A Operação Sem Desconto, que identificou descontos de mensalidades associativas não autorizadas em benefícios do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) trouxe, na esteira da ação, o colapso financeiro de entidades estabelecidas há anos e que prestavam serviços aos aposentados, e não só as de fachada.
Um dos casos é o da Confederação Brasileira de Aposentados, Pensionistas e Idosos (Cobap), com 40 anos de existência, 365 associações e 30 federações afiliadas, a entidade não entrou na investigação, mas sofre as consequências do bloqueio.
"A Cobap sobrevive com a mensalidade paga por aposentados e pensionistas. Estamos presentes em 365 municípios e damos atendimento por meio das associações filiadas, muitas estão fechando as portas", lamenta Warley Martins Gonçalles, presidente da Cobap, que acrescenta: "Dispensamos 7 mil funcionários porque nossos recursos vinham por desconto em folha e estão bloqueados".
O presidente da Cobap explica que o principal serviço oferecido pelas associações é o atendimento médico. "Os nossos médicos são dentro da associação, não é nada por telemedicina, atendemos presencialmente", diz.
De acordo com ele, além das associações e federações, a própria Cobap fechou as portas das unidades em São Paulo e em Brasília, e dispensou 40 funcionários.
"Nenhuma de nossas associações e federações filiadas estão envolvidas com descontos indevidos no pagamento dos aposentados e pensionistas. Fomos chamados pelo INSS e estamos apresentando as fichas cadastrais como pediram, mas mesmo assim fomos prejudicados por causa da ação de entidades de fachada", reclama Warley.
"As associações estão fechando as portas porque não têm como sobreviver e o governo federal não decide o que vai fazer. O que que vai fazer com as associações que não têm culpa, que não estão envolvidas? E não é só a Cobap, tem outras entidades. Colocaram todos no mesmo contexto. E agora?", questiona.
O Correio da Manhã tentou contato com a AGU e o INSS para saber se os repasses serão desbloqueados no caso de empresas não investigadas pela Polícia Federal, mas não obteve retorno.
Já o Supremo Tribunal Federal (STF) informou que descontos e pagamentos em duplicidade devem ser respondidos pelo INSS, que também não respondeu essa demanda até o fechamento desta edição.
Presidente da Cobap reclama de prazo de 15 dias e pede reunião com o INSS
O presidente da Cobap, Warley Martins Gonçalles, chama atenção para casos de pessoas que se filiaram às associações e estão pedindo ressarcimento de desconto. "Não está correto pedir (ressarcimento de mensalidade) se usa os serviços da entidade", avalia. “Existem aposentados que estão pedindo o dinheiro de volta, mas nós estamos provando foi feita a filiação", acrescenta.
Warley também questiona o prazo curto para entrega das fichas cadastrais ao INSS e explica como é feito o recolhimento das informações: "O associado faz o cadastro nas associações, elas mandam para a federação, que manda para a Cobap, que envia para o INSS. O presidente do INSS deu 15 dias pra gente mandar as fichas e esse prazo é muito curto. Somente a Cobap tem hoje 190 mil associados, temos 40 anos de fundação, essas pessoas precisam dos serviços oferecidos".
O presidente da Cobap cobra uma reunião entre a autarquia previdenciária e representantes de entidades estabelecidas. "Temos tentado falar com o presidente do INSS (Gilberto Waller), mas ele não nos atende", reclama.
De acordo com informações da CNN, o presidente do INSS decidiu não receber representantes de empresas investigadas pela Polícia Federal (PF) e pela Controladoria-Geral da União (CGU). Em maio, Waller teria afirmado a interlocutores que o INSS não é lugar para pessoas inidôneas, empresas fantasmas ou pagadores de propina. A Cobap, no entanto, não figura entre as 12 empresas listadas pela AGU.
"A investigação colocou no mesmo nível associações idôneas, que têm trabalho sério, e as que foram criadas com a finalidade de enriquecer ilicitamente", pontua Warley.
Fontes do INSS informaram ao Correio da Manhã que o presidente tem analisado os processos e trâmites internos da autarquia. "Até mesmo ações que estavam em andamento e dando certo estão sendo reavaliadas, isso atrasa todo nosso trabalho", diz uma das fontes, que reclama do clima de correição instalado na autarquia. “Vivemos com medo”, diz.
