Neste fim de semana (23 e 24), Brasília se transforma novamente no epicentro da música com os dias de shows da 8ª e última edição do Festival CoMA (Consciência, Música e Arte), que acontece desde 2017 na capital federal. A festa é marcada por reunir grandes nomes da cena nacional e dar visibilidade a talentos locais.
O evento fez história, em 2022, quando recebeu o último show de Gal Costa em Brasília, meses antes de sua morte. O line-up traz mais de 40 artistas, no Centro Cultural Banco do Brasil, de diferentes estilos e gerações, como Yago Oproprio, Don L, Budah, Metá-Metá, Paulinho Moska, Nação Zumbi, Catto, Paulinho da Viola, Sandra de Sá, entre outros.
Manifesto cultural
Com apoio do Ministério da Cultura e sob o lema “Consciência, Música e Arte”, em um texto de manifesto publicado pelo Festival CoMA, o evento sugere uma reflexão sobre “O coração como centro”.
A escolha da metáfora deste ano coloca a sensibilidade no núcleo da experiência que, com afeto e escuta, segundo o texto, constroem encontros transformadores. A publicação manifesta o propósito de fazer da música e da arte não apenas expressões estéticas na capital federal, mas também espaços de consciência crítica, diversidade e pertencimento.
Os ingressos custam R$ 30 a inteira e R$ 15 a meia. Além disso, é oferecido transporte gratuito, de ida e volta, próximo da Rodoviária de Brasília, ao lado Biblioteca Nacional, mediante inscrição prévia em formulário.
Sandra de Sá
Entre os shows que prometem marcar o domingo está a apresentação de Sandra de Sá, pela primeira vez, com o grupo local Sarau Secreto. O coletivo atua na cena cultural local brasiliense desde 2022, ocasião em que organiza apresentações ‘surpresas’ em ‘lugares secretos’ da capital, com uma organização intimista, anunciado pouco tempo antes do evento. Segundo Thiago Jamelão, um dos integrantes, essa apresentação vai além de um show.
“Esse encontro é, sem exagero, um marco na nossa história. Receber uma lenda viva da música preta brasileira, em um formato intimista e potente, é a realização de um sonho coletivo. Não se trata apenas de um show, mas de um encontro entre gerações, estéticas e afetos. A artista vai se somar à proposta do Sarau, trazendo seu repertório, sua história e sua energia inconfundível para um diálogo direto com os artistas da nova cena. É um convite à celebração da ancestralidade viva e da força da música como ponte entre mundos. Um show inédito, construído a muitas mãos, que mistura o espírito ritualístico do Sarau com a força icônica de Sandra Sá”, comemora.
Sandra de Sá conversou com o Correio da Manhã e expôs sua alegria em participar de um festival em Brasília que tem a diversidade como pilar.
“A vida é diversidade, e diversidade é vida. ‘Sacou’? Nos três lados da moeda. A gente já participa dessa diversidade o tempo inteiro, só que a gente não se percebe e não percebe as pessoas. Então, quando rola umas ‘paradas’ assim, gera mais consciências. Acho legal. Estou feliz de estar participando com todo esse pessoal”, afirma.
A cantora, de 69 anos, conta que este ano tem vários projetos para lançar, inclusive um novo álbum. Para ela, a idade não é limitadora para um artista.
“Este ano, tem muita coisa para ser lançada. Tem coisas minhas individuais, tem o ‘nós amoras’, trabalhos que estou produzindo de outros artistas, tem coisas que estou fazendo na vida. Muita coisa para ser estreada. Sou uma artista de 69 anos lançando sempre coisas novas, e eu não acho nada ‘uau’. A vida não para nunca, sabe? Precisamos estar vivendo, sempre seguindo. Eu acho que me sinto viva, vivendo como qualquer outro ser humano, com qualidade”, relata.
Entre os sucessos de Sandra de Sá, está a canção “Olhos Coloridos”, lançada em 1982 e que permanece até hoje como um dos maiores ícones na música brasileira. Ao Correio da Manhã, ela expressa a alegria em representar essa música, mas destaca a importância do compositor.
“Olha, vou falar uma ‘parada’, para todo mudo que está lendo essa matéria. É o seguinte: vai no Instagram do autor da música, o Macau. Chega lá que tem essa história, e nada melhor do que ver a história contada pelo próprio autor”, sugere.
Catto
Catto, cantora, compositora e intérprete em destaque na cena musical brasileira contemporânea, chega a Brasília com um repertório marcado pela força vocal e identidade própria. Reconhecida por críticos, prêmios e artistas consagrados, a artista promete uma apresentação de alto nível, mesclada de composições autorais e releituras que evidenciam sua versatilidade.
“É a primeira apresentação do meu novo álbum ‘Caminhos Selvagens’ em Brasília. É um show de coração sangrando aberto, mas muito glamoroso. Tem figurinos belíssimos, uma luz incrível, cenário... Eu quero levar para Brasília o melhor do melhor e, assim, fazer uma apresentação de altíssimo nível para esse público,", declara.
