Por: Martha Imenes

Entidades se antecipam ao fim de desconto de mensalidade na folha do INSS

Cúpulas são traço marcante do Palácio do Congresso Nacional | Foto: Arquivo/Câmara dos Deputados

Entidades representativas de aposentados e pensionistas que tiveram repasses de recursos suspensos por determinação da Advocacia-Geral da União (AGU), se anteciparam à aprovação de leis ou regras, e buscaram alternativas para não utilizar a intermediação do desconto de mensalidade via Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Entre as opções para quem queira se associar estão pagamentos por Pix, boleto bancário e cartão de crédito. Na página de algumas associações na internet estão disponibilizadas informações de adesão, link ou QR Code para que o próprio beneficiário faça inscrição e pague a mensalidade.

Os filiados da Confederação Brasileira de Aposentados (Cobap), por exemplo, fazem o pagamento da mensalidade no balcão ou por cartão de crédito. O presidente da Cobap, Warley Martins, questiona: "A gente queria saber do governo porque que não voltam os repasses de desconto para as entidades que são sérias?".

Além da Cobap, representantes do Sindicato Nacional de Aposentados, Pensionistas e Idosos (Sindnapi) e da Confederação Nacional dos Agricultores Familiares e Empreendedores Familiares Rurais (Conafer) informam que também aderiram ao pagamento sem intermediação do INSS.

As entidades questionam o quantitativo de pessoas que tiveram descontos não autorizados. Segundo o governo são cerca de 4 milhões. Os representantes, no entanto, alertam que cruzamentos de informações apontam que beneficiários que utilizam os serviços das associações estão– inadvertidamente – pedindo ressarcimento da mensalidade. Advogados alertam que isso configura crime de falsidade ideológica e estelionato. Ambos tem previsão de pena de 1 a 5 anos de detenção.

"Os associados que pedirem indevidamente o ressarcimento podem ser processados pela AGU para restituir os valores recebidos de má-fé", explica o advogado Sérgio Batalha, do escritório Batalha Advogados, do Rio de Janeiro.

O Sindnapi, por exemplo, está recadastrando todos os associados e no momento da inscrição é oferecida a opção de pagamento em boleto. O sindicato tinha 259 mil filiados. 

"Estamos estudando outras formas de pagamento que poderão vir a ser usadas. Ainda não temos um levantamento de quantos associados já estão usando essa modalidade de pagamento, mas é fato que há um volume considerável de pessoas que desejam seguir filiadas ao sindicato pois não querem perder os benefícios oferecidos pela entidade", informa Marco Piva, porta-voz do Sindnapi.

Piva conta que o sindicato identificou casos de associados que se utilizam os serviços e que estão pedindo ressarcimento alegando não reconhecer a filiação. "Nesses casos, o sindicato tem entrado em contato com essas pessoas para esclarecê-las e convidá-las a manter a filiação", acrescenta.

A advocacia predatória também foi identificada pelo sindicato: "Advogados antiéticos têm procurado associados para enganá-los dizendo que eles têm direito ao ressarcimento, buscando assim auferir vantagens financeiras. Aliás, o assédio de advogados aos associados não é novidade e vem ocorrendo há muito tempo, o que exigiria, na nossa opinião, uma intervenção da OAB", pontua Piva.

Macaque in the trees
Braz Ferreira, de São Paulo: "Precisamos dos serviços do sindicato" | Foto: Arquivo pessoal

Braz Ferreira, de 63 anos de idade, morador do bairro República, no Centro de São Paulo, conta que é filiado ao Sindnapi há 15 anos. Entre os serviços que mais usa estão: serviços médicos, de lazer (viagens e bailes), cursos, desconto em farmácia e, eventualmente, o jurídico.

"Eu e muitos outros associados do Sindnapi achamos importante essa nova modalidade de pagamento associativo por intermédio de boletos. Não podemos perder os benefícios proporcionados aos aposentados", diz Braz, que acrescenta: "O Sindnapi sempre foi honesto com o aposentado, eu acredito na lisura da administração".

Questionado sobre o nome em lista de possível fraude, Braz foi categórico: "Reconheci a legalidade do desconto através do aplicativo Meu INSS".

Falta de informação
Já o advogado Peterson Ferreira, do escritório Farag, Ferreira & Vieira Advogadas e Advogados, de Brasília, chama atenção para a falta de clareza sobre a responsabilização de quem receber o valor indevidamente.

"Essa situação (de solicitação indevida) ainda não foi objeto de qualquer veiculação por parte da AGU, CGU, MPS e do INSS sobre orientações acerca da importância de preservar a idoneidade das informações", explica.

