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ICMBio é contraditório em desapropriações, diz AAI

ICMBio age para expulsar famílias que estão morando em área há séculos | Foto: Henrique Boney/Wikimedia Commons

Por Sônia Paes

A mobilização que a Associação Amigos do Itatiaia (AAI) iniciou ainda em 2005 para impedir que o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) retire famílias centenárias e conservacionistas de uma área do Parque Nacional do Itatiaia-RJ é apenas a "ponta do iceberg" que mostra a realidade de como as áreas de preservação ambiental são tratadas.

A luta da AAI é embasada em um calhamaço de documentos reunidos durante seguidas pesquisas que visam comprovar o direito dos moradores da área. "O Parque Nacional de Itatiaia começou a ser elaborado em 1914 e foi consolidado oficialmente em 1937, sem compreender ainda a área ocupada pela comunidade. A área, que é chamada de "parte baixa do parque", foi incluída no parque em 1982, após uma ampliação irregular e em desacordo com o estudo técnico que o precedeu, afirma Hugo Penteado, presidente da AAI, que continua:

"Entretanto, nunca houve diálogo com as famílias da parte baixa desde 2005, pois através de uma suposta fraude de mapas fomos tratados como invasores do parque". A Associação presidida por Hugo foi fundada em 1951, teve como patrono de fundação o criador da Reserva e do Parque, Paulo Campos Porto, e representa 77 famílias com 290 membros.

Penteado frisa que mapas e documentos dos órgãos gestores do PNI indicam que esses moradores sempre estiveram fora dos limites do parque. Penteado cita, inclusive, um estudo técnico de 1982 feito pelo Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF), disponível no próprio site do ICMBio, que não incluiu a área habitada na ampliação.

-O ICMBio para justificar a retirada das famílias inventam que os núcleos agrícolas foram extintos em 1914 e as terras dos colonos foram devolvidas para a União onde foi criado a Reserva Florestal de 1914, depois convertida em Parque Nacional em 1937. Com isso, somos acusados de invadir uma unidade de conservação desde a primeira chegada da primeira família em 1915. Essa mentira foi cascateada para vários processos judiciais e até então nunca foi feito uma produção de provas. Para provar essa mentira, usam um mapa supostamente fraudado, cuja área é diferente da do parque, de 20.000 hectares, incluindo propositalmente as áreas dos dois núcleos agrícolas da região - dispara Penteado.

Ainda segundo ele, o instituto ignora os mapas oficiais do JBRJ e do IBDF para usar um mapa apócrifo e supostamente adulterado para provar que a nossa área já pertencia ao parque: "Acusando-nos de invasores de um parque nacional".

Retirada de projeto

Com relação à retirada do projeto do deputado federal Bandeira de Melo, propondo que área fosse transformada em Monumento Natural, com o mesmo nível de proteção ambiental oferecido pelo Parque, Penteado explica que a medida ocorreu por mera pressão política e nunca houve qualquer análise técnica da proposta, que foi balizada por dois relatores da Lei do Snuc, Fábio Feldmann e Fernando Gabeira.

-Eles não têm nenhum argumento técnico contra nossa solução técnica, que aliás já havia sido proposta pelo IBDF em 1982, no estudo técnico que antecedeu a ampliação do parque desse ano, que é uma obrigação legal. O IBDF criou na nossa área uma Unidade de Conservação chamada Parque Natural, prevista pelo PSUC/1979 do IBDF. O PSUC foi o embrião da Lei do SNUC. O decreto de ampliação de 1982 desrespeitou o estudo técnico. O único argumento deles contra a nossa proposta é uma mentira - ressalta.

A SOS Mata Atlântica - uma organização não-governamental criada em 1986 - atua ao lado do instituto federal. Faz a mesma acusação contra os moradores da área do Parque Nacional do Itatiaia: que eles são invasores. Eles são alvos de processo judicial, justamente por conta de uma nota enviada ao Deputado Bandeira de Mello, que influenciou o arquivamento do projeto de lei.

Assim como no caso dos Pontões Capixabas e outras famílias, comunidades não tradicionais, históricas foram mantidas no seu local com a recategorização em Monumento Natural. É a mesma situação da comunidade da AAI, confirmado pelo estudo técnico do IBDF, ou seja, o que dá direito às famílias AAI de continuarem no local é sua história centenária de conservação e reflorestamento bem anterior ao parque, que foi protegido por elas.

