Por: Mateus Lincoln

Ataque frustrado a escola reacende alerta a pais no DF

Evitar que as salas de aula se tornam um espaço arriscado é a grande preocupação de autoridades e educadores | Foto: Tânia Rego/Agência Brasil

Por Mateus Lincoln

Na última quarta-feira (28), a Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF) divulgou que havia desarticulado um possível ataque a uma escola do Guará, região administrativa do Distrito Federal. A ação aconteceu no dia 23, quando os agentes identificaram um adolescente de 15 anos como o autor de uma carta de tom ameaçador e assegurando a intenção de cometer o crime. Após vistoriarem a casa do estudante e encontrarem conteúdo extremista, as devidas providências foram tomadas conforme indica o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)

Em casos do tipo, envolvendo comportamentos radicais e conteúdos odiosos, quem atua formalmente na investigação é a Divisão de Prevenção e Combate ao Extremismo Violento (DPCEV). No entanto, no campo humano da situação, dentro de casa, não há um manual ou uma equipe especializada em lidar com situações assim. Cada caso é um caso e cabe aos pais, familiares e demais responsáveis lidarem com a situação. Porém, como fazer isso?

Monitoramento

A psicóloga Núbia Neres, especialista em Neuropsicopedagogia e também em Psicopedagogia, orienta os familiares a monitorarem o que os jovens acessam, pois estes não possuem ainda uma noção formada sobre causa e consequência. Porém, para ela, mais importante que isso é também criar um espaço seguro para o diálogo.

"Adolescentes e crianças, muitas vezes, sentem a dor em silêncio e não expressam aos responsáveis o que sentem. Então, faz-se necessário que o adulto crie com eles o hábito da escuta e da empatia porque é nesse momento em que os pequenos irão dizer o que sentem, o que desejam, o que esperam. Diálogo é o que está faltando no seio familiar", explicou Neres.

Além disso, a psicóloga também orientou que, para conversar com os adolescentes sobre movimentos intolerantes e conteúdos preconceituosos que possam existir na internet, é importante conhecer sobre o que se trata, qual é a ideologia dos grupos e compreender como eles se comportam.

"Tendo noção dos fundamentos que motivam os diversos fanatismos que se propagam na internet, o adulto aconselha não somente o que evitar, mas também saber quais são as afinidades que estes movimentos têm com sentimentos que os jovens possam também ter", argumentou.

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Pais devem monitorar acesso online e dialogar para evitar radicalização entre jovens | Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

Insegurança, perda e raiva

Para ela, a identificação do adolescente com esses discursos é, muitas vezes, um reflexo de algo que ele próprio deseja expressar emocionalmente. A aproximação a grupos com discursos de ódio está frequentemente relacionada a sentimentos não elaborados, como insegurança, perda e raiva. "Essas pessoas, esse movimento, essa ideologia, está ligada aos sentimentos severos decorrentes de experiências persistentes", comentou.

Núbia destaca que o apelo desses grupos está justamente em oferecer uma narrativa onde esses sentimentos podem ser externalizados de forma intensa — e, por vezes, destrutiva. "Isso traz, de forma recorrente, violência, hostilidade, massacre, grandes vulnerabilidades", afirma.

Diante disso, ela reforça a importância de buscar ajuda profissional. "É aí que tem que recorrer a profissionais, à saúde mental, porque já envolve a área psíquica", orienta. O acompanhamento psicológico, segundo a especialista, é essencial para que o jovem desenvolva formas saudáveis de lidar com suas emoções e construir uma identidade fora desses discursos de ódio.

Iniciativas estatais

A Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal (SSP-DF) afirmou à reportagem que segue comprometida em garantir um ambiente escolar seguro para crianças e adolescentes. Para isso, criou o eixo "Escola Mais Segura", dentro do programa Segurança Integral, voltado à prevenção de conflitos e à promoção de um espaço saudável para o desenvolvimento dos estudantes.

Entre as ações, a SSP-DF destacou, em nota, a atuação do Programa Educacional de Resistência às Drogas (PROERD), desenvolvido pela Polícia Militar. Segundo a secretaria, o projeto é realizado diretamente nas escolas, com foco na prevenção ao uso de entorpecentes, violência e também no combate ao bullying e ao cyberbullying (bullying praticado no ambiente virtual). A proposta envolve alunos, familiares e a comunidade escolar de forma integrada.