Número de entidades subiu de 41, em abril, para 48 em julho
Atualmente, 48 entidades têm Acordo de Cooperação Técnica (ACT) com o INSS – no site oficial é possível ver a relação completa (https://www.gov.br/inss/pt-br/acesso-a-informacao/acordos-de-cooperacao-tecnica-acts-de-mensalidades-associativas/copias) –, e somente 12 estão citadas na ação cautelar movida pela Advocacia-Geral da União (AGU).
Na época da operação da PF, em 23 de abril, foram listadas 41 entidades com ACT. No entanto, ao consultar os acordos vigentes, o Correio da Manhã constatou que esse número subiu para 48. Ou seja, se levados em conta os acordos em julho, 36 entidades estão fora da relação e, mesmo assim, estão com repasses de mensalidades ou contas bancárias bloqueadas. Caso seja contabilizado o número de entidades em abril, 29 se enquadram nesse caso.
“Em todas as associações atendemos uma base de 8 a 10 mil pessoas por dia. Oferecemos médico, dentista, fisioterapia, psicologia e outros serviços para aposentados e pensionistas. Em Guarulhos, na Grande São Paulo, uma das associações filiadas à Cobap tem praticamente um hospital que atende todo mundo. Somente ali são atendidas mil pessoas por dia. Com o fim do repasse essa unidade também vai fechar", adverte Warley, e finaliza: "Quero ver quem vai atender depois, o SUS vai dar conta? Nós somos iguais aos postos de saúde, atendemos presencialmente nas cidades".
Em maio, o advogado-geral da União, Jorge Messias, refez a relação de entidades com "fortes indícios de terem sido criadas com o único propósito de praticar a fraude (entidade de fachada), com sua constituição utilizando 'laranjas' (art. 5º, III, da LAC)", após levantamento realizado pelo INSS. A Cobap não está entre elas.
Constam na ação cautelar: AAPB, Aapen, AAPPS Universo, Ambec, Apdap Prev, Asbrapi, Asabasp, Ap Brasil, CAAP, CBPA, Cebap e Unaspub. Essas entidades e seus representantes, no entanto, desapareceram do noticiário. Desse total, seis são ligadas a Antônio Carlos Camilo Antunes, conhecido como Careca do INSS. São elas: Ambec, Ap Brasil, Asabasp, CBPA, Cebap e Unaspub.
Crédito consignado
Nesta terça-feira, denúncia do portal Metrópoles aponta que o Careca do INSS, figura central das denúncias da Operação sem Desconto, diversificou seus negócios: saiu de descontos de mensalidades associativas e migrou para empréstimo consignado destinado a aposentados e pensionistas do INSS.
O novo negócio, chamado de Amigo Center S/A, vai funcionar em Brasília no mesmo local onde operavam as empresas de call center Truetrust e Callvox, usadas para fraudar mensalidades associativas. PF aponta conexões entre entidades envolvidas na farra dos descontos e empresas que operam consignados.
INSS descontará 30% em caso duplicidade
O acordo homologado no Supremo Tribunal Federal (STF) prevê que o INSS aplique descontos de até 30% na renda de aposentados e pensionistas que receberem duas vezes a devolução das mensalidades de associações e sindicatos. O percentual está previsto no plano homologado pelo ministro Dias Toffoli e será aplicado caso o beneficiário não devolva voluntariamente o montante pago em duplicidade.
Caso seja identificado que um segurado recebeu tanto pela via administrativa quanto por decisão judicial, o INSS deverá notificá-lo para que devolva os valores espontaneamente no prazo de 30 dias. Se isso não ocorrer, o instituto poderá aplicar o desconto diretamente no benefício, respeitando o limite de 30% do valor mensal — teto que já é utilizado em outras situações, como na devolução de valores pagos indevidamente.
Em junho, uma entidade denunciou que os nomes estavam repetidos na relação de ressarcimentos enviada pela Dataprev, que informou que o problema ocorreu por incompatibilidade sistêmica entre INSS e Dataprev e que não havia risco de pagamento em duplicidade.