Por: Martha Imenes

Evento no Ibmec debate segurança jurídica no país

Ministro Luís Roberto Barroso, no 1° Encontro Jurídico Nacional do Ibmec, em Brasília | Foto: Divulgação

Em um ambiente descontraído e acolhedor, autoridades do Judiciário, juristas, palestrantes e inscritos participaram do Primeiro Encontro Jurídico Nacional, realizado pelo Ibmec Brasília. O evento discutiu os impactos dos precedentes qualificados e da segurança jurídica no desenvolvimento econômico e social do Brasil.

Os destaques foram os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso e Luiz Fux,  que falaram do setor jurídico de uma forma descomplicada e descontraída, apesar dos termos em inglês e latim, comuns ao meio jurídico.

Para o diretor do Ibmec Brasília, Ricardo Caichiolo, "o evento se consolidou como um espaço de reflexão crítica e de diálogo sobre os desafios do Direito, promovendo debates enriquecedores e fortalecendo conexões entre profissionais e acadêmicos de destaque."

A mesa de debates foi composta por nomes de referência na área jurídica, como Francisco Rezek, ex-ministro das Relações Exteriores e ex-juiz da Corte Internacional de Justiça; Flávia Piovesan, procuradora do Estado de São Paulo e referência internacional em direitos humanos; Humberto Dalla, desembargador do TJ-RJ e coordenador do Grupo CNPq; Marcelo de Oliveira Milagres, desembargador do TJ-MG e professor da UFMG; e Claudia Romano, presidente do Instituto Yduqs e vice-presidente do Yduqs.

Distribuição

Durante sua fala, o ministro Barroso destacou a distribuição das competências no sistema de Justiça brasileiro. "Quase 80% de todo o movimento do Poder Judiciário tramita na Justiça Estadual; a Federal cuida do que a Constituição lhe reserva."

Barroso explicou a distinção entre as grandes famílias jurídicas e como o Brasil tem se aproximado de modelos híbridos: "No common law, a principal fonte do direito são os precedentes judiciais; no civil law, como no Brasil, a fonte primária é a legislação. O mundo contemporâneo produziu uma convergência: países de common law codificaram mais, e países de civil law incorporaram precedentes obrigatórios."

O ministro apontou o tripé que justifica a adoção dos precedentes vinculantes no Brasil. "Precedentes vinculantes promovem três valores: segurança jurídica, isonomia e eficiência. O jurisdicionado precisa saber se o caso é factual e juridicamente idêntico a outro já decidido, terá a mesma solução."

Ao detalhar como interpretar corretamente os julgamentos, Barroso destacou a diferença entre fundamentos centrais e comentários acessórios. "O que vincula é a ratio decidendi — a tese jurídica do julgamento. Já o obiter dictum são comentários laterais do voto; não têm força vinculante."

O ministro destaca a técnica de afastar precedentes quando há peculiaridades relevantes. "Distinguishing (diferenciação de casos) é demonstrar a peculiaridade do seu caso para afastar um precedente aparentemente aplicável."

Barroso lembrou que o direito também evolui, e os precedentes não podem ficar cristalizados. "Overruling (superação de precedentes) é a superação formal de um precedente quando fatos sociais, a compreensão jurídica ou o mundo mudam".

 

Demanda constante da economia

Durante sua palestra, o ministro Luiz Fux explicou que a segurança jurídica é um reclame constante do desenvolvimento econômico: "Um país que transmite insegurança jurídica é excluído do ranking do Banco Mundial de facilidade para fazer negócios".

"O investidor gosta de saber o risco que corre e o retorno que pode obter. Por isso, a segurança jurídica é fundamental para atrair investimentos e reduzir custos de transação", avalia. 

"No Brasil, temos a regra do pacta sunt servanda — os contratos devem ser cumpridos — mas também a teoria da imprevisão, que se mostrou essencial durante a pandemia para preservar empregos e empresas."

Fux pontua que os precedentes judiciais são fonte formal do Direito. São elas que garantem estabilidade e coerência às decisões, trazendo previsibilidade para a sociedade e para os negócios. "Sem segurança jurídica não há crescimento nem desenvolvimento econômico. É ela que assegura estabilidade, coerência e integridade ao sistema de Justiça", acrescenta. 