Entre os sucessos da cantora, está o álbum “Belezas São Coisas Acesas Por Dentro”, lançado em 2023. O trabalho é uma reinterpretação das músicas de Gal Costa, e chegou a ser apresentado até no Japão. À reportagem, Catto revela que o álbum foi uma surpresa e um potencializador para a evolução de seu trabalho, que a colocou em cena e que, agora, para a cantora, a impulsionou para sua melhor fase.
“Foi uma grande surpresa, mas, sim, foi um grande ‘boom’ na minha carreira. Na verdade, ninguém esperava. Quando eu fiz o trabalho cantando Gal, eu já estava fazendo o ‘Caminhos Selvagens’, desde 2018. Eu acabei precisando, por uma questão de sobrevivência, tomar outros rumos na minha vida. Mas foi um grande aprendizado. Esse projeto me libertou em relação à minha vida como intérprete. Eu sou uma artista iconoclasta, eu adoro criar projetos. Gravamos em dois dias, lançamos, e teve proporções absurdas. Foi aquela coisa que às vezes na vida de um artista um projeto aparece assim, e é realmente um presente do céu”, diz.
“E sim. Vou também cantar algumas músicas da Gal nesse show”, adianta ela, sobre o espetáculo em Brasília.
Durante a conversa com a reportagem, a artista fala sobre suas transições profissionais e pessoais durante os 15 anos de carreira.
"Fiz mudanças de maneira muito respeitosa com o meu processo. Tudo o que desejo fazer artisticamente é, na verdade, um desejo de quem eu quero me tornar enquanto ser humano, e vice-versa. Eu acho que todas as pessoas que eu já fui me trouxeram para esse lugar. Então, é também uma forma de honrar o meu processo. Agora, também tenho uma equipe mais ‘know-how’, em termos técnicos, que me proporcionou poder fazer essas mudanças de uma forma mais legal para o público”, conta.
A cantora destaca suas influências na música brasileira, que a guiam como artista. Ela diz que observa os caminhos de cantores da música popular brasileira que se deslocam pelos gêneros musicais e se colocam à disposição do “hibridismo musical”, como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Tom Jobim, Elis Regina. Ela também ressalta a importância de Cássia Eller em sua construção.
“Eu sinto que eu não sou modesta assim, sou uma excelente profissional. Gosto da palavra profissional, porque o profissionalismo não é só um dom, mas um aprendizado. Eu me dedico a isso vertiginosamente desde que eu tenho 7, 8 anos de idade. Já cantei Maysa, Dalva de Oliveira, Ângela Maria, Ney Matogrosso, Annie Lennox, tudo. Eu me identifico muito com a Cássia, cresci influenciada por ela. O trabalho dela sempre me seduziu, porque ela tinha uma marca pessoal muito forte e dentro dessa marca ela cantou samba, pagode, pop.. Ela é uma cantora de rock porque ela tem uma atitude de rock, porque ela é transgressora, mas, da mesma forma como a Cássia é roqueira e underground, sem se encaixar em um só lugar, eu também acho que seja o meu caso. Eu já fiz de tudo e continuo querendo fazer de tudo. O próprio ‘Belezas’, é um disco de música brasileira, mas lido de uma forma com texturas do rock clássico”, descreve.
Despedida
A organização do Festival CoMA (Consciência, Música e Arte) anunciou que esta será sua última edição. Após quase dez anos de história, o evento se despede celebrando o impacto que gerou na cena musical e criativa do Brasil, especialmente em Brasília, cidade que o acolheu desde a primeira promoção.
Desde seu início, o CoMA transformou Brasília em palco para uma programação ousada e diversa, reunindo mais de cem mil pessoas ao longo de oito edições e mais de 200 artistas de diferentes estilos, origens e gerações. O festival recebeu nomes consagrados como Ney Matogrosso, Gal Costa, Elza Soares, além de abrir espaço para artistas independentes que hoje despontam no cenário nacional e internacional.
“Entre programação musical, infantil e uma curadoria que sempre prezou a diversidade, o CoMA se consagra como um espaço de descoberta, experimentação e troca. Seremos sempre mais que um festival. Para mim, é uma sensação de realização e de dever cumprido, ver as pessoas curtindo, ver o nosso time cuidado e se sentindo cuidado e reverberando esse cuidado, esse afeto para fora. Encerramos este ciclo com orgulho pelo legado que deixamos e pela rede que ajudamos a construir”, afirma Michelle Cano, diretora do CoMA.
Além dos shows, o CoMA ficou conhecido por seu fórum de conferências e pelas atividades formativas, que reuniram centenas de profissionais da música, produtores, gestores culturais, jornalistas e pesquisadores para discutir temas como políticas públicas, inovação tecnológica, sustentabilidade, diversidade e novos modelos de negócios na indústria criativa.