Por: Martha Imenes

PF investigará fundos de previdência com negócios com o Master

Daniel Vorcaro: fundos previdenciários suspeitos | Foto: Divulgação

Os danos que a liquidação do Banco Master deve causar a seus correntistas e investidores devem ultrapassar os R$ 12,2 bilhões bloqueados, diversos carros de luxo, obras de arte e relógios e bens apreendidos pela Polícia Federal. Além de correntistas, o banco tinha como clientes estados e municípios. A liquidação do Master foi determinada pelo Banco Central na terça-feira (18). Vorcaro é investigado por emissão de títulos de crédito sem lastro e por oferecer CDBs com rendimentos até 40% acima do mercado.

Ao todo são 18 entes que fizeram aportes em letras financeiras emitidas pelo banco por meio do Regime Próprio de Previdência Social (RPPS), que totalizam cerca de R$ 2 bilhões. Os estados do Amapá, Amazonas e do Rio de Janeiro, têm, respectivamente, aportes de R$ 400 milhões, R$ 50 milhões e R$ 970 milhões no RPPS, responsável pelo pagamento de aposentadoria e pensões aos servidores dos estados. Fora os municípios. A Polícia Federal (PF) vai investigar operação bilionária do banco com fundos de previdência.

A liquidação extrajudicial do Banco Master se deu em razão da "grave crise de liquidez" e das "graves violações" às normas do sistema financeiro pela instituição, segundo o Banco Central. O que chamou atenção da autoridade monetária foi o balanço do banco não "fechar".

Com as contas no vermelho o dono da instituição Daniel Vorcaro complementava o valor para que o balano ficasse no azul. Não ficou claro, no entanto, de onde provinham esses "recursos do próprio bolso".

O montante exposto à liquidez do Master é de R$ 1,86 bilhões. De acordo com informações da autarquia, atualizadas em março de 2025, o patrimônio líquido do Banco Master é de R$ 3,214 bilhões. A instituição possuía, no mesmo período, R$ 86,4 bilhões em ativos e R$ 83,2 bilhões em passivo.

Lista e valores

Angélica (MS): R$ 2 milhões

Aparecida de Goiânia (GO): R$ 40 milhões

Araras (SP): R$ 29 milhões

Cajamar (SP): R$ 87 milhões

Campo Grande (MS): R$1,2 milhão

Congonhas (MG): R$ 14 milhões

Estado do Amapá (AP): R$ 400 milhões

Estado do Amazonas (AM): R$ 50 milhões

Estado do Rio de Janeiro (RJ): R$ 970 milhões

Fátima do Sul (MS): R$ 7 milhões

Itaguaí (RJ): R$ 59,6 milhões

Jateí (MS): R$ 2,5 milhões

Maceió (AL): R$ 97 milhões

Paulista (PE): R$ 3 milhões

Santa Rita D'Oeste (SP): R$ 2 milhões

Santo Antônio de Posse (SP): R$ 7 milhões

São Gabriel do Oeste (MS): R$ 3 milhões

São Roque (SP): R$ 93,15 milhões

 

O que acontece com os clientes?

De acordo com João Gabriel Araujo, professor de Economia do Ibmec Brasília, eles terão que fazer cadastro no aplicativo do Fundo Garantidor de Crédito (FGC). "Através desse cadastro, quando forem liberados os dados por parte do Banco Master, o FGC, vai fazer uma análise desses dados e os correntistas e investidores que tiverem até R$ 250 mil poderão requerer os valores pleo aplicativo", explica.

Para o caso de pessoas com valores acima de R$ 250 mil, já garantidos pelo FGC, será necessário ingresso com ação judicial.

"A partir do momento que a pessoa teve dinheiro lá, fez investimento, foi correntista, teve carteira de poupança, entre outras questões, ela vai ter que acionar a justiça para requerer o restante dos valores com base nos ativos do Banco Master, que vão ter que ser ressarcidos mais através de processos judiciais", explica o professor. 

De viagens internacionais à cela na PF

De viagens internacionais, luxo e festas milionárias à uma cela da Polícia Federal. A trajetória do banqueiro Daniel Vorcaro, 42 anos, dono do Banco Master, daria pra fazer um filme.

Mineiro de Belo Horizonte e formado em Economia, Vorcaro se projetou nacionalmente ao aproximar o Banco Master de operações com o governo do Distrito Federal por meio do BRB. Ele também é acionista da SAF do Atlético-MG, com participação de 20,2% por meio do FIP Galo Forte, investimento de cerca de R$ 300 milhões cuja origem é investigada.

