Por: Martha Imenes

Pejotização em discussão no Supremo Tribunal

Ministro Gilmar Mendes é o relator do caso sobre pejotição no STF e convocou audiência pública no início de outubro | Foto: Carlos Moura/SCO/STF

Um tema que pode impactar profundamente o mercado de trabalho e o sistema previdenciário está no Supremo Tribunal Federal (STF), que realizou uma audiência pública para discutir a legalidade da contratação de trabalhadores como pessoas jurídicas ou autônomos - prática conhecida como pejotização.

O tema chama atenção por envolver mais de 15 milhões de microempreendedores individuais (MEIs) e milhares de ações trabalhistas paradas à espera de um posicionamento da Corte, segundo informações da Associação Nacional das Magistradas e Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra). 

Dados do Tribunal Superior do Trabalho (TST) apontam que cerca de 34,6 mil processos estão suspensos aguardando definição sobre o tema. A discussão ocorre no âmbito do recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida (ARE 1.532.603), relatado pelo ministro Gilmar Mendes, e pode alterar como empresas contratam prestadores de serviço sem vínculo empregatício formal.

Informações do Ministério do Trabalho e Emprego apontam que, entre 2022 e 2024, 4,8 milhões de trabalhadores demitidos com carteira assinada retornaram ao mercado como pessoas jurídicas, especialmente na modalidade MEI. Esse movimento gerou um impacto de R$ 61,42 bilhões em perdas para a Previdência Social e de R$ 24,2 bilhões na arrecadação do FGTS.

A prática tem sido considerada por parte da Justiça do Trabalho como fraude contratual, sobretudo quando são identificados os requisitos que configuram vínculo empregatício, conforme previsto na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). A controvérsia tem levado empresas a apresentarem reclamações constitucionais ao STF, questionando decisões que reconheceram o vínculo trabalhista mesmo com contratos civis ou comerciais.

"A pejotização tem gerado grandes reflexos na Previdência Social e no futuro dos trabalhadores brasileiros. O termo, cada vez mais presente no mercado de trabalho, descreve uma prática em que o profissional, que deveria ser contratado como empregado CLT, passa a atuar como pessoa jurídica, geralmente para reduzir encargos trabalhistas e tributários" explica a advogada Kesia Souza.

O que motivou o debate

O julgamento que motivou a repercussão geral envolve um contrato de franquia. Um ex-franqueado tenta obter o reconhecimento de vínculo de emprego com a franqueadora. No entanto, o Supremo decidiu ampliar o escopo da discussão para além do caso específico, incluindo a validade da contratação por pessoa jurídica ou autônomo, os critérios para caracterizar fraude e o ônus da prova nesses casos.

O ministro Gilmar Mendes indicou que o STF busca entender melhor os impactos econômicos, jurídicos e fiscais da pejotização, além de esclarecer as diferenças no tratamento tributário entre pessoas físicas e jurídicas nesse modelo de contratação.

A expectativa é de que a audiência ajude a medir a temperatura do debate e defina os próximos passos no julgamento, que poderá ter repercussões significativas no modelo de contratação adotado por empresas em todo o país.

A advogada explica que, na prática, a mudança no regime de trabalho traz consequências importantes quando o trabalhador é "transformado" em pessoa jurídica. Nesse caso, ele perde a proteção automática do regime celetista, que garante recolhimentos regulares e benefícios previdenciários completos.

 

Contribuições menores ao INSS geram duplo prejuízo aos trabalhadores

Ministro do STF diz que apenas a União pode legislar sobre trânsito e transportes. | Foto: Arquivo/Bruno Santos/Folhapress

"Como resultado, muitos profissionais acabam contribuindo com valores menores para o INSS ou, em alguns casos, deixam de contribuir corretamente. Isso gera um duplo prejuízo. Primeiro para o sistema previdenciário, que arrecada menos. Em segundo, o próprio trabalhador pode enfrentar dificuldades para se aposentar ou para ter acesso a benefícios como auxílio-doença e salário-maternidade", explica a advogada Kesia Souza.

Ampliação da informalidade

A pejotização, além do impacto profundo e preocupante na sustentabilidade da Previdência Social, transforma vínculos de emprego em relações entre empresas. Esse modelo reduz significativamente a arrecadação previdenciária, uma vez que o trabalhador pessoa jurídica contribui menos, ou muitas vezes deixa de contribuir, para o INSS", alerta o advogado Cid de Camargo Junior.

"Enquanto na contratação formal o empregador e o empregado recolhem conjuntamente valores expressivos, na pejotização o recolhimento é fragmentado, menor e menos fiscalizado. Essa diminuição de recursos compromete o equilíbrio financeiro do sistema previdenciário, que depende das contribuições atuais para custear os benefícios", diz.

De acordo com o especialista, a pejotização no médio e longo prazo, amplia a informalidade, enfraquece o pacto de solidariedade que sustenta a Previdência e gera desafios para o financiamento da seguridade social. "Embora traga economia imediata às empresas e maior rendimento líquido ao trabalhador, a pejotização impõe um custo social elevado, que recai sobre toda a sociedade", afirma.

Recolhimentos de celetistas e PJ

A principal diferença entre o recolhimento previdenciário celetista e o de pessoa jurídica, explica Kesia, está na forma, no valor e na responsabilidade da contribuição.

Ela conta que enquanto o trabalhador celetista tem o INSS descontado diretamente na folha de pagamento, com alíquota que varia de 7,5% a 14% sobre o salário, a empresa recolhe uma parcela patronal de 20% sobre a folha, garantindo assim o financiamento contínuo da Previdência e o acesso automático aos benefícios. 

Já o PJ precisa contribuir por conta própria, geralmente com alíquotas bem menores, como cerca de 4,5% no Simples Nacional ou 20% sobre o pró-labore quando atua como contribuinte individual.

"Essa diferença faz com que o sistema celetista assegure maior proteção social e arrecadação, enquanto o modelo de PJ, embora mais leve tributariamente, reduz a contribuição ao INSS e pode fragilizar a cobertura previdenciária do trabalhador", diz a especialista. 

MEI e PJ são diferentes. Endenda

A pejotização por meio do MEI e do PJ no Simples Nacional difere principalmente na estrutura e no limite de formalização. Enquanto o MEI é um modelo simplificado, voltado a pequenos empreendedores individuais com faturamento anual de até R$ 81 mil e contribuição previdenciária reduzida de apenas 5% do salário mínimo, o PJ pelo Simples Nacional permite receitas maiores, até R$ 4,8 milhões por ano, e envolve alíquotas variáveis que destinam cerca de 4,5% ao INSS.

"Na prática, a pejotização via MEI costuma representar uma situação mais precária e irregular, às vezes usada para mascarar vínculos empregatícios de baixa renda. Já a pejotização por meio do Simples é mais comum entre profissionais qualificados e de maior rendimento, mas igualmente fragiliza a arrecadação previdenciária e reduz a proteção social do trabalhador", finaliza o sócio do escritório Murayama, Affonso Ferreira e Mota Advogados (MAFM).