O Brasil bateu recorde histórico com mais de 30 mil transplantes de órgãos realizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS), segundo dados divulgados pelo Ministério da Saúde nesta quarta-feira (4), em Brasília. Houve um crescimento de 18% em relação a 2022, superando o cenário pré-pandemia. De acordo com a pasta, em 2024 os órgãos mais transplantados foram: rim (6.320), córnea (17.107), fígado (2.454) e médula óssea (3.743). No ano passado, o Brasil contava com 4 mil doadores efetivos e as maiores demandas de órgãos foram: rim (42.838), córnea (32.349) e fígado (2.387). Atualmente, 78 mil pessoas aguardam pela doação de órgãos.
O ministro da Saúde, Alexandre Padilha, destacou que o sucesso do Sistema Nacional de Transplantes é fruto do constante aprimoramento e da continuidade das políticas de saúde. “Acho que precisamos, de fato, celebrar esse recorde que estamos alcançando: mais de 30 mil transplantes. É a reafirmação do Brasil como o país que mais realiza transplantes por meio do sistema público de saúde no mundo. O país tem sido premiado todos os anos — com exceção do período da pandemia — como líder mundial em transplantes pelo SUS.”
Foi divulgado o balanço sobre o transporte aéreo de órgãos em 2024 e o ministério ressaltou a colaboração com companhias aéreas comerciais. De acordo com os dados, foram realizados mais de 4.767 voos comerciais e 234 operações pela Força Aérea Brasileira (FAB) para viabilizar o transporte de órgãos.
O presidente do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems), Hisham Mohamad Hamida, declarou que o recorde histórico de transplantes é motivo de orgulho. “Eu quero chamar a atenção para que a gente possa falar da importância que têm a doação e quantas vidas podem ser salvas. A doação de órgãos salva muitas vidas, eu parabenizo e tenho orgulho do nosso sistema de transplantes. É importante falar com os familiares para que isso possa ser efetivado e vidas possam ser salvas.”
Principais avanços
A pasta também anunciou uma série de medidas que buscam modernizar o Sistema Nacional de Transplantes (SNT). O Sistema Único de Saúde vai ofertar de forma inédita o transplante de intestino delgado e multivisceral. Apesar de ser considerado um procedimento de altíssima complexidade, a pasta frisou que o transplante trará maior qualidade de vida para pacientes que vivem com falência intestinal irreversível, que ocorre quando o intestino não consegue mais digerir ou absorver os nutrientes essenciais para o corpo.
Atualmente, cinco hospitais realizam transplante de intestino delgado e multivisceral: um no Rio de Janeiro (RJ) e quatro em São Paulo, entretanto até a assinatura da portaria esse tipo de transplante não era disponibilizado na rede pública. A expectativa agora é que haja uma ampliação do procedimento.
Queimaduras
O Ministério divulgou que o uso da membrana amniótica para tratar queimaduras passará a ser ofertado pelo SUS. A membrana amniótica é uma fina camada que envolve o feto durante a gestação. Ela compõe a parte mais interna da placenta e contribui para a produção do líquido amniótico. Segundo o Ministério, a membrana tem potencial para estimular a regeneração dos tecidos e acelerar a cicatrização, além de reduzir a ocorrência de infecções e dores.
O uso da tecnologia foi aprovado por unanimidade no dia 9 de maio deste ano pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec) como curativo biológico para o tratamento de queimaduras. A demanda já era antiga dentro da comunidade médica e é adotada em diversos países da Europa. O ministro Alexandre Padilha afirmou que em breve a pasta deverá publicar uma portaria.
“A próxima avaliação da Conitec será o uso de membrana amniótica para tratar afecções oculares e sua aprovação poderá sair até a publicação do novo regulamento. Foi uma demanda da própria área técnica do Ministério da Saúde e representará um avanço significativo”, avaliou Patrícia Freire.
Rejeição
Atualmente, o SUS realiza a Prova Cruzada Real, um exame que mistura os antígenos do doador com o soro do possível receptor. Caso o receptor possua anticorpos contra os antígenos do doador, ocorre uma reação, indicando maior risco de rejeição do órgão. A novidade é a Prova Cruzada Virtual, que será incorporada ao SUS após a publicação do novo Regulamento Técnico do Sistema Nacional de Transplantes (STN), prevista para setembro, após consulta pública.
A Prova Cruzada Virtual utiliza dados imunológicos previamente cadastrados em um sistema, obtidos a partir de amostras de soro dos receptores armazenados em sorotecas distribuídas por todo o país. Quando a prova virtual é positiva, há maior probabilidade de que a prova cruzada real também seja. Com isso, apenas os candidatos com resultado negativo na prova virtual serão convocados para realizar a prova cruzada real.
Essa nova tecnologia anunciada pela pasta da saúde promete agilizar a distribuição de órgãos como rim, pâncreas, coração e pulmão, além de reduzir o tempo entre a doação e a cirurgia, minimizar o risco de rejeição e diminuir a ocorrência de isquemia nos órgãos.
Qualidade
Para aprimorar e aumentar o número de transplantes, o ministério divulgou o Programa Nacional de Qualidade em Doação para Transplantes (ProDOT) que terá o objetivo de capacitar e monitorar as equipes de doação para que acolham os familiares de potenciais doadores, o que poderá ter impacto positivo nas entrevistas familiares. Para isso haverá uma parceria com a Associação de Medicina Intensiva Brasileira (Amib) para formação dos profissionais.
No ano passado, 45% das solicitações de doação de órgãos foram rejeitadas por parentes dos doadores,. O número é considerado alto, e é reconhecido como um desafio. A meta do ministério é reduzir pelo menos 15% das negativas. A coordenadora-geral do Sistema Nacional de Transplantes, Patrícia Freire, explicou que é fundamental capacitar os profissionais que fazem a abordagem das famílias nos hospitais. Segundo ela, quando a conversa é feita de maneira respeitosa e preparada, a família tende a ser solidária e aceitar a doação.
“A recusa familiar tem ficado em um patamar entre 42% e 45% durante os anos, mas tivemos anos em que chegamos a 37%, ou seja, aumentamos a autorização familiar. É possível fazer isso, e estamos empenhando todos os esforços. Um deles é capacitar os profissionais das comissões intra hospitalares de transplantes. Uma das estratégias para diminuir a recusa familiar é justamente capacitar esses profissionais. A família brasileira é solidária, e se ela for adequadamente entrevistada, ela doará. Nós precisamos investir nos nossos profissionais, e é isso que vamos fazer com o programa que estamos anunciando hoje, o ProDOT.”
Líquidos de preservação
O Ministério da Saúde também anunciou o reajuste no valor repassado para a aquisição dos líquidos de preservação de órgãos, utilizados durante o transporte entre a captação e o transplante. Esses líquidos são fundamentais para manter a viabilidade dos órgãos até o momento da cirurgia. O aumento nos valores corrige uma defasagem histórica e garante melhores condições para a realização dos procedimentos, fortalecendo a qualidade e a segurança do sistema de transplantes no país.
Luciana Haddad, presidente da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO) afirmou que o reajuste no valor dos líquidos de preservação de órgãos é um fator crucial para o aumento dos transplantes de órgãos no país.
“Esse reajuste do líquido de preservação é uma necessidade real para o transplante de todos os órgãos. Também é um gargalo, pois sabemos que essa defasagem de valores muitas vezes impede a realização de alguns procedimentos. Quando pensamos em transplante, sabemos que não existem soluções únicas. Por sorte, temos um programa público extremamente robusto e sólido, que é o nosso orgulho”, afirmou.