Pilares do Estado de Direito

Flávia Piovesan, procuradora do Estado de São Paulo e referência internacional em direitos humanos ressaltou a importância do saber jurídico com o encontro no Ibmec. "Aprendi muito a importância da coerência, da integridade, da solidez, da previsibilidade, da estabilidade e da uniformidade. Esses são pilares do Estado de Direito", diz.

A especialista explica que "o sistema interamericano tem como coração a centralidade das vítimas e busca sempre uma justiça contextualizada, com enfoque na dignidade humana". Para ela, "os parâmetros interamericanos são o piso protetivo mínimo, e não o teto máximo de proteção. Eles existem para compensar déficits nacionais e fortalecer a democracia e os direitos humanos".

"A independência judicial é uma garantia funcional de juízes e juízas, mas sobretudo um direito de todos os cidadãos a uma justiça íntegra e efetiva", aponta Flávia. 

Em meio às discussões – e imbróglios – sobre anistia para os envolvidos na tentativa de golpe de Estado em 8 de janeiro de 2022, a especialista pontuou: "A jurisprudência interamericana é consistente ao afirmar que leis de anistia constituem ilícito internacional, pois negam justiça às vítimas e impedem o dever dos Estados de investigar, processar, punir e reparar". 

"O direito à segurança jurídica é fundamental. Ele garante previsibilidade, coerência e aplicação justa da lei. Justiça tardia é justiça negada: o direito à razoável duração do processo é essencial para a efetividade da justiça", diz e finaliza: "O Estado de Direito tem como primado a legalidade, nos ensina Norberto Bobbio: todos estão sujeitos à lei, indivíduos e governantes."

Artigo 20

Ex-ministro das Relações Exteriores e ex-juiz da Corte Internacional de Justiça, Francisco Rezek, chama a atenção ao artigo 20 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, que trouxe o consequencialismo. "É preciso que os tribunais tenham boa compreensão das consequências econômicas e sociais de suas decisões. Não se trata apenas de decidir o caso concreto, mas de considerar as repercussões para a coletividade", explica Rezek.

"Quando falamos em direito, falamos em ordem, em justiça, em observância. Precedente significa aquilo que vem antes, e jurisprudência é dizer o direito com prudência, com cuidado. O sistema jurídico é, antes de tudo, um sistema de racionalidade", complementa.

De forma direta o ex-ministro pontua que "o contrato não é apenas um negócio jurídico bilateral, um conceito romântico": "Ele é a veste jurídica formal de uma operação econômica. E, como tal, deve ser compreendido na sua função prática: dar segurança às partes, estabelecer riscos e prevenir incertezas". 

"Hoje convivemos com expressões como diferenciação de casos (distinguish), superação de precedentes (overruling) e comentários acessórios (obiter dictum) no nosso cotidiano jurídico", afirma. 

"O direito não pode se afastar da economia. A chamada Lei da Liberdade Econômica, apesar de imperfeita, é um marco ao reafirmar algo que já estava no texto constitucional: as partes podem e devem definir a matriz de riscos. O risco é mensurável, mas a incerteza é um grande desafio."

A escolha de Brasília como sede do evento foi estratégica. O diretor do Ibmec São Paulo, Reginaldo Nogueira, reforçou que a capital federal é o centro das decisões jurídicas e políticas do país, o que potencializa o impacto institucional do encontro.

"O Ibmec é uma instituição de ensino nacional, com presença estratégica em capitais relevantes como Belo Horizonte, Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo. Em Brasília, naturalmente, nos conectamos ao centro do poder político e jurídico do país. Realizar o 1º Encontro Jurídico Nacional é um movimento natural, e reforça nosso compromisso com a excelência acadêmica e com a articulação prática junto aos principais atores do Direito no Brasil", explica.

O diretor também afirma que a conexão com grandes nomes do Direito não se limita a eventos pontuais, mas faz parte da proposta pedagógica do Ibmec. Ele lembra que ministros do STF como Luís Roberto Barroso e Luiz Fux são professores da instituição, assim como o ex-ministro Francisco Rezek e a professora Flávia Piovesan.

"Mais do que trazer essas figuras em programações especiais, o Ibmec mantém uma relação contínua com profissionais de referência que também atuam como docentes. Essa integração fortalece a experiência acadêmica dos nossos alunos e coloca o Ibmec como espaço de debate, produção de conhecimento e formação de profissionais prontos para contribuir com consistência para o desenvolvimento do país."