de exaustão após o nascimento da terceira filha, quando precisou se afastar do trabalho e iniciar tratamento para depressão e ansiedade. “Hoje eu busco mais esse cuidado e tento fazer o que está ao meu alcance”, afirma.
Para ela, o autocuidado dos pais é determinante. “Nós somos a âncora deles. Até que consigam autonomia, dependem da gente. Se a âncora do navio está ruim, o navio afunda todo mundo”, compara.