-Algumas revisões de limites de parques nacionais têm contemplado casos como o nosso, como o Parque Nacional Sempre Vivas, Parque Nacional da Serra dos Órgãos e Pontões Capixabas. E tem outros a caminho. Antes da Lei do SNUC, a legislação não obrigava que áreas de parques nacionais fossem de domínio público e por isso existem tantos conflitos no Brasil. A letra fria da lei não pacifica a situação e acaba sendo um tormento para milhares de famílias. Ao aplicar apenas a necessidade de domínio público sem se ater a outros instrumentos democráticos de revisões de situações do passado, previstos na Lei, o custo de todo o processo é muito alto. A solução técnica da AAI não é a primeira, já foi feita antes e reduz os custos para a União sem qualquer perda de preservação ambiental - ressalta a associação.

PNI nega denúncias

O Chefe do Parque Nacional do Itatiaia, Felipe Cruz Mendonça, afirmou ao Correio Sul Fluminense, como divulgado na edição desta terça-feira (13) que a Lei no 9.985/2000 estabelece em seu art. 11o que o Parque Nacional é de posse e domínio públicos, "sendo que as áreas particulares incluídas em seus limites serão desapropriadas, de acordo com o que dispõe a lei".

-Essa aquisição das áreas particulares é também chamada de regularização fundiária, sendo uma obrigação do ICMBio em relação aos Parques Nacionais -disse Mendonça, confirmando que "desde 2008, quando a associação propôs ao Ministério do Meio Ambiente o desmembramento da Parte Baixa do Parna Itatiaia e teve sua proposta rejeitada, começou uma verdadeira odisseia administrativa, política e jurídica - diz o PNI.

 

Marina Silva diverge em posicionamento

Em nota enviada ao Correio Sul Fluminense, na manhã desta terça-feira (13), a Associação dos Amigos de Itatiaia (AAI) diz que a proposta de Monumento Natural feita por eles em 2009 e em 2024 não é nenhuma novidade. Tinha sido feito antes por um projeto de lei de 2006 da atual ministra do Meio Ambiente e do Clima, Marina Silva, que recategorizou 100% da área do Parque Nacional Pontões Capixabas, com o seguinte argumento: "Desta forma, a mudança de categoria é considerada uma oportunidade ímpar para findar com os conflitos na área, uma vez que a categoria de Monumento Natural permite a existência de propriedades particulares no interior da unidade (...)."

No caso da comunidade da AAI a posição da ministra é outra. Em artigo a Terra Magazine de 2/3/2009, Marina escreveu: "Os autores dessa proposta fazem parte da Associação Amigos do Itatiaia, que reúne, na maioria, ocupantes de casas de veraneio e alguns hotéis (...).

"A expansão da ocupação se deu após 1937, por meio de parcelamentos irregulares e um ativo mercado imobiliário ilegal dentro do Parque. Essa forma de uso do solo, pela política do fato consumado - para depois procurar sua legalização - é largamente difundida no Brasil (...) um grande esforço para zerar, na forma da lei, as pendências com moradores que lá estão irregularmente (...)".

E mais: a proposta de recategorização feita pela AAI em 2009 não era de todo estranha para o MMA e o ICMBio, dado que tinham acabado de recategorizar os Capixabas com seus 17.496 hectares.

Fundação da AAI

A AAI teve como patrono de fundação em 4/4/1951 o próprio criador do Parque Nacional do Itatiaia, Paulo Campos Porto. O centro de visitantes do parque tem um mural de azulejos da AAI na sua entrada, em comemoração ao projeto de reflorestamento do Moacyr de Moura Costa, sócio fundador da AAI. Em 2024, o projeto de lei do deputado Bandeira de Mello também foi recusado sem o ICMBio apresentar qualquer argumento técnico contra a proposta.

Ainda segundo a nota, o adicionalmente, o Plano de Manejo de 1982, obrigatório pela lei dos Parques Nacionais de 1979, analisou a área das famílias da AAI e propôs a criação de um Parque Natural previsto no Plano de Sistemas de Unidades de Conservação do IBDF de 1979. Essa proposta excluiu a necessidade de desapropriar as famílias, mas foi desrespeitada pelo decreto.