Curso

Antes desses dois empreendimentos (Master e Atlético-MG), aos 19 anos, Vorcaro foi dono de um curso de segundo grau, chamado PQS Empreendimentos Educacionais LTDA, e uma empresa de livros didáticos, que o pai Henrique entregou para que o filho administrasse. Ele diz que o negócio foi um grande sucesso, mas ex-funcionários do PQS contam que a experiência naufragou. A gestão era confusa. Juntaram pessoas de áreas distintas - do curso e do livro didático -, que não se entediam na forma de operar, e a experiência fracassou. O curso foi vendido para uma rede de educação de Belo Horizonte.

Aos 21 anos, Vorcaro passou a trabalhar nos negócios do pai, que incluíam duas incorporadoras imobiliárias (Multipar Empreendimentos e Participações e a Mercatto Corporações Imobiliárias), além da Pacific Realty, para aluguel de imóveis.

Banqueiro foi sócio de cemitério

Em 2011, aproximou-se dos irmãos Antonio Augusto Conte e Vicente Conte Neto, de São Paulo, herdeiros de uma administradora de cemitérios e sócios, na época, da gestora de recursos Blackwood, que se envolveu junto com Henrique e Daniel Vorcaro, em um negócio ousado: construir hotéis na cidade às vésperas da Copa do Mundo de 2014 com incentivo da Prefeitura de Belo Horizonte.

O grupo resolveu participar da construção do hotel Golden Tulip, em uma área decadente da cidade. A Multipar dos Vorcaro adquiriu um prédio abandonado na região e assumiu a reforma com os irmãos Conte e a RFM Construtora. A velha estrutura iria se transformar em uma torre de vidro de 37 andares, com heliponto, restaurantes, SPA e um centro de convenções de 7 mil m².

Pelo contrato com o município, o Golden Tulip teria que estar pronto até 30 de março de 2014 para abrigar os turistas que começariam a chegar em julho. Apesar de um investimento de mais de R$ 200 milhões e com participação da prefeitura, a obra foi paralisada, porque o dinheiro acabou.

Com o fracasso do projeto hoteleiro, os irmãos Conte deixaram a Blackwood. Antonio Augusto Conte montou uma empresa de investimentos chamada H11 e Vicente Conte Neto criou um fundo de investimento em cemitérios, chamado Zion, do qual Daniel Vorcaro virou sócio direto, embora tenha continuado a trabalhar com o pai. O trio voltou a se reunir dois anos depois quando Daniel virou banqueiro.

Banco Máxima

A chance apareceu depois que o Banco Máxima, do paulistano Saul Sabbá, foi inabilitado pelo Banco Central em 2016 por gestão fraudulenta e rombo de caixa. Sabbá ofereceu o Máxima a Daniel Vorcaro. Era uma ação entre amigos. Daniel me disse que conheceu Sabbá somente em 2016, mas que fazia negócios com o banco desde antes, quando o Máxima lidava com os fundos imobiliários, as incorporadoras e as imobiliárias dos Vorcaro.

De posse da opção de compra do Máxima, Daniel Vorcaro procurou os irmãos Conte e propôs sociedade. Como o banco estava praticamente quebrado, eles precisariam desembolsar apenas o suficiente para a instituição voltar a funcionar. Os irmãos toparam. Mas, antes, precisavam da autorização do Banco Central. O pedido foi feito em 2017. A autorização só saiu em 2019. Em 2021, Vorcaro trocou o nome do banco para Master.

Chamada no BC e entrada do BRB

Em dezembro do ano passado, o então presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, convocou os dirigentes do Banco Master para uma reunião de emergência, na sede da instituição, em Brasília. Vorcaro liderava a comitiva. Na reunião, Campos Neto e outros diretores do BC fizeram duas exigências. Mandaram que parassem com as operações arriscadas e abusivas, como a emissão desenfreada de Certificados de Depósito Bancário (CDBs), e fizessem um aumento de capital - ou seja, colocassem mais R$ 2 bilhões no banco. O BC deu um prazo de três meses, até março, para que os ajustes fossem feitos. Caso contrário, o banco seria liquidado, os donos teriam o patrimônio congelado e ficariam proibidos de operar no mercado.

O Master, um banco de pequeno porte, tinha R$ 50 bilhões emitidos em CDBs e, para piorar, seu balanço indicava que não tinha fundos para pagar os mais de R$ 12 bilhões de CDBs com vencimento neste ano, já que a carteira de ativos do banco, que poderia servir de garantia para os CDBs, estava recheada de empresas à beira do precipício ou recuperação judicial.

Na tarde de 28 de março, com o prazo dado pelo BC já entrando nos acréscimos, veio o anúncio que pegou o mercado de surpresa: o Banco Regional de Brasília (BRB), uma instituição estatal de médio porte controlada pelo governo do Distrito Federal, cujo patrimônio líquido não passa de R$ 3,7 bilhões decidiu comprar o Master por R$ 2 bilhões - exatamente o valor do aporte de capital que o BC exigira. Após meses de análise, o negócio foi vetado pelo Banco Central em setembro.