Por: Martha Imenes

Perda econômica com avanço do crime no Rio de Janeiro pode chegar a R$ 32 bi

Operação nos complexos do Alemão e da Penha ocorreu na terça passada | Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

A "guerra do Rio" não é de hoje e nos últimos anos tem crescido de forma assustadora. Os impactos da criminalidade no estado não são somente sociais, mas também econômicos, com fuga de investimentos, fechamento de empresas e paralisação de serviços públicos e privados, além do transporte público. Ou seja, o impacto financeiro da expansão do tráfico de drogas e das milícias no Rio de Janeiro é multifacetado.

Dois estudos - um da Confederação Nacional do Comércio (CNC) e outro do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID)  - apontam que as perdas com o avanço do crime no estado variam de R$ 10,76 bilhões a R$ 32 bilhões por ano.

De acordo com um estudo sobre o impacto da violência urbana nos negócios do setor terciário da Confederação Nacional do Comércio (CNC), os crimes violentos têm um impacto de R$ 10,76 bilhões a R$ 11,48 bilhões sobre a economia do Estado do Rio. Isso representa cerca de 0,9% do PIB do estado por ano. O cálculo da CNC analisa os números pela ótica do Produto Interno Bruto (PIB) e dos gastos com segurança pública.

Segundo Felipe Tavares, economista-chefe da CNC, é importante mensurar a perda econômica por conta da criminalidade para revelar o grau de prioridade para a discussão de políticas públicas de segurança.

"O cálculo de impacto foi feito utilizando técnicas econométricas para buscar os efeitos causais dos índices de criminalidade na atividade econômica. A insegurança urbana não impõe custos somente a um setor específico, mas para toda a sociedade", ressalta Tavares.

Ele acrescenta que estimativas de instituições internacionais e de especialistas, em linha com o estudo da CNC, mostram que a criminalidade tem impactos diretos e indiretos sobre a atividade econômica, pois afeta a vida das pessoas, a dinâmica de faturamento das empresas e cria toda uma série de custos de transação, como seguros, monitoramento privado e pode até influenciar a atração de capital internacional. 

Perda agregada no Cone Sul

Recorte do estudo do BID sobre o tema estima que os países do Cone Sul teriam uma perda agregada direta de 3,39% do PIB devido às elevadas taxas de criminalidade. A estimativa é que a perda social anual agregada devida à criminalidade no Brasil seria de R$ 372,9 bilhões. Considerando o impacto sobre o Estado do Rio, o efeito seria de R$ 32 bilhões. Considerando somente os efeitos diretos dos crimes violentos, o impacto seria de R$ 13 bilhões por ano.

O estudo do BID analisa dados de Argentina, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai, considerando os efeitos da violência sobre capital humano e PIB, levando em conta crimes violentos não letais e letais, efeito sobre a produtividade dos países, efeito dos gastos policiais e do sistema prisional.

Parâmetros de levantamento

Tavares explica que a diferença de impacto entre o levantamento do BID e da CNC se dá porque estudo do BID é uma análise de países, pega dados de dados de Argentina, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai vários países e estima o efeito de forma agregada. Já o levantamento da CNC levou em consideração os dados dos municípios do Rio.

"Partimos da estimativa do município para chegar ao impacto no estado. Então, é como se o BID fosse por cima e analisasse por país e nós déssemos um estudo de baixo para cima, a partir das cidades. São caminhos diferentes e variáveis diferentes que a gente considera, mas os resultados estão em linha",  diz o economista-chefe da CNC.

 

Para especialista, atacar a rede financeira do tráfico tem eficácia

Seguir o rastro do dinheiro do narcotráfico e atingir as redes financeiras e empresariais por trás das facções teria mais impacto que os confrontos das forças de segurança com criminosos. A avaliação é do educador e ex-secretário nacional de segurança pública, Ricardo Balestreri.

Segundo ele, o crime no Brasil é combatido de forma equivocada. Isso porque o crime não se limita às favelas, mas se infiltra em setores de alto nível da economia, como transporte, energia, mercado imobiliário, e o comércio ilegal, que movimenta bilhões de reais.

Os impactos econômicos atingem diversas áreas. Inicialmente, porque eventos de violência mais intensos podem paralisar o comércio e o turismo, resultando em perdas bilionárias.

Retração nas vendas

Um estudo da Federação do Comércio do Estado do Rio de Janeiro (FecomércioRJ) mostrou retração nas vendas do varejo em 2025, em parte devido à economia subterrânea (atividade econômica que não é reportada às autoridades, seja por ser ilegal ou por sonegação de impostos e obrigações trabalhistas) e ao aumento da criminalidade. Já a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) publicou um estudo que relaciona o fechamento de empresas no Rio de Janeiro à crise econômica e ao aumento da criminalidade entre 2010 e 2018.

'Andar de cima'

Balestreri pontua que "tudo o que é importante no crime acontece no andar de cima", ou seja, o crime organizado tem raízes profundas em redes financeiras e empresariais, e não apenas nas comunidades mais carentes.

Políticas públicas

Balestreri apresentou um trabalhao denominado "Políticas públicas de segurança no Brasil: a construção de um modelo inteligente", no Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, em 2006.

Já naquela época, o educador reforçava a necessidade de combater as estruturas complexas do crime em vez de se limitar a ações táticas em áreas de conflito.

Um exemplo atual de combate ao "andar de cima" foi a Operação Carbono Oculto, ocorrida no coração financeiro do Brasil, a Faria Lima, em São Paulo. A Ação deu um forte baque na rede financeira do Primeiro Comando da Capital (PCC).

A operação levou, inclusive, o Banco Central mudar as regras para fintechs. Essas instituições digitais eram usadas para lavar dinheiro do tráfico.