A nota acrescenta ainda que a denúncia de suposta fraude de mapas e outras da AAI encaminhadas ao MPF de Resende nunca foram investigadas e sim arquivadas de pronto. Por isso, a AAI entrou com ação de arguição de suspeição da Procuradoria da República.

Essas razões levaram a AAI a entrar com novas denúncias onde pedimos uma perícia cartográfica dos mapas que nunca foi feita - diz a nota.

Os mapas

A Associação dá mais detalhes sobre a questão dos mapas e informa que, em 2017, através da Lei de Acesso a Informação, ICMBio foi obrigado a apresentá-lo à AAI. Segundo a nota, trata-se de uma cópia simples de outro mapa não apresentado com aba dobrada e sem qualquer distinção no seu desenho original que separe os dois núcleos de 1908, o de Visconde de Mauá e o de Itatiaia.

O perfil do mapa, segundo o ICMBio, é "representativo da área do PNI de 1937". De acordo com mapas do JBRJ de 1929 e 1937 e também de acordo com o Decreto nº 1.713 de criação do PNI de 14/6/1937 a área do PNI contém 11.943 hectares. Ocorre que os laudos cartográficos apontam que a área apresentada pelo "mapa histórico do ICMBio" é de 20.000 hectares e não de 11.943 hectares, possuindo um erro de 67%, inaceitável pela cartografia.

-O mapa apresentado não corresponde à área do PNI de 1937, pois possui uma diferença de 8.000 hectares que precisa ser explicada. Para isso, basta plotar os perfis dos mapas feitos por Alberto Pacca em 1909 dos dois núcleos coloniais de Itatiaia e Visconde de Mauá para evidenciar os limites territoriais entre o PNI de 1937 e os núcleos - diz a nota, e continua: "Em outras palavras, o mapa apresentado e usado oficialmente pelo ICMBio em todas as instâncias não representa a área inteira do PNI, mas a área do PNI com os núcleos agrícolas nas duas pontas. O núcleo de Visconde de Mauá, com 5.500 hectares também nunca fez parte do PNI de 1937, como é afirmado por esse mapa e nem foi incluído na ampliação de 1982".

A AAI afirma que se o núcleo de Visconde de Mauá fizesse parte do PNI de 1937, como ficou fora da ampliação de 1982, isso significa que 5.500 hectares do PNI de 1937 foram retirados da sua área, ou seja, quase 50%. Já o núcleo colonial de Itatiaia possui 2.548 hectares, ou seja, a soma da área dos dois núcleos com os 11.943 hectares do PNI dão os quase 20.000 hectares que é a área do mapa apresentado, segundo a AAI.

Para corroborar a associação usou mapas oficiais dos antigos órgãos gestores do PNI, como os do Jardim Botânico e do IBDF. "Nesse caso temos que apresentar o mapa do Jardim Botânico do Rio de Janeiro de 1937 (antigo ICMBio) que mostra claramente a separação da área dos dois núcleos em relação ao PNI. Outros mapas oficiais do órgãos gestores do ICMBio mostram a mesma situação territorial: tanto o núcleo colonial de Itatiaia quanto o de Visconde de Mauá jamais fizeram parte dos limites do PNI de 1937.

A associação cita que o mapa do Plano de Manejo de 1982 também prova claramente que a área das famílias da AAI nunca fizeram parte dos limites do PNI de 1937.

A suposta fraude do mapa de estradas é tão grosseira que outra foi necessária. O ICMBio produziu um recorte ainda mais adulterado do mapa para apresentar na Justiça Federal onde toda a originalidade foi perdida: além de várias partes do mapa terem sido deslocadas para montar o recorte, também foram acrescentados linhas, cores, textos e figuras inexistentes no mapa original.

O motivo é bem simples: os limites do PNI de 1937 incluíam não só o núcleo de Itatiaia como também o de Visconde de Mauá e esse erro grosseiro ficaria evidente. O recorte esconde a falácia do núcleo de Visconde de Mauá e seus 5.500 hectares como parte do PNI de 11.943 hectares.

Os mapas oficiais do PNI foram levados a especialistas, como cartógrafos da Universidade Federal Fluminense e de uma empresa, que comprovaram claramente o erro dos mapas apresentados pelo ICMBio e confirmaram que os limites territoriais dos núcleos coloniais de Itatiaia e de Visconde de Mauá nunca fizeram parte do PNI.