Por: Martha Imenes

Pesquisa faz o retrato da desigualdade brasileira

Brasil ainda tem um longo caminho a percorrer para mitigar a fome e a miséria | Foto: Suraphat Nuea-on/ Pexels

A diferença entre os dois extremos da pirâmide social deixa à mostra a desigualdade e a concentração de renda no Brasil. Em 2024, os 10% brasileiros mais ricos tiveram rendimentos 15,5 vezes maiores que os 40% mais pobres, mesmo após o retorno da política de valorização do salário mínimo e da forte geração de emprego. 

O dado faz parte do Boletim Desigualdade nas Metrópoles, produzido em parceria entre o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia, Observatório das Metrópoles, Laboratório de Desigualdades, Pobreza e Mercado de Trabalho da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul e a Rede de Observatórios da Dívida Social na América Latina.

"Encontramos um cenário de terra arrasada em 2023. Nem mesmo na época da transição pudemos ter a clareza do tamanho do abismo social que estava se consolidando no país", disse um interlocutor do governo, que pediu anonimato.

O Índice de Gini, criado para medir o grau de concentração de renda, caiu ao menor nível histórico nas metrópoles brasileiras, com índice 0,534 em 2024. O indicador, que se baseia no rendimento domiciliar per capita, mede o grau de distribuição desses rendimentos entre os indivíduos de uma população, variando de zero a um. Quanto mais próximo de 0, menor a desigualdade.

Um dos coordenadores do estudo, o professor da PUCRS André Salata, explica que o coeficiente de Gini acima de 0,5 já é um nível de desigualdade muito alto, e ressalta que a taxa de pobreza nas metrópoles é de quase 20%.

"Tudo isso indica uma situação social que não é nada desejável. Então, se a gente olhar só a foto não há nada a se comemorar. Agora, quando você olha o movimento dos últimos anos, ou seja, o filme dos últimos anos, aí a gente tem motivos para se alegrar um pouco mais, e ser um pouco mais otimista, porque é um movimento de melhoria, de redução da pobreza, de aumento da renda média." pondera.

Fontes de renda

As fontes de renda variam, aponta o professor e economista do Ibmec, Gilberto Braga: "Para os mais pobres, a renda do trabalho é a principal fonte, enquanto os mais ricos podem contar com rendimentos de investimentos".

De acordo com ele, a tabela do Imposto de Renda, ao aliviar a carga tributária sobre os mais pobres, aumenta sua renda disponível para consumo. No entanto, o impacto na pesquisa depende da forma como a renda é medida (bruta ou líquida): "Se a pesquisa considerar a renda líquida, a alteração no Imposto de Renda pode reduzir a distância entre os mais ricos e os mais pobres".

"Para diminuir a desigualdade, são necessárias políticas distributivas e incentivos à capacitação profissional, visando melhorar as oportunidades de trabalho", finaliza Braga.

 

Particularidades da pirâmide social

O economista e professor do Ibmec, Gilberto Braga, chama atenção para algumas particularidades em relação à pirâmide social. "É crucial entender que o aumento geral dos rendimentos não implica necessariamente que a riqueza esteja se concentrando. A simples constatação de que os rendimentos aumentaram não revela a dinâmica da distribuição de renda", diz.

Ele explica que a disparidade entre os mais ricos e a base da pirâmide salarial é evidente, mas a conclusão sobre o grau de concentração de renda exige uma análise mais aprofundada.

Menor renda

"Aumentos nos rendimentos das faixas de menor renda indicam uma melhora na distribuição, o que é positivo. Contudo, isso não garante que os mais ricos não estejam, simultaneamente, aumentando sua riqueza. O ritmo de crescimento pode ser diferente entre as faixas de renda", acrescenta.

De acordo com Braga, a análise dos dados de emprego do IBGE, com desemprego em níveis historicamente baixos, sugere uma entrada considerável de pessoas no mercado de trabalho. "O desemprego próximo a 5% indica uma situação próxima ao pleno emprego, onde a maioria das pessoas que buscam trabalho o encontram", diz.

"Observamos que, mesmo com diferentes níveis de qualificação e formalização, há oportunidades de trabalho. A disparidade de renda é uma característica histórica no Brasil, exacerbada em períodos de instabilidade econômica, como inflação e custos de vida elevados. Nestes cenários, os mais pobres podem sofrer um empobrecimento temporário", explica o economista do Ibmec.

Mercado de trabalho mais aquecido

"Nos últimos anos, tivemos um mercado de trabalho mais aquecido, em grande medida se recuperando da pandemia, com baixa desocupação. E também o retorno da política de valorização real do salário mínimo, que a gente sabe que faz diferença principalmente nas camadas mais baixas", pontua o professor da PUCRS, André Salata.

"E o país está conseguindo aliar esses dois fatores com o controle da inflação. Pra todo mundo está melhorando, mas está melhorando proporcionalmente mais para quem está na base da pirâmide", completa.

Como resultado, o aumento da renda foi maior entre os 40% mais pobres, saindo de R$ 474 por pessoa em 2021, para R$ 670 em 2024, o que também é um recorde da série histórica. Isso ajudou a diminuir também a taxa de pobreza nessas regiões, de 31,1% em 2021 para 23,4% em 2023, chegando a 19,4% no ano passado, o que significa que 9,5 milhões de pessoas deixaram a linha da pobreza entre 2021 e 2024.

Regiões metropolitanas

O boletim congrega dados das 20 Regiões Metropolitanas do país (Manaus, Belém, Macapá, Grande São Luís, Fortaleza, Natal, João Pessoa, Recife, Maceió, Aracaju, Salvador, Belo Horizonte, Grande Vitória, Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba, Florianópolis, Porto Alegre, Vale do Rio Cuiabá e Goiânia) e também de Brasília e da Região Administrativa Integrada de Desenvolvimento da Grande Teresina.

"Mais de 40% da população brasileira está nas metrópoles, o que significa mais de 80 milhões de pessoas. E dentro das nossas regiões metropolitanas, a gente encontra alguns dos maiores desafios para consolidar a cidadania no Brasil, em especial para as camadas mais pobres. E quando a gente analisa a desigualdade dentro dessas regiões, a gente tá falando daquela desigualdade que o morador encara diariamente", finaliza o professor André Salata.

Insegurança alimentar grave cai 19,9%

O número de domicílios que enfrentaram insegurança alimentar grave no Brasil diminuiu 19,9% no intervalo de um ano.

Em 2023, 3,1 milhões de lares estavam nesta situação, quantidade que caiu a 2,5 milhões em 2024.

Esses dados mostram que o percentual de famílias em que houve percepção de insegurança alimentar grave passou de 4,1% para 3,2% dos domicílios.

As informações fazem parte da edição especial da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua sobre segurança alimentar, divulgada nesta sexta-feira (10) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Os pesquisadores visitaram famílias em todas as partes do país e perguntaram sobre a percepção dos moradores em relação à insegurança alimentar nos três meses anteriores à entrevista.

Para classificar os domicílios, o IBGE seguiu a Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (Ebia), que determina quatro graus:

nsegurança alimentar - acesso suficiente à comida, sem precisar comprometer outras necessidades

ninsegurança alimentar leve -preocupação ou incerteza quanto ao acesso aos alimentos

ninsegurança alimentar moderada - redução ou falta da quantidade de comida entre adultos

ninsegurança alimentar grave - redução ou falta também entre crianças. A fome passa a ser uma experiência vivida no lar.