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'Bebê reborn':as faces que permeiam o simbólico, imaginário e real

Deputado Rodrigo Amorim apresenta projeto de lei para oferecer apoio psicológico para casos que necessitarem de tratamento | Foto: Thiago Lontra/Alerj

*Por Lanna Silveira

Inicialmente criados como bonecos hiper-realistas para uso infantil, os chamados "bebês reborn" estão sendo cada vez mais consumidos por adultos por motivos que passam pela mania de colecionador e, em casos extremos, o simular uma relação humana. Com a popularização dos conteúdos de rotina dos donos dos "bebês" nas redes sociais, a discussão sobre os bonecos alcançou debates contundentes e invadiram até a esfera pública, chegando a criação de projetos de lei sobre a questão.

Parlamentares de diferentes estados do Brasil, como Cristiano Caporezzo (PL), de Minas Gerais, e Pastor Daniel de Castro (PP), do Distrito Federal, elaboraram Projetos de Lei que visam proibir o atendimento de "bebês reborn" em unidades de saúde públicas, prevendo multas aos funcionários que, eventualmente, permitirem que eles passem pela triagem. A medida foi tomada depois que foi registrado episódios de mulheres que brigaram por atendimento em postos de saúde e hospitais, ao levarem os bonecos para serem atendidos.

No estado do Rio de Janeiro, um projeto de oferta de um programa de saúde mental voltado para quem se considera mãe ou pai de bebês reborn foi apresentado na Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) pelo deputado Rodrigo Amorim (União). O objetivo do PL é oferecer apoio psicológico e impedir que as pessoas criem uma dependência afetiva com os bonecos, fugindo da realidade. Caso seja aprovado, o programa deverá ser implementado por meio de parcerias com ONGs, instituições de ensino e demais setores da sociedade civil.

Rodrigo Amorim declarou que, a princípio, acreditava que os conteúdos gerados acerca dos bonecos eram apenas uma "moda da internet", até perceber que a situação tomou rumos mais sérios com a repercussão de vídeos como o da busca por auxílio hospitalar. "A vida humana não pode ser simulada. Não podemos pensar em um boneco sendo visto da mesma forma que um filho", pondera Rodrigo.

'Sintoma de regresso no amadurecimento psíquico', observa psicólogo

Para o psicólogo João Dantas, a transposição da relação humana em um objeto é um sintoma de uma paralisação ou regresso no processo de amadurecimento psíquico do ser humano, em uma situação na qual o indivíduo prefere viver a simulação de uma experiência paternal a lidar com as consequências emocionais e materiais que surgem durante a criação de um bebê real.

- A maternidade só se realiza no cuidado maternal de uma criança frágil. Quando adultos escolhem um objeto inanimado, em vez do contato com um ser vivo, escolhem a negação da responsabilidade e do sacrifício reais, a fim de se fecharem em um mundo em que as consequências vão até onde a imaginação delimita. É uma paralisação ou regresso a uma mentalidade infantil - analisa o profissional.

João também constata que esse tipo de afeição, em muitos casos, é sintoma de alguma questão psicológica mais profunda, e pode causar uma desconexão do indivíduo com a realidade a longo prazo, além de impedir que ele desenvolva a capacidade necessária para cuidar de uma criança real.

Glauce Zacarone fala em recurso emocional para lidar com perdas

Já a psicóloga Glauce Zacarone diz que o uso dos bebês reborn pode ser entendido como a busca por um "objeto transicional" - recurso emocional que ajuda a lidar com perdas, ausências ou necessidades afetivas. "Podemos trabalhar com a ideia de que, ao cuidar de um bebê reborn, a pessoa pode estar expressando um desejo legítimo de contato, vínculo e maternagem, mesmo que simbolicamente. Isso pode representar uma forma de elaboração psíquica de experiências emocionais complexas, como o luto, a infertilidade, ou a necessidade de segurança emocional."

