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Papado de Leão XIV começa com missa para milhares de fiéis

O papa Leão XIV preside a missa inaugural, na Praça de São Pedro, saudando mais de 300.000 fiéis | Foto: Julia Mineeva/Thenews2/Folhapress

Por André Fontenelle e Michele Oliveira (Folhapress)

Dez dias após ser eleito, Leão XIV celebra neste domingo (18), na praça São Pedro, a missa que marca oficialmente o início de seu papado. Cerca de 250 mil fiéis são esperados para a cerimônia, além das delegações de 144 países e de diversas organizações internacionais. A dimensão se assemelha ao funeral de Francisco, o antecessor que deixa ao novo pontífice uma série de desafios na condução da Igreja.

Os representantes dos dois países cujas nacionalidades o papa detém — Estados Unidos e Peru — terão posição de destaque na cerimônia. Os peruanos estarão representados pela presidente, Dina Boluarte, e a Casa Branca enviou seu vice, J. D. Vance, e o secretário de Estado, Marco Rubio.A imprensa italiana especulou uma reunião bilateral entre Leão XIV e Vance, o que não foi confirmado até a noite deste sábado (17). A chegada da comitiva dos EUA parou o trânsito nas ruas do centro de Roma. Um forte esquema de segurança acompanhou o comboio de 15 veículos.

Outra presença destacada é a do presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, que já estivera no funeral de Francisco. Naquela ocasião, encontrou-se com o presidente dos EUA, Donald Trump. Pelo Brasil, o representante desta vez será o vice-presidente, Geraldo Alckmin.

Um dos momentos mais aguardados da missa deste domingo é a homilia. O discurso de Leão XIV pode ser um sinal de como vai lidar com a herança de Francisco. Alguns dos temas que o pontífice terá de enfrentar estão listados a seguir.

Número de fiéis

Há 1,4 bilhão de católicos no mundo, mas a dinâmica de crescimento é desigual. Enquanto o número avança bastante na África, com alta de 3,3% de 2022 para 2023, na Europa a situação é preocupante, com crescimento de apenas 0,2% no período. Na Alemanha, o país europeu mais populoso, o quadro é dramático: 320 mil deixaram a Igreja em 2024, segundo a conferência de bispos.

Padres e religiosas

A quantidade de sacerdotes, seminaristas e religiosas exige atenção. O ano de 2023 fechou com 734 padres a menos em todo o mundo, queda de 0,2% em um ano entre os continentes, houve alta na África e na Ásia e queda na Europa e nas Américas. Entre seminaristas, queda global de 1,8%. O número de religiosas professas, como freiras, caiu 1,6%.

Igreja unida

Entre alas do clero, o papado de Francisco acumulou críticas. Não só devido a temas divisivos, como a bênção a casais homossexuais, mas também por um modo de governar considerado solitário. Nos EUA, conservadores apontaram o risco de cisma por causa do sínodo finalizado em 2024. Americano, Leão 14 terá de construir pontes, a começar dentro da própria casa.

Nos EUA

O desafio do papa americano é esfriar os ânimos entre o governo Donald Trump e o Vaticano. Em janeiro, Francisco chamou de "desgraça" o plano de combate à imigração, e o próprio Leão XIV, antes de virar papa, criticou o vice J. D. Vance por questões religiosas. Nessa tarefa, terá que lidar com a expectativa da oposição, que espera o reforço do papa na frente anti-Trump.

Diplomacia da paz

O novo papa deixa claro que essa é uma prioridade, mas seu desafio é encontrar o tom certo no pós-Francisco. O argentino foi acusado de nem sempre tratar a Rússia como agressora, forçando uma equidistância entre Moscou e Kiev. Francisco também se referiu ao conflito em Gaza como genocídio e viu deteriorar as relações da Santa Sé com o mundo judaico.

Na China

As relações entre o país asiático e o Vaticano melhoraram desde 2018, graças ao acordo sobre a nomeação de bispos. O acerto, cujo teor não é conhecido totalmente, é criticado por parte do clero, que vê excessivo poder concedido ao regime chinês.

