Por: Thamiris de Azevedo - BSB

Traços da Capital: graffiti brasiliense cruza fronteiras

Os Retraços de Tainha estão em vários lugares do país, como São Paulo, e agora serão vistos na Colômbia | Foto: Arquivo pessoal

Um muro pode ser uma construção para delimitar espaços, mas com as mãos de Tainha, torna-se memória, escuta e ancestralidade. A artista brasiliense e indígena irá representar o Distrito Federal e o Brasil na 9ª edição do “Fest Siempre Estuvimos Aqui”. O “Festival Sempre Estivemos Aqui” ocorre entre os dias 7 e 10 de agosto, em Pasto, na Colômbia. Na ocasião, 50 mulheres que são referências da cena do hip hop de todo o mundo irão se reunir. Segundo a produção do evento, cinco delas são brasileiras.

A multiartista, Tainá Rossi, conhecida como Tainha, de 27 anos, é uma das convidadas. Em entrevista ao Correio da Manhã, ela conta que irá levar o seu projeto “Retraços” para preencher os muros do evento internacional. Além de Brasília, suas pinturas estão espalhadas pelos muros de Goiás, São Paulo, Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Espírito Santo, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Paraná.

A grafiteira destaca a importância do festival da cultura hip hop voltado para mulheres como um espaço de intercâmbio cultural, onde as artistas podem compartilhar ideias, trocar técnicas e fortalecer suas trajetórias.

“Eu passei nessa seletiva e vão mulheres que são referências no graffiti no mundo inteiro, inclusive para mim. É satisfatório ter essa vivência, porque são nesses festivais de graffiti que compartilhamos da diversidade cultural, que agrega artistas. Compartilhamos diferentes técnicas e materiais. É por isso que é tão importante que a gente ocupe esses lugares, e que eles sejam incentivados a serem ocupados. Por isso, esse festival de mulheres é tão importante. Existem pouquíssimas no Brasil e no mundo”, relata.

Grafia

“Sim, escreve-se graffiti, e não grafite”, explica Tainha. Segundo a artista, graffiti refere-se às técnicas utilizadas nas intervenções artísticas feitas em muros de espaços urbanos.

A confusão entre os termos é comum, mas os significados são distintos. O grafite é o mineral utilizado na fabricação de lápis, enquanto graffiti designa uma forma de expressão artística ligada à cultura de hip hop na rua.

Retraços

Basta uma conversa, tinta e ouvidos atentos para que a arte de Tainha se revele nas paredes das cidades. Desde 2018, a artista brasiliense transforma rostos em histórias, e histórias em rostos. Antes de pintar, ela escuta. Depois, devolve à rua um retrato tecido com empatia, como forma de reconectar narrativas pessoais e coletivas. Esse é intuito do Projeto “Retraços”.

“É sobre contar, celebrar e relembrar histórias. Eu pego esse relato, faço uma digestão, e dessa história eu faço um retrato. Então, não necessariamente se eu conversei com você, o retrato vai se parecer com você. Vai ter essa interpretação em interlocução com a minha vivência e a do outro”, relata.

Toda a análise combinatória que Tainha faz, explica, é para reproduzir um rosto que desperte identificação em várias pessoas.

“Eu escolhi desenhar rosto justamente para lembrar o mundo de que ninguém é esquecível. Toda a análise combinatória que eu faço para gerar um rosto baseado na história de alguém, eu utilizo para muitas outras pessoas se identificarem, com alguma parte ou com o inteiro”, explica.

Ancestralidade

Ela conta que, quando começou, também estava em busca de sua própria identidade. Ao se reconhecer como uma mulher afro-indígena, com raízes africanas e indígenas, passou a pesquisar profundamente sobre ambas as culturas, na tentativa de se reencontrar em sua trajetória.

Foi então que, ao revisitar sua história, que não é apenas sua, começou a narrar também as histórias de outras pessoas, resgatando a força e a memória ancestral de cada uma.

Arte Urbana

O contato da Tainha com o grafitti começou enquanto estava no curso de Arquitetura e Urbanismo na Universidade de Brasília (UnB), ao mesmo tempo em que estudava Artes Visuais na Faculdade de Artes Dulcina de Moraes.

“Enquanto eu estudava ocupação do espaço público na arquitetura, eu estava vendo a intervenção urbana em artes. E aí, com conhecimento, juntou essa vontade. Foi quando conheci pessoas, que me introduziram ao graffiti”, relata.

A partir de suas formações, ela também passou a se dedicar à pesquisa sobre diversidade e ancestralidade humana. Ela avalia a necessidade e importância da arte urbana para a elevação da qualidade de vida das pessoas.