Para a profissional, o apego ao bebê reborn, por si só, não significa que o indivíduo em questão possua alguma patologia, notando que em alguns casos essa relação pode ser um recurso saudável para lidar com experiências negativas. O risco existe quando esse vínculo compromete as relações dos donos dos bonecos com a realidade, substituindo relações humanas. "Se o bebê reborn for usado como defesa rígida contra o sofrimento, pode limitar o desenvolvimento emocional ou a elaboração de conflitos internos, servindo como objeto de fuga da realidade". Glauce afirma ainda que, em casos nos quais o dono do boneco esteja com dificuldades de diferenciar a realidade da fantasia, um acompanhamento psicológico pode ser benéfico para compreender qual é o papel do bebê reborn na vida psíquica do indivíduo.

Comportamento gera reação perante à sociedade

A discussão sobre os bebês reborn entre o público geral é carregada por um estranhamento da sociedade sobre o tratamento humano oferecido por alguns donos a seus bonecos. Para João, esta é uma reação natural, já que esse tipo de comportamento é incompatível com o que é considerado "normal" pelo senso comum. O psicólogo aponta que o rumo ideal para o debate da questão é fugir da normalização do apego excessivo aos bonecos, reconhecendo-o como um sinal de disfuncionalidade psíquica.

- Não há caridade em alimentar confabulações que não auxiliam na formação do caráter do próximo (...), estaríamos sendo cúmplices de seu sofrimento ou de suas fantasias. Quando algumas pessoas sentem um chamado a uma maior responsabilidade e acreditam que o realizarão ao cuidarem de uma boneca de plástico como se fosse um filho, só seremos realmente responsáveis se assinalarmos a disfuncionalidade e irrealidade deste comportamento - afirma.

Glauce, por sua vez, pondera que o tom utilizado para expor o assunto pela cobertura midiática e pelas conversas informais precisa adquirir uma sensibilização maior, devido a complexidade do tema. A profissional ressalta que é difícil encontrar discussões sérias e informadas sobre os donos de bebês reborn, o que pode prejudicar quem utiliza os bonecos como um recurso legítimo e consciente de cuidado emocional.

- É, no mínimo, ingênuo, acreditarmos que poderíamos avaliar essas pessoas pelo que vemos postado em suas redes sociais, sem um conhecimento profundo da sua realidade. Frequentemente, a mídia aborda o tema de forma sensacionalista, reforçando estigmas e patologizando comportamentos sem a devida escuta clínica. Essa abordagem contribui para o preconceito e impede uma compreensão mais profunda dos aspectos emocionais envolvidos. No lugar de ridicularizar ou reduzir essas experiências à anormalidade, pode ser que possamos aprender mais sobre a complexidade do ser humano, sua criatividade, seus modos de sobrevivência psíquica e sua incessante busca por conexão afetiva. Ao fim, o que está em jogo não é o boneco em si, mas o que ele representa para quem o embala - conclui.

Produção no interior do Estado do Rio

A região Sul Fluminense, no interior do Estado do Rio, possui produtores dos bonecos realistas. Uma delas é Barbara Maximiano, natural de Volta Redonda-RJ, dona da "Maxi Dolls Maternidade Reborn". A comerciante iniciou na arte reborn em 2019, motivada pelo apreço que nutre desde a infância por colecionar bonecas. Bárbara conta que, inicialmente, a confecção das bonecas era feita para aumentar sua coleção pessoal, sem a pretensão de vendê-las.

Além dos clientes de Volta Redonda e cidades próximas, a loja de Bárbara recebe encomendas de todos os estados do Brasil e de localidades internacionais. A clientela, segundo a vendedora, passa por todas as faixas etárias, e cada uma delas busca o brinquedo por uma necessidade diferente.

- Para as crianças, a questão é o realismo das bonecas: quanto mais realista, melhor fica a brincadeira. Para as adultas, tem a questão emocional. Algumas pessoas, por exemplo, presenteiam pessoas idosas que têm Alzheimer e sentem falta de um filho quando neném sem entender, por conta da doença, que aquele neném já não está mais ali. Tenho clientes que compram os bebês por mania de colecionador e e alguns deles têm a questão da "síndrome do ninho vazio", comprando essas bonecas para preencher uma sensação de falta dentro de casa. Também tenho muitas clientes que não são crianças e acabam adotando essa condição de ter um bebê reborn para suprir uma questão emocional, como luto.

*Estagiária, sob supervisão de Sônia Paes