Por: Isabel Dourado

Butantan moderniza produção e lançará soro em pó

Fan Wen: Butantan aprimora tecnologias a cada dia desde 1901 | Foto: Renato Rodrigues/Comunicação Butantan

O Instituto Butantan, na zona Oeste de São Paulo, é referência na produção de soros há 124 anos. Hoje, em um momento de modernização e expansão da capacidade produtiva, a instituição se prepara para lançar, de forma inédita, soros em versão liofilizada, em pó, que não precisam de refrigeração e podem chegar com mais facilidade a regiões de difícil acesso.

A inovação tecnológica marca mais um capítulo na história do instituto que foi criado em 1901, nos esforços do sanitarista mineiro Vital Brazil, que se dedicou à criação de soros contra acidentes com cobras que causavam mais de 5 mil mortes por ano em São Paulo na época.

Atualmente, a instituição produz e distribui para o Ministério da Saúde 12 tipos de soros usados para tratar ou prevenir intoxicações causadas por venenos ou toxinas. Entre eles, estão oito diferentes tipos de antivenenos que são específicos para combater os efeitos de animais peçonhentos como cobras, aranhas e escorpiões. Esses soros contêm anticorpos capazes de neutralizar os venenos e evitar complicações graves.

O instituto fabrica também antitoxinas como soro antitetânico, antidiftérico e o antibotulínico usado para combater toxinas liberadas por bactérias causadoras de doenças como o tétano, a difteria e o botulismo. Outro soro produzido é o antirrábico, aplicado em pessoas que sofreram mordidas de animais com suspeita de raiva.

Tecnologia evoluiu

A diretora do Núcleo de Produção de Soros do Instituto Butantan, Fan Hui Wen, explica que embora a produção ocorra há mais de um século, a tecnologia evoluiu muito e o instituto segue critérios rigorosos. Ela cita, por exemplo, que em 2010 a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) estabeleceu exigências de Boas Práticas de Fabricação (BPF) para todos os laboratórios.

"Isso gerou uma transformação completa no processo produtivo. Antes disso, os controles eram internos, mas não tínhamos a regulação externa da Anvisa. A partir dessa legislação, todo o processo passou a ser rastreável, da coleta do veneno até a entrega da ampola", explica a doutora.

"Hoje, todo o processo é industrial. tem rastreabilidade e garantimos a qualidade em cada uma das etapas. Contamos com setores específicos responsáveis pela produção dos antígenos, como o serpentário, onde são coletados os venenos de serpentes, e os biotérios de escorpiões e aranhas, também onde esses animais são mantidos e têm seus venenos coletados. Todos os procedimentos seguem normas rigorosas e cuidados para o bem-estar animal, inclusive com aprovação dos comitês de ética", explica.

Após a aprovação de controle de qualidade interna, os soros seguem para o Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde (INCQS) ligado à Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) que responde às exigências da Anvisa e realiza uma nova verificação, refaz os testes e só depois libera ao Ministério da Saúde para que possa ser distribuído para os estados e municípios.

Mudanças climáticas

A produção de soros pelo Instituto Butantan é fundamental para atender às demandas do Ministério da Saúde relacionadas a acidentes com animais peçonhentos. De acordo com dados da pasta, os escorpiões lideram as estatísticas no Brasil, com 99 mil casos registrados apenas em 2025. Em seguida, aparecem os acidentes com aranhas (24,7 mil notificações), serpentes (17 mil) e lagartas (3,8 mil).

De acordo com o ministério, o clima tropical e a rica biodiversidade do país favorecem a presença desses animais, cujas picadas ou mordidas podem provocar sérios problemas de saúde. Em nota a reportagem a pasta explica ainda que "com a elevação das temperaturas, fenômeno associado aos efeitos das mudanças climáticas, é esperado um aumento no número de ocorrências, já que esses animais tendem a se tornar mais ativos em períodos quentes."

Na avaliação da ex-secretária da Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente (SVSA) e epidemiologista, Ethel Maciel, os efeitos das mudanças climáticas tornam fundamental uma atenção maior a esse cenário. Segundo ela, o aumento dos casos de acidentes com animais peçonhentos pode impactar diretamente a demanda por soros no Brasil.

"Com as mudanças climáticas, temos observado o aumento da presença de animais que antes não apareciam em áreas urbanas. No ano passado, por exemplo, houve um aumento no número de escorpiões no Rio de Janeiro. Esses animais estão se aproximando cada vez mais das residências, e esse cenário exige atenção, pois impacta diretamente na demanda por soros".

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Butantan moderniza a cada dia a produção de soros contra animais peçonhentos | Foto: Renato Rodrigues/Comunicação Butantan

A doutora Fan Hui Wen ressalta que, apesar do elevado número de acidentes com escorpiões no país, nem todos os pacientes necessitam de soro. Ela explica que o soro é um medicamento caro e que seu uso deve ser racional, portanto, casos leves com dor local em adultos são tratados apenas com analgésicos.