“As cidades deixam de ser cinzas e passam a ter cor. A obra representa algo e pode alcançar a percepção de identidade de quem passa por ali. A gente faz arte urbana porque democratiza o espaço. E, ainda, a arte melhora a qualidade de vida das pessoas.”, declara.

“Além de ser um gesto político”, destaca. “Em oposição às galerias que privam a arte e as colocam em um lugar de privilégio, colocamos a arte na rua como um grito de resistência. Quando a gente coloca a arte em lugares por onde as pessoas passam, elas deixam de sobreviver no automático e passam a viver com contemplação de uma expressão artística à céu aberto”, continua.

A artista foi convidada, como egressa da universidade, a participar do projeto “Graffiti no Campus: Lazer e Direito à Cidade”, promovido pelo Centro de Excelência em Turismo da UnB. A iniciativa resultou na pintura de 12 pontos de ônibus dentro da instituição e contou com a participação de quatro professores, 13 estudantes e 21 artistas urbanos convidados do Distrito Federal e do Entorno.

Em nota da UnB, a professora Anastasiya Golets, destaca que o projeto reforça a recente aprovação da Lei n. 14.996 de 2024, que reconhece o graffiti como manifestação cultural brasileira.

“A arte urbana sempre esteve presente na UnB, mas este projeto, pela sua escala e formato, trouxe um impacto significativo. As cores transformaram o campus, gerando identificação e tornando o ambiente mais leve. Foi um primeiro passo e esperamos que iniciativas futuras possam garantir reconhecimento e remuneração aos artistas envolvidos”, conclui.

GDF

Na Secretaria de Economia Criativa e Cultura do DF (SEEC), em cumprimento ao Decreto nº 39.174 de 2018, existe um Comitê Permanente do Graffiti. A reportagem procurou a Secretaria para saber das políticas vigentes. Em nota, a SEEC confirmou que o Comitê está em funcionamento, sob a coordenação da Subsecretaria de Difusão e Diversidade Cultural (SDDC).

“Embora dois servidores anteriormente envolvidos tenham mudado de subsecretaria, a SDDC continua prestando apoio a diversas iniciativas. Neste semestre, por exemplo, a secretaria apoiou cinco eventos com a doação de sprays, incluindo ações na Casa do Hip Hop, em Ceilândia”, afirma.

Em 2023, a pasta realizou o festival de mulheres do hip hop “061 Citadinhas”, na região administrativa de Samambaia. Na ocasião, Tainha ganhou o primeiro lugar na competição de graffiti do evento. Em 2024, ela também participou do o 5º Encontro de Graffiti do GDF.

Segundo a Secretaria, há eventos previstos no calendário deste ano, mas ressalta que a execução das ações depende do apoio de emendas parlamentares da Câmara Legislativa do DF (CLDF).

CLDF

Na CLDF, também há valorização do hip hop. Promovido pelo deputado distrital Max Maciel (Psol), anualmente ocorre a Semana do hip hop.

“Durante o período, reforçamos várias atividades com escolas parceiras que possuem interesse em incluir as ações no calendário. As ações incluem graffiti, danças de rua, rimas, saraus e outras artes que envolvem o hip hop. Entendemos que o hip hop é mais do que uma expressão cultural, é uma ferramenta poderosa de resistência e transformação social”, declara o parlamentar.

Em primeira mão ao Correio da Manhã, Maciel anuncia que, neste ano, a 3ª edição do evento deve ocorrer entre os dias 12 e 19 de novembro.

Hip hop

O “Fest Siempre Estuvimos Aqu”, acontece desde 2017, e já passou por diversos lugares da Colômbia. Em nota, a produção colombiana explica que o principal objetivo é “Conhecer, reconhecer e reunir mulheres que trabalham dentro da cultura hip hop”. Entre as convidadas, nesta edição, 10% são brasileiras.

O hip hop ganhou força no início dos anos 1970, em Nova York, como resposta à segregação racial e à pobreza urbana. Afro-americanos e latinos transformaram a arte em resistência, e o graffiti emergiu como expressão visual desse movimento.

A cultura chegou ao Brasil na década de 1980, inicialmente em São Paulo, por meio de filmes, videoclipes e discos que popularizaram o break e o graffiti. Em Brasília, as rodas de MCs e o breakdance abriram caminho, e os muros da cidade logo se tornaram palco para mensagens sociais e indenitárias.

Para arcar com os custos da exposição, Tainha está vendendo rifas no valor de R$ 35. A pessoa que ganhar o 1º lugar do sorteio, que acontecerá em 19 de agosto, irá receber uma pintura em mural de até 2m² metros feito pela artista, mais um print. Já para o 2º lugar, serão duas obras originais e únicas, também com a opção de substituir por um combo da loja.