Finanças e administração

Apesar de esforços de Francisco de cortar gastos, as contas do Vaticano estão no vermelho. Em 2023, ano dos relatórios mais atualizados, a Cúria fechou com déficit operacional de 83 milhões (R$ 524 milhões). Na Previdência, o rombo é de 600 milhões (R$ 3,7 bilhões). Iniciada por Francisco, a reforma do braço administrativo da Santa Sé é outro desafio para Leão 14, sob risco de resistência interna.

Progressistas

Com Francisco, houve mais abertura para a comunhão dos divorciados, a bênção de casais homossexuais e a nomeação de mulheres em cargos de governança do Vaticano. Progressistas esperavam mais, como o sinal verde para o diaconato feminino. Agora, devem observar os passos de Leão 14 nesses temas.

Ação contra abusos

A pressão para agir contra abusos sexuais do clero será ainda maior. A comunidade católica dos EUA é bastante sensível ao tema, com associações de vítimas ativas e vigilância de doadores a instituições de caridade. Francisco tentou implementar política de tolerância zero e mecanismos para denúncias, mas não solucionou o problema.

 

Na homilia, Papa ressalta união da Igreja

Papa Leão XIV na sua histórica missa inaugural | Foto: Julia Mineeva/Thenews2/Folhapress

Por Michele Oliviera (Folhapress)

Em sua homilia, o papa Leão 14 ressaltou a importância de uma Igreja unida. "Irmãos e irmãs, gostaria que fosse este o nosso primeiro grande desejo: uma Igreja unida, sinal de unidade e comunhão, que se torne fermento para um mundo reconciliado", disse. O texto representa o programa que o papa pretende seguir nos próximos anos. Abaixo, leia a íntegra:

"Queridos irmãos cardeais; Irmãos no episcopado e no sacerdócio, distintas autoridades e membros do corpo diplomático; irmãos e irmãs.

No início do ministério que me foi confiado, saúdo-vos a todos com o coração cheio de gratidão. Escreveu Santo Agostinho: "Fizeste-nos para Vós", [Senhor,] e o nosso coração está inquieto enquanto não repousar em Vós» (Confissões, 1,1.1).

Nos últimos dias, vivemos tempos particularmente intensos. A morte do papa Francisco encheu os nossos corações de tristeza e, naquelas horas difíceis, sentimo-nos como as multidões que o Evangelho diz serem "como ovelhas sem pastor" (Mt 9, 36). No entanto, precisamente no dia de Páscoa, recebemos a sua última bênção e, à luz da ressurreição, enfrentamos este momento na certeza de que o Senhor nunca abandona o seu povo, mas congrega-o quando se dispersa e guarda-o "como o pastor ao seu rebanho" (Jr 31, 10).

Neste espírito de fé, o Colégio Cardinalício reuniu-se para o conclave. Chegando com histórias diferentes e a partir de caminhos diversos, colocamos nas mãos de Deus o desejo de eleger o novo sucessor de Pedro, o bispo de Roma, um pastor capaz de guardar o rico patrimônio da fé cristã e, ao mesmo tempo, de olhar para longe, para ir ao encontro das interrogações, das inquietações e dos desafios de hoje. Acompanhados pela vossa oração, sentimos a ação do Espírito Santo, que soube harmonizar os diferentes instrumentos musicais e fez vibrar as cordas do nosso coração numa única melodia.

Fui escolhido sem qualquer mérito e, com temor e tremor, venho até vós como um irmão que deseja fazer-se servo da vossa fé e da vossa alegria, percorrendo convosco o caminho do amor de Deus, que nos quer a todos unidos numa única família.

Amor e unidade: estas são as duas dimensões da missão que Jesus confiou a Pedro.

É o que nos narra o trecho do Evangelho, que nos leva ao lago de Tiberíades, o mesmo onde Jesus iniciou a missão recebida do Pai: "pescar" a humanidade para salvá-la das águas do mal e da morte. Passando pela margem daquele lago, chamou Pedro e os outros primeiros discípulos para serem como Ele, "pescadores de homens", e agora, após a ressurreição, cabe-lhes precisamente a eles levar em frente esta missão, lançar sempre e novamente a rede imergindo nas águas do mundo a esperança do Evangelho, e navegar no mar da vida para que todos se possam reencontrar no abraço de Deus.