"Havendo a comprovação de que a denúncia de desconto associativo seja falsa, o declarante assume responsabilidade civil e criminal, uma vez que terá que devolver os valores recebidos indevidamente", diz.

Questionado sobre a comprovação de filiação, o Ministério da Previdência Social, informou que "cabe às entidades comprovarem a regularidade dos descontos e a filiação legítima dos segurados, conforme artigo 6º da Instrução Normativa nº 186, do INSS. O desconto contestado será notificado pelo Portal de Desconto de Mensalidades Associativas". E acrescenta que "aqueles identificados como filiados legítimos não serão ressarcidos".

Procurados, INSS e AGU não se manifestaram.

 

Confederação vai pedir rescisão de acordo

Agricultora de mostra a terra que recebeu sementes de milho | Foto: Arquivo pessoal

A Confederação Nacional dos Agricultores Familiares e Empreendedores Familiares Rurais (Conafer) vai pedir a rescisão do Acordo de Cooperação Técnica (ACT) em relação a descontos de mensalidades associativas com o INSS. Segundo a confederação, a melhor forma de comprovar que não há qualquer irregularidade e que as filiações são legítimas é não utilizar intermediários, sejam quais forem.

"Os agricultores familiares que quiserem se associar poderão pagar a mensalidade por meio de Pix, cartão ou boleto bancário, eliminando a intermediação. Um QR Code está disponível na nossa página na internet e a pessoa pode escanear o código e se associar", orienta o presidente da confederação, Carlos Roberto Lopes.

Ele critica a atuação da Controladoria-Geral da União (CGU) e da Polícia Federal (PF): "Não questiono a investigação, ao contrário, sempre nos colocamos à disposição para prestar esclarecimentos e comprovar as filiações. O que não acho correto é nivelar entidades que estão estabelecidas há anos, como a própria Conafer, que foi criada em 2011; o Sindicato dos Aposentados, do saudoso (João) Inocentinni; a Contag, que é uma gigante na representatividade da agricultura familiar; a tradicional Cobap, e outras entidades conhecidas, no mesmo contexto de associações recém-criadas, que não têm sede, e não prestam serviço algum aos seus filiados".

De acordo com Lopes, o que existe é a tentativa de criminalizar todas as entidades, e rebate a acusação de que arcaria com despesas de parlamentares. "É leviana essa acusação. A confederação defende os interesses da agricultura familiar e nada mais lógico que procurar congressistas para levar as reivindicações do campo. A criação da frente foi uma resposta do Congresso aos anseios das famílias campesinas, sem beneficiar A, B, C ou D", diz.

Ele enumera alguns dos serviços oferecidos aos seus filiados: acompanhamento de políticas públicas, fomento a produções sustentáveis, e apoio à autonomia do agricultor; assistência jurídica, técnica e administrativa, acesso a serviços do INSS (aposentadorias, pensões, auxílios e outros benefícios previdenciários) por meio do programa INSS Digital; orientações e acompanhamento sobre crédito rural (Pronaf), financiamentos, contratos, parcerias, etc; acesso ao programa de melhoramento genético de bovinos, programas Genética do Sertão e Mais Pecuária Brasil, entre outros.

Macaque in the trees
Jair Kuikuro com o pai, cacique Sagigua Moisés Kuikuro, no Território Indígena do Xingu, em Mato Grosso | Foto: Arquivo pessoal

A filiação à Conafer tem possibilitado a manutenção de plantações e orientação no manejo da terra, conta Jair Kuikuro, do Território Indígena do Xingu, em Gaúcha do Norte, no Mato Grosso. O envio de sementes, segundo Jair, possibilita que o povo Kuikuro plante milho, arroz, mandioca, banana, laranja, melancia, entre outras culturas, para subsistir e comercializar. 

"Vivemos da agricultura familiar e, culturalmente, somos agricultores. Na aldeia temos 400 pessoas e 15 trabalham na plantação", explica o filho do cacique Sagigua Moisés Kuikuro. 

"Estamos com um projeto de criar peixes, na nossa aldeia tem um lago e se conseguirmos colocar tanque para a criação será mais uma fonte de alimentação para nosso povo", conta Jair. 

Moradora da aldeia Jaguapiru, em Dourados (MS), Edite Martins é da etnia Kaiwá e também trabalha na agricultura. Ela mostra a terra semeada com milho verde levado por representantes da confederação. 

"Daqui a pouco vamos ter milho verde para vender e comer. Só tenho a agradecer", comemora.  

Lopes afirma que o trabalho da confederação junto aos povos originários, além de permitir que tenham alimento variado para pôr à mesa, é um resgate histórico. 

"Eles são os verdadeiros donos da terra. O trabalho que realizamos permite que essas populações tenham acesso a grãos, saúde, educação e direitos previdenciários", explica.