Por: Thamiris de Azevedo

Chaminés de termelétrica serão mais altas que um prédio de 40 andares

Bruno Bueno alertou para os riscos ambientais da termelétrica | Foto: Renata Sembay/Arayara

Bem próximo de uma cidade na qual os prédios residenciais não podem passar de seis andares, cogita-se construir uma usina termelétrica cujas chaminés jogarão fumaça a uma altura equivalente a um prédio de 42 andares.

Uma série de reportagens do Correio da Manhã vem acompanhando a possibilidade da instalação de uma Usina Termelétrica (UTE) em Brasília. Novo capítulo desenrolou-se nesta terça-feira (13), em seminário promovido pela Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos Deputados, para debater os impactos socioambientais da construção. Participaram especialistas, deputados, professores e alunos da Escola Classe Guariroba, na região administrativa de Samambaia, ameaçada pelo empreendimento.

Macaque in the trees
Seminário discutiu impactos da termelétrica | Foto: John Wurding/Arayara

O projeto está em fase de licenciamento e depende de autorização do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama). Precedente à licença ambiental, é obrigatória a realização de uma audiência pública para o projeto ser apresentado pela empresa responsável, a Termo Norte. Essa audiência está marcada para o dia 17 de junho.

Mais uma vez, a Termo Norte faltou à oportunidade de defender o empreendimento no qual está envolvida. Segundo a deputada Erika Kokay (PT), que presidia a mesa, a empresa enviou um e-mail desmarcando a presença. A reportagem entrou em contato com a empresa, que afirmou que o momento da audiência pública será a ocasião adequada para esclarecer todas as dúvidas.

Escola

A Escola Classe Guariroba foi um dos principais pontos de debate. A unidade é a única escola do campo de Samambaia. A unidade existe desde 1963, mas em 2018 ela foi realocada de seu lugar original para um novo espaço para a construção do Aterro Sanitário de Brasília. Durante dois anos, as aulas foram ministradas no prédio da própria administração de Samambaia, que, segundo os professores, era totalmente inadequado.

Em recente reportagem do Correio da Manhã, a diretora da escola, Nathália Pacheco, alertou sobre os prejuízos que a experiência de realocação trouxe para o processo de aprendizagem dos alunos.

Na sessão na terça, S..., do 5º ano “A”, disse que a escola é importante para a comunidade rural. Ela destaca que lá há uma horta para as crianças plantarem legumes, frutas e verduras.

“Eu gosto muito dos professores, queria agradecer a todos eles. Eu quero pedir que não derrubem a escola, eu a amo demais”, desabafa a criança.

Já S… , do mesmo ano, contou que entrou com três anos na escola. Ela conta que sempre foi acolhida e protegida pela unidade escolar. “Se eu e você nos juntarmos, não vão construir a Usina Termelétrica. Vou pedir para vocês que não construam”, pediu ela.

Segundo a Secretaria de Educação, a Escola Guariroba tem capacidade para acolher 560 crianças. Atualmente, a ocupação é de 350 estudantes, sendo que 102 a frequentam em tempo integral.

Macaque in the trees
Crianças protestaram contra a construção da usina | Foto: Renata Sembay/Arayara

Impactos

Juliano Bueno, diretor da Organização Internacional Ambiental Arayara, fez uma breve apresentação dos impactos socioambientais levantados pelo grupo de especialistas da instituição. No início de sua fala, Bueno afirmou que em 33 anos de atuação do instituto, ele nunca viu nenhum projeto Termoelétrica do Brasil derrubar uma escola que cumpre um papel social.

Segundo os dados apresentados pelo especialista, as chaminés terão 130 metros de altura, o que equivale a um prédio de 42 andares. Será maior que o prédio mais alto de Brasília, que são as torres do Congresso Nacional.

Serão emitidos 4,7 milhões de toneladas de CO? por ano, mais que o dobro do que é emitido atualmente. O empreendimento, ainda, pode destruir 31,91% do cerrado, somando o impacto da usina com o gasoduto que trará gás de São Paulo para o Centro-Oeste.

Além disso, Bueno destacou que serão consumidos 144 mil litros de água por dia . Ele lembrou os casos de estresse hídrico e falta de água que o DF já enfrentou.

O especialista ressaltou que a construção vai em contradição com o Plano Carbono Neutro do Distrito Federal assinado pelo governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), que visa a descarbonização da região.

Racismo ambiental

Bueno destacou como o empreendimento se configura como mais um caso de racismo ambiental, uma vez que vai prejudicar as pessoas que estão na periferia e zona rural de Brasília. A construção da Termelétrica fica a 35 km da Praça dos três poderes, quando considerada a distância em linha reta.

“Por que não fazer no Lago Sul? Lago Norte? Por que escolher um local que passa por um processo de pressão social, empobrecimento e dificuldades na sua infraestrutura?”, questiona o ambientalista.

As águas do Melchior

O projeto prevê a utilização das águas do Rio Melchior para resfriar as caldeiras da UTE. Newton Vieira, presidente do Movimento Salve o Rio Melchior, lembra que o rio é o mais poluído de Brasília, classificado na classe 4 de poluição, ou seja, inadequado para o consumo humano. Reportagem do Correio da Manhã já revelou que nas águas do rio há componentes químicos perigosos para a saúde humana, mas que é possível recuperar o rio.

Vieira destacou que não se sabe a reação que esses químicos terão quando repassados para as caldeiras. Apesar de a Termo Norte dizer que irá devolver as águas mais limpas, Newton não acredita que é possível salvar o rio assim.

“Hoje, o rio está na UTI, mas se a Termelétrica passar irão terminar de matar o Rio Melchior”, alertou.

Já a Agência Reguladora de Águas, Energia e Saneamento Básico do Distrito Federal (Adasa), responsável pelas outorgas da utilização do rio, afirmou que as duas autorizações já emitidas foram elaboradas com bases técnicas, uma vez que, na visão do órgão, o projeto da Termo Norte cumpre com os requisitos para o uso das águas.

Por outro lado, existe uma ação judicial em que a Arayara questiona as outorgas, uma vez que foram emitidas com base em pesquisas de 2012, que refletem a realidade de mais de 10 anos atrás, quando o Rio Melchior era menos poluído.

Macaque in the trees
Impactos da usina sobre o Rio Melchior discutidos | Foto: Newton Vieira/Salve o Rio Melchior

Energia mais cara

Luiz Eduardo Barata, presidente da Frente Nacional dos Consumidores de Energia, destacou, durante o debate, que a energia do DF pode ficar ainda mais cara com a construção da UTE. Segundo ele, a construção do gasoduto será extremamente custosa. Para ele, a energia no Brasil poderia ser uma das mais baratas do mundo, mas é uma das mais caras por uma série de decisões equivocadas que são tomadas.

“Qualquer projeto só é bom quando há contrapartida, quando ganha quem implementa e quem consome e paga. Mas a usina só será boa para quem implementa, para quem usa e paga ela será muito ruim. Aumentará o custo de energia e não agregará valor ao nosso sistema de energia brasileiro”, afirma o especialista.

Durante a 5ª Conferência Nacional do Meio Ambiente, no dia 3 de maio, foi acolhida e lida a nota de repúdio elaborada pelo instituto Arayara contra a Usina Termelétrica em Brasília. Na moção de repúdio, o instituto destacou que a UTE Brasília representa um grave retrocesso, comprometendo os esforços das entidades ambientalistas e da sociedade no combate à emergência climática.