Por Sônia Paes e Lanna Silveira
Por trás das belezas estonteantes do Parque Nacional do Itatiaia (PNI), na Serra da Mantiqueira, abrangendo partes dos estados do Rio de Janeiro e de Minas Gerais, há uma briga travada, desde 2005, entre moradores da parte baixa da reserva e o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), que tenta judicialmente acabar com a comunidade que começou a fincar moradia na área em 1915. A direção do PNI diz que a regularização fundiária é uma obrigação do ICMBio em relação aos Parques Nacionais.
O local cobiçado atualmente pelo ICMBio era então habitado por colonos europeus, que adquiriram as terras e depois as venderam para a atual comunidade de moradores. Desde 1951, o grupo se denomina como a Associação Amigos do Itatiaia (AAI), e todas as suas residências têm IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano), com matrícula e inscrição mobiliária, segundo a associação.
Só para se ter uma ideia a área que o ICMBio briga judicialmente para desocupar - correspondente a 3% de toda a reserva - passou a fazer parte do Parque do Itatiaia somente em 1982, graças a um decreto que ampliou a unidade. O Parque começou a ser criado em 1914 e foi inaugurado em 1937 pelo ex-presidente Getúlio Vargas.
Uma das ações tomadas pela associação foi a elaboração de um projeto propondo que a terra em questão seja transformada em Monumento Natural - que tem o mesmo nível de proteção ambiental oferecido pelo Parque. São nada menos do que 369 processos administrativos em tramitação, das atuais 458 propriedades existentes. Do total, 57 delas já foram adquiridas pelo ICMBio.
Nesse projeto, as famílias teriam a obrigação legal de cuidar da preservação do local. A proposta chegou a virar um Projeto de Lei em 2024, de autoria do Bandeira de Mello, que acabou sendo arquivado no fim do ano passado. "O PL foi retirado de pauta após o ICMBio esclarecer ao deputado proponente os reais fatos e consequências da recategorização de parte do primeiro parque nacional do Brasil", afirma Felipe Cruz Mendonça, chefe do PNI (Parque Nacional do Itatiaia).
Antes disso, em 2009, o projeto já havia sido rejeitado publicamente pelas equipes do ICMBio e do Parque Nacional do Itatiaia. Servidores do ICMBio, na época, apresentaram um mapa com informações que comprovariam que a comunidade estabeleceu moradia no território quando este já fazia parte da área compreendida pelo Parque Nacional do Itatiaia, estabelecendo os moradores como "invasores de terras públicas".
Alteração de mapa
Fontes ligadas ao Correio Sul Fluminense afirmam que o mapa foi alterado com informações falsas, acrescentando que nenhuma outra prova documental foi apresentada para embasar a tese do ICMBio e que a associação de moradores já abriu diversas ações civis para denunciar a ilegalidade do documento. "Essa 'requentada' alegação da AAI já foi apresentada e descartada em diversas outras instâncias", afirma Felipe.
Além das denúncias, a comunidade tem a intenção de viabilizar o projeto de transformar a área em Monumento Natural, em uma tentativa de evitar que suas moradias sejam comprometidas. Com relação a esse ponto, Felipe explica que a equipe técnica do PNI utilizou uma figura que havia sido feita sobre o mapa histórico mais antigo (1939) localizado à época no acervo do PNI, para ilustrar que o Parque Nacional do Itatiaia englobou os lotes do ex-Núcleo Colonial desde sua criação em 1937, o que nada tem a ver com fraude ou adulteração"
A associação também alega que as ações de desapropriação são apressadas e não oferecem tempo suficiente para as famílias se realocarem, ou algum auxílio para que eles se reestabeleçam, desconsiderando dificuldades. O grupo afirma, ainda, ser tratado como "criminoso" pelos responsáveis pelo parque. O PNI rebate e diz que "os proprietários de áreas dentro do PNI sempre foram tratados com urbanidade e cordialidade, suas escrituras reconhecidas e seus direitos de propriedade respeitados".
PNI diz que desapropriação está prevista em lei
O Chefe do Parque Nacional do Itatiaia, Felipe Cruz Mendonça, afirmou ao Correio Sul Fluminense que a Lei no 9.985/2000 estabelece em seu art. 11o que o Parque Nacional é de posse e domínio públicos, "sendo que as áreas particulares incluídas em seus limites serão desapropriadas, de acordo com o que dispõe a lei".
