Especial para o Correio da Manhã
No palco improvisado de uma sala de aula, sem cortinas ou refletores, mas diante de olhares inquietos e muitas vezes cansados, ergue-se a poesia como ponte. Com palavras e presença cênica, o ator e escritor Chico de Aquino fechou a nova temporada do projeto Tudo o que Fizerdes ao Menor, que percorreu cinco escolas públicas do Distrito Federal em apresentações marcadas pela delicadeza, urgência e resistência cultural. O cronograma, inicialmente previsto para março, se estendeu até abril devido a ajustes de calendário, garantindo que cada escola recebesse integralmente a proposta artística e reflexiva do projeto.
Mais do que apresentações, a iniciativa levou encontros poéticos a estudantes de Taguatinga, do Gama, do Recanto das Emas, de Ceilândia e do Plano Piloto. E, em tempos de tanta brutalidade emocional, o gesto de declamar um poema, ouvir uma história e fazer da palavra um abraço coletivo, ganha força de resistência. “Estamos a cada dia mais frios e distantes dos que estão por perto”, diz Chico de Aquino, com a serenidade de quem já conhece os efeitos da arte na vida real. “As escolas também precisam disso. Precisam lembrar que o sensível é parte do saber”, propõe.
Chico, que já apresentou o projeto em mais de 600 ocasiões desde 2003, é um especialista em tocar o intocável. Com leveza e densidade, ele conduz os jovens a temas como abandono, preconceito, sonhos adiados, identidade e cuidado. “A arte é, acima de tudo, esse lugar onde a gente reaprende a sentir. Quando um adolescente se emociona com um poema meu, não é sobre mim. É sobre o que ele encontrou ali, que ninguém estava oferecendo”, afirma. As sessões alternam monólogos, leituras poéticas e pequenas encenações. Ao final, em geral, há um breve debate — espontâneo, desarmado, pulsante.
Ouvidos
As palavras não caem em ouvidos moucos. Em cada escola por onde passou, o impacto se fazia ver não apenas nas lágrimas dos que ouviam, mas nas palavras que nasciam após o silêncio. “Não é sobre ensinar, é sobre se permitir dizer e ouvir. Dar a um jovem a chance de se ver representado no palco é um dos atos mais revolucionários da educação”, defende o autor de Índia Amazônia e do próprio Tudo o que Fizerdes ao Menor — título que se desdobra, poeticamente, também em livro.
Para Cláudio Oliveira, presidente do Grupo de Resgate Ambiental (GRA), entidade proponente do projeto patrocinado pelo FAC-DF e apoiado pela Secretaria de Educação do DF, a ação vai além do entretenimento.
“Aquino mescla humor e reflexão de forma sutil, mas impactante. Ao final de cada escola, alunos, professores e direção costumam acentuar a importância dessa iniciativa”, alega. Para ele, o teatro e a poesia apresentados nas escolas públicas são antídotos ao desinteresse crescente e ao sofrimento silencioso que habita muitos dos corredores escolares. “É quando a cultura entra com respeito e verdade que ela transforma”, pontua Oliveira.
O GRA, que já realiza projetos como a Guarda Mirim Ambiental e a Escolinha de Futebol, tem apostado cada vez mais em ações que combinam formação cidadã e arte. E a escolha por Chico de Aquino, com sua trajetória reconhecida — incluindo o Prêmio FAC Brasília 60 — é um gesto de coerência com a missão da instituição: fomentar transformação por meio de ações sociais sólidas e envolventes.
O legado
Nas salas de aula visitadas, o que ficou não foi apenas o registro fotográfico de mais uma atividade extracurricular. Ficaram olhares despertos, silêncios quebrados, desejos ditos em voz alta, abraços apertados no artista ao fim do espetáculo. Ficaram histórias. “Certa vez, uma aluna me disse que minha poesia a impediu de desistir. Como não continuar depois disso?”, conta Chico, emocionado. “O nome do projeto é bíblico, mas também é cotidiano. Cada adolescente que a gente alcança é um milagre possível.”
Para o Professor Eliel de Aquino, Diretor do CEM 2 de Ceilândia, foi um momento único. “Conheci o Chico de Aquino em 2003 e assisti a uma apresentação do projeto. Agora, como diretor, senti-me honrado em recebê-lo na escola e poder ver que a apresentação está ainda melhor, e com um impacto poderoso em todos nós”, avaliou.
Num país que muitas vezes relega o adolescente periférico ao silêncio e à invisibilidade, Tudo o que Fizerdes ao Menor oferece microfones invisíveis e palcos simbólicos. E talvez, entre tantas políticas públicas em busca de sentido, a arte ainda seja a que mais compreende como chegar até o fundo do que nos forma. Ou nos deforma.