Por Sônia Paes
A mobilização que a Associação Amigos do Itatiaia (AAI) iniciou ainda em 2005 para impedir que o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) retire famílias centenárias e conservacionistas de uma área do Parque Nacional do Itatiaia-RJ é apenas a "ponta do iceberg" que mostra a realidade de como as áreas de preservação ambiental são tratadas.
A luta da AAI é embasada em um calhamaço de documentos reunidos durante seguidas pesquisas que visam comprovar o direito dos moradores da área. "O Parque Nacional de Itatiaia começou a ser elaborado em 1914 e foi consolidado oficialmente em 1937, sem compreender ainda a área ocupada pela comunidade. A área, que é chamada de "parte baixa do parque", foi incluída no parque em 1982, após uma ampliação irregular e em desacordo com o estudo técnico que o precedeu, afirma Hugo Penteado, presidente da AAI, que continua:
"Entretanto, nunca houve diálogo com as famílias da parte baixa desde 2005, pois através de uma suposta fraude de mapas fomos tratados como invasores do parque". A Associação presidida por Hugo foi fundada em 1951, teve como patrono de fundação o criador da Reserva e do Parque, Paulo Campos Porto, e representa 77 famílias com 290 membros.
Penteado frisa que mapas e documentos dos órgãos gestores do PNI indicam que esses moradores sempre estiveram fora dos limites do parque. Penteado cita, inclusive, um estudo técnico de 1982 feito pelo Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF), disponível no próprio site do ICMBio, que não incluiu a área habitada na ampliação.
-O ICMBio para justificar a retirada das famílias inventam que os núcleos agrícolas foram extintos em 1914 e as terras dos colonos foram devolvidas para a União onde foi criado a Reserva Florestal de 1914, depois convertida em Parque Nacional em 1937. Com isso, somos acusados de invadir uma unidade de conservação desde a primeira chegada da primeira família em 1915. Essa mentira foi cascateada para vários processos judiciais e até então nunca foi feito uma produção de provas. Para provar essa mentira, usam um mapa supostamente fraudado, cuja área é diferente da do parque, de 20.000 hectares, incluindo propositalmente as áreas dos dois núcleos agrícolas da região - dispara Penteado.
Ainda segundo ele, o instituto ignora os mapas oficiais do JBRJ e do IBDF para usar um mapa apócrifo e supostamente adulterado para provar que a nossa área já pertencia ao parque: "Acusando-nos de invasores de um parque nacional".
Retirada de projeto
Com relação à retirada do projeto do deputado federal Bandeira de Melo, propondo que área fosse transformada em Monumento Natural, com o mesmo nível de proteção ambiental oferecido pelo Parque, Penteado explica que a medida ocorreu por mera pressão política e nunca houve qualquer análise técnica da proposta, que foi balizada por dois relatores da Lei do Snuc, Fábio Feldmann e Fernando Gabeira.
-Eles não têm nenhum argumento técnico contra nossa solução técnica, que aliás já havia sido proposta pelo IBDF em 1982, no estudo técnico que antecedeu a ampliação do parque desse ano, que é uma obrigação legal. O IBDF criou na nossa área uma Unidade de Conservação chamada Parque Natural, prevista pelo PSUC/1979 do IBDF. O PSUC foi o embrião da Lei do SNUC. O decreto de ampliação de 1982 desrespeitou o estudo técnico. O único argumento deles contra a nossa proposta é uma mentira - ressalta.
A SOS Mata Atlântica - uma organização não-governamental criada em 1986 - atua ao lado do instituto federal. Faz a mesma acusação contra os moradores da área do Parque Nacional do Itatiaia: que eles são invasores. Eles são alvos de processo judicial, justamente por conta de uma nota enviada ao Deputado Bandeira de Mello, que influenciou o arquivamento do projeto de lei.
Assim como no caso dos Pontões Capixabas e outras famílias, comunidades não tradicionais, históricas foram mantidas no seu local com a recategorização em Monumento Natural. É a mesma situação da comunidade da AAI, confirmado pelo estudo técnico do IBDF, ou seja, o que dá direito às famílias AAI de continuarem no local é sua história centenária de conservação e reflorestamento bem anterior ao parque, que foi protegido por elas.
-Algumas revisões de limites de parques nacionais têm contemplado casos como o nosso, como o Parque Nacional Sempre Vivas, Parque Nacional da Serra dos Órgãos e Pontões Capixabas. E tem outros a caminho. Antes da Lei do SNUC, a legislação não obrigava que áreas de parques nacionais fossem de domínio público e por isso existem tantos conflitos no Brasil. A letra fria da lei não pacifica a situação e acaba sendo um tormento para milhares de famílias. Ao aplicar apenas a necessidade de domínio público sem se ater a outros instrumentos democráticos de revisões de situações do passado, previstos na Lei, o custo de todo o processo é muito alto. A solução técnica da AAI não é a primeira, já foi feita antes e reduz os custos para a União sem qualquer perda de preservação ambiental - ressalta a associação.
PNI nega denúncias
O Chefe do Parque Nacional do Itatiaia, Felipe Cruz Mendonça, afirmou ao Correio Sul Fluminense, como divulgado na edição desta terça-feira (13) que a Lei no 9.985/2000 estabelece em seu art. 11o que o Parque Nacional é de posse e domínio públicos, "sendo que as áreas particulares incluídas em seus limites serão desapropriadas, de acordo com o que dispõe a lei".
-Essa aquisição das áreas particulares é também chamada de regularização fundiária, sendo uma obrigação do ICMBio em relação aos Parques Nacionais -disse Mendonça, confirmando que "desde 2008, quando a associação propôs ao Ministério do Meio Ambiente o desmembramento da Parte Baixa do Parna Itatiaia e teve sua proposta rejeitada, começou uma verdadeira odisseia administrativa, política e jurídica - diz o PNI.