A Polícia Civil também tem atuado nas unidades de ensino por meio de encontros e capacitações. Ao Correio, a secretaria informou que esses encontros têm o objetivo de preparar servidores para identificar e enfrentar comportamentos violentos, além de orientar os estudantes sobre como reagir diante de situações de risco. Cartilhas e materiais de apoio estão disponíveis nos canais oficiais das forças de segurança.

O Batalhão de Policiamento Escolar (BPEsc), da Polícia Militar, realiza patrulhamento preventivo nas escolas públicas e privadas do DF. Segundo a SSP-DF, o trabalho inclui blitzes escolares, operações de varredura, visitas técnicas, ações educativas e bloqueios, sempre baseados em dados e análises criminais. À equipe do Correio da Manhã, a Secretaria destacou que o BPEsc também mantém visitas regulares às unidades, com o objetivo de orientar pais, alunos e professores sobre segurança e prevenção.

Ações da Educação

A Secretaria de Educação do Distrito Federal (SEEDF) informou que acompanha, em conjunto com a SSP, todas as situações que envolvem riscos no ambiente escolar. Em nota, a pasta relatou que também acompanhou a ocorrência com o estudante do Guará. A ação teve participação da Coordenação Regional de Ensino e da Assessoria Especial de Cultura de Paz (AECP). Segundo a secretaria, a sensibilidade da equipe gestora da escola foi fundamental para identificar o aluno e acionar rapidamente as autoridades competentes.

À reportagem, a Secretaria de Educação afirmou que a Polícia Civil está conduzindo os procedimentos necessários. Ainda de acordo com o órgão, a unidade escolar permanece à disposição para colaborar dentro de suas atribuições. Por envolver menor de idade, o caso segue em sigilo, conforme determina a legislação.

O monitoramento e o acompanhamento de possíveis situações de violência são realizados de forma integrada, com o envolvimento de áreas técnicas específicas da Secretaria de Educação. Em nota, a pasta destacou que a Assessoria Especial de Cultura de Paz é responsável por coordenar ações de prevenção e promoção de um ambiente mais seguro e acolhedor. Também participam desse trabalho a Diretoria de Atendimento e Apoio à Saúde do Estudante (DIASE), a Gerência de Orientação Educacional (GOE) e a Assessoria de Qualidade de Vida e Bem-Estar no Trabalho (ASQVT).

"A escola deve ser um espaço de respeito, convivência saudável e acolhimento", afirmou ao Correio da Manhã a secretária de Educação, Hélvia Paranaguá. Segundo ela, o fortalecimento da cultura de paz nas escolas tem sido uma prioridade da pasta. À equipe do jornal, Hélvia explicou que a maioria das escolas da rede pública tem investido em ações de enfrentamento ao bullying, com foco em campanhas educativas e na orientação de pais e responsáveis.

A secretária também chamou atenção para o papel das famílias. "As famílias precisam se envolver nesse processo. Os pais também precisam contribuir para a construção de um ambiente escolar seguro, acompanhando os conteúdos que os filhos acessam na internet, o uso que fazem do celular", disse à reportagem. Para Hélvia, o envolvimento familiar é essencial para reforçar valores como empatia, respeito e diálogo dentro e fora da escola.

O caso

A investigação iniciou-se após a PCDF tomar conhecimento de que funcionários do Centro de Ensino Médio 04 do Guará (CED 04) haviam encontrado uma carta de conteúdo suspeito e tom ameaçador. O texto foi localizado no dia 22 e relatava a intenção de cometer um ataque contra estudantes. O autor também dizia estar em busca de uma arma de fogo.

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Autor da ameaça tinha armas caseiras e cartas com símbolos de ataques anteriores | Foto: Divulgação/PCDF

A investigação foi conduzida pela DPCEV. Após o início das apurações, a corporação conseguiu localizar o jovem no dia seguinte. Com a autorização do pai, os policiais civis realizaram buscas na casa do adolescente.

Durante a vistoria, foram encontrados diversos objetos considerados perigosos, como uma machadinha, uma faca e um simulacro de arma de fogo. Também havia várias cartas com ícones semelhantes aos usados em ataques escolares anteriores. A Polícia Civil informou que o jovem confessou ser o autor dos materiais apreendidos.

O adolescente foi levado à Delegacia da Criança e do Adolescente II (DCA II), onde foi ouvido. Os procedimentos foram realizados conforme o ECA. Por envolver menor de idade, a identidade do estudante e outras informações do caso foram mantidas sob sigilo.