Como pode Pedro levar adiante essa tarefa? O Evangelho diz-nos que isso só é possível porque ele experimentou na própria vida o amor infinito e incondicional de Deus, mesmo na hora do fracasso e da negação. Por isso, quando Jesus se dirige a Pedro, o Evangelho usa o verbo grego agapao, que se refere ao amor que Deus tem por nós, à sua entrega sem reservas nem cálculos, diferente do usado na resposta de Pedro, que descreve o amor de amizade que cultivamos entre nós.

Quando Jesus pergunta a Pedro "Simão, filho de João, tu amas-me?" (Jo 21, 16) refere-se ao amor do Pai. É como se Jesus lhe dissesse: só se conheceste e experimentaste este amor de Deus, que nunca falha, poderás apascentar as minhas ovelhas; só no amor de Deus Pai poderás amar os teus irmãos com "algo mais", isto é, oferecendo a vida por eles.

A Pedro, portanto, é confiada a tarefa de «amar mais» e dar a sua vida pelo rebanho. O ministério de Pedro é marcado precisamente por este amor oblativo, porque a Igreja de Roma preside na caridade e a sua verdadeira autoridade é a caridade de Cristo. Não se trata nunca de capturar os outros com a prepotência, com a propaganda religiosa ou com os meios do poder, mas trata-se sempre e apenas de amar como fez Jesus.

Ele é afirma o próprio apóstolo Pedro "a pedra que vós, os construtores, desprezastes e que se transformou em pedra angular" (Act 4, 11). E se a pedra é Cristo, Pedro deve apascentar o rebanho sem nunca ceder à tentação de ser um líder solitário ou um chefe colocado acima dos outros, tornando-se dominador das pessoas que lhe foram confiadas (cf. 1 Pe 5, 3); pelo contrário, é-lhe pedido que sirva a fé dos irmãos, caminhando com eles: todos nós, com efeito, somos «pedras vivas» (1 Pe 2, 5), chamados pelo nosso Batismo a construir o edifício de Deus na comunhão fraterna, na harmonia do Espírito, na convivência das diversidades. Como afirma Santo Agostinho: "A Igreja é constituída por todos aqueles que mantêm a concórdia com os irmãos e que amam o próximo" (Sermão 359, 9).

Irmãos e irmãs, gostaria que fosse este o nosso primeiro grande desejo: uma Igreja unida, sinal de unidade e comunhão, que se torne fermento para um mundo reconciliado.

No nosso tempo, ainda vemos demasiada discórdia, demasiadas feridas causadas pelo ódio, a violência, os preconceitos, o medo do diferente, por um paradigma econômico que explora os recursos da Terra e marginaliza os mais pobres. E nós queremos ser, dentro desta massa, um pequeno fermento de unidade, comunhão e fraternidade. Queremos dizer ao mundo, com humildade e alegria: Olhai para Cristo! Aproximai-vos d'Ele! Acolhei a sua Palavra que ilumina e consola! Escutai a sua proposta de amor para vos tornardes a sua única família. No único Cristo somos um. E este é o caminho a percorrer juntos entre nós, mas também com as Igrejas cristãs irmãs, com aqueles que percorrem outros caminhos religiosos, com quem cultiva a inquietação da busca de Deus, com todas as mulheres e todos os homens de boa vontade para construirmos um mundo novo onde reine a paz.

Este é o espírito missionário que nos deve animar, sem nos fecharmos no nosso pequeno grupo nem nos sentirmos superiores ao mundo; somos chamados a oferecer a todos o amor de Deus, para que se realize aquela unidade que não anula as diferenças, mas valoriza a história pessoal de cada um e a cultura social e religiosa de cada povo.

Irmãos, irmãs, esta é a hora do amor! A caridade de Deus, que faz de nós irmãos, é o coração do Evangelho e, com o meu predecessor Leão 13, podemos hoje perguntar-nos: "Não se veria em breve prazo estabelecer-se a pacificação, se estes ensinamentos pudessem vir a prevalecer nas sociedades?" (Carta enc. Rerum novarum, 14)

Com a luz e a força do Espírito Santo, construamos uma Igreja fundada no amor de Deus e sinal de unidade, uma Igreja missionária, que abre os braços ao mundo, que anuncia a Palavra, que se deixa inquietar pela história e que se torna fermento de concórdia para a humanidade.

Juntos, como único povo, todos irmãos, caminhemos ao encontro de Deus e amemo-nos uns aos outros".