"Nós temos um número muito grande de acidentes com escorpiões muito mais do que acidentes com cobras, mas nem todos os pacientes precisam de soro. Adultos que têm apenas dor local, por exemplo, podem ser tratados com analgésicos para aliviar a dor. O soro é um medicamento caro, tem toda essa complexidade de produção e tem um custo tanto para nós produtores como para o ministério que adquire, então, seu uso precisa ser racional: só deve ser administrado em quem realmente precisa", explica.

"Em casos de acidentes com escorpião, apenas cerca de 10% dos casos, de um total de 150 mil ao ano, é que realmente vão precisar de soro. Já nos acidentes com serpentes, dados oficiais indicam que são 30 mil casos por ano, e a gente precisa mais de soros antiofídicos do que anti-escorpiônicos. Em termos numéricos, o Butantan produz mais soros antiofídicos (contra veneno de serpentes) do que anti-escorpiônicos", completa.

Desafios de logística

Segundo informações do Instituto Butantan e do Ministério da Saúde, crianças e idosos são os grupos que mais necessitam receber o soro, por estarem mais suscetíveis às complicações decorrentes do veneno, sendo que crianças menores de 12 anos representam a maior parte dos atendimentos. "Além disso, o tempo de atendimento é crucial: quanto mais rápido, menor o risco de complicações e gravidade. Nesse sentido, a gente precisa ter o soro distribuído em todo território nacional para que o tratamento não seja inviabilizado", esclarece Wen.

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Instituto criará soro em pó como alternativa ao soro líquido | Foto: Renato Rodrigues/Comunicação Butantan

A distribuição de soros em áreas mais isoladas ainda representa um desafio logístico e operacional do Ministério da Saúde. Embora o Brasil conte com quatro laboratórios produtores de soros, apenas o Butantan está em operação no momento e atende toda a demanda nacional, distribuindo segundo o instituto mais de 600 mil frascos de soro.

O Butantan também distribui soros para países vizinhos da América Latina, com destaque para os soros antiofídicos, antidiftéricos e antitetânicos. A exportação desses imunobiológicos tem sido importante especialmente diante da queda na cobertura vacinal em alguns países, o que aumenta a necessidade de medidas emergenciais para o controle de doenças.

"Alguns países com os quais a gente faz fronteira, inclusive, precisam desses soros, e a gente sempre agiu na linha de, sempre que possível, auxiliar. Há também a importância da produção — inclusive da ampliação dela —, já que essa produção é bem mais complexa, mas pode posicionar o Brasil como um exportador. É também muito importante investirmos no aumento dessas tecnologias", reforça Ethel Maciel.

Em pó

Com o objetivo de superar os desafios logísticos, especialmente em municípios mais distantes, o Instituto Butantan está construindo uma nova planta de produção que dobrará sua capacidade. Segundo Fan Hui Wen, diretora do Núcleo de Produção de Soros do Instituto, a nova estrutura será uma oportunidade para ampliar tanto a produção quanto a distribuição. A expectativa é que a capacidade salte para mais de 1 milhão de frascos por ano, além de possibilitar a fabricação de soros em pó, ou seja, liofilizados.

"O soro liofilizado é em pó, e não requer a temperatura de geladeira. Estamos trabalhando para isso, não é simples, não é fácil, mas será um avanço e queremos manter a mesma qualidade do soro líquido e isso vai facilitar o transporte e armazenamento. É isso que estamos projetando para o futuro é a primeira vez que teremos um soro liofilizado. Estamos em fase de adquirir os equipamentos e estudando se o processo vai funcionar, estamos desenvolvendo o produto."

Mudança na embalagem

Outra inovação anunciada pelo Butantan, atendendo resolução da Anvisa, foi a mudança nas embalagens dos soros antivenenos com o objetivo de facilitar a identificação dos produtos e reduzir o risco de erros na administração. Agora cada embalagem tem cores diferentes e a ilustração do animal na caixa.

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Novas embalagens coloridas ajudam a identificar melhor os tipos diferentes de soros | Foto: José Felipe Batista/Instituto Butantan

O soro contra picada de escorpião passa a ter embalagem branca com listras laranjas e uma ilustração do artrópode, além de fonte ampliada no nome do produto para facilitar a leitura rápida.

As demais embalagens seguem o mesmo princípio visual: rosa para o soro contra picada de jararaca; azul claro para o soro antiveneno da cobra coral; amarelo para o da cascavel; verde para o soro contra jararaca e surucucu pico-de-jaca; vermelho para o soro antiaracnídico; e azul-marinho para o soro antibotulínico.