-Essa aquisição das áreas particulares é também chamada de regularização fundiária, sendo uma obrigação do ICMBio em relação aos Parques Nacionais -disse Mendonça, confirmando que "desde 2008, quando a associação propôs ao Ministério do Meio Ambiente o desmembramento da Parte Baixa do Parna Itatiaia - região em que, além dos imóveis dos seus associados, estão situados o portão de entrada do parque, a sede, Pedra de Fundação, Centro de Visitantes e alguns dos principais atrativos do parque - e teve sua proposta rejeitada, começou uma verdadeira odisseia administrativa, política e jurídica".
Cronologia da batalha jurídica, segundo dados informados pelo PNI
2008
Proposição de desmembramento, ou transformação em "Monumento Natural", de uma parcela da Parte Baixa do PARNA Itatiaia. Foi integralmente rejeitada tecnicamente pelo Ministério do Meio Ambiente;
2010
Ação Civil Pública na Justiça Federal requerendo a nulidade do decreto de ampliação do Parque Nacional do Itatiaia. Foi extinta em primeira instância.
2012
Associação ajuíza ação, pedindo a anulação do decreto de ampliação do Parque Nacional do Itatiaia, o que - caso deferido - diminuiria em quase 60% da área atual do Parque. A ação foi julgada improcedente em decisão confirmada definitivamente pelo STF no ano de 2024; 2013 e 2018.
2014
O ICMBio celebra Termo de Ajustamento de Conduta com o Ministério Público Federal (TAC), no qual se comprometeu a dar andamento na regularização fundiária do Parque Nacional
2019
A AAI ofereceu representação junto ao Ministério Público Federal questionando o ICMBio por ações relativas à regularização fundiária e apresentando uma série de acusações contra os servidores do PNI. O MPF concluiu pela ausência de ilegalidades, confirmou a lisura do processo de regularização fundiária e nas ações dos servidores, e arquivou o procedimento.
2020
A associação dos amigos do Itatiaia propôs a ação de produção antecipada de provas nº 5002556-90.2020.4.02.5109, na qual pleiteava a realização de perícia em supostos mapas antigos. Sucumbente nas duas instâncias, a AAI recorreu ao STJ, que teve um recurso transitado em julgado e um segundo recurso no TRF2 no qual foi negado provimento;
2020
A associação representou três servidores do PNI, à Comissão de Ética do ICMBio, requerendo a instauração de procedimento disciplinar, também com o mesmo argumento da tal "falsificação de mapas antigos". O requerimento foi analisado pela equipe técnica do ICMBio e pela corregedoria que não encontraram nenhum fundamento nas ilações apresentadas pela AAI que justificasse até mesmo a admissibilidade do processo correcional. A associação ainda recorreu da promoção de arquivamento e não obteve êxito;
2021
A associação propôs nova ação pedindo a nulidade do Decreto nº 87.586/82, que "amplia a área do Parque Nacional de Itatiaia". Atualmente a ação está em grau de recurso, no Tribunal Regional Federal da 2ª Região.
No Ceará, privatização teria beneficiado irmão de secretário
de ministério
O ICMBio está no centro de uma polêmica da concessão de serviços do Parque Nacional de Jericoacoara, no Ceará. O consórcio Dunas, vencedor do leilão para administrar o parque por 30 anos, é formado pelo Grupo Cataratas junto com a Construcap, presidida por Roberto Ribeiro Capobianco. Detalhe: ele é irmão de João Paulo Ribeiro Capobianco, secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente, pasta à qual o ICMBio é
O leilão que passou o parque para a iniciativa privada ocorreu em janeiro de 2024, em evento na B3. O consórcio vencedor poderá explorar economicamente o fluxo de turistas no local, com a cobrança de ingressos para entrada em Jericoacoara. O próprio ICMBio fiscalizará tudo. Atualmente, o parque está em momento de transição para a administração privada.
Um ata das decisões do conselho de administração da Construcap, obtidos pelo portal de notícias Metrópoles, mostra que a participação de João Paulo Ribeiro Capobianco no quadro de acionistas era de 4,7%.
Ainda segundo o site, o documento mais recente data de maio de 2022. Os estudos técnicos e consultas públicas para concessão do Parque Nacional de Jericoacoara começaram no segundo trimestre daquele ano. O consórcio não respondeu se ele ainda tem ações no empreendimento, como informou a reportagem do Metrópoles.