Por: Martha Imenes

Para Messias, pejotização corrói pacto social no Brasil

Jorge Messias: a legalidade da contratação via PJs aborda princípio civilizatório | Foto: José Cruz/Agência Brasil

O avanço da contratação de trabalhadores como Pessoa Jurídica (PJ) no mercado de trabalho em detrimento à carteira assinada está em debate no Supremo Tribunal Federal (STF). Umaaudiência pública convocada pelo ministro Gilmar Mendes, relator da ação que suspendeu todos os processos sobre suposta fraude contratual de trabalhadores via PJs, escutará 78 pessoas, entremembros do governo, da sociedade civil, do setor empresarial, de sindicatos, entre outros.

Representantes da Advocacia-Geral da União (AGU) e do Ministério da Previdência Social, presentes à audiência, se manifestaram sobre os riscos da pejotização, que permite a substituição da CTPS. De acordo com eles, a redução das obrigações trabalhistas por parte das empresas (que não precisam pagar Previdência e o FGTS), causaperdas bilionárias ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). A prática costuma ser interpretada pela Justiça do Trabalho como fraude. As informações são da Agência Brasil.

O ministro da AGU, Jorge Messias, avalia que a legalidade da contratação do trabalhador via PJs aborda princípio civilizatório e a prática ameaça a dignidade da pessoa, a valorização do trabalho e a justiça social, ferindo o equilíbrio entre capital e trabalho.

"A pejotização corrói por dentro, silenciosamente, as estruturas que sustentam a proteção social, fragilizando os alicerces sobres os quais se ergueu o pacto constitucional do trabalho digno e da seguridade social previstos na Constituição Federal de 1988", afirma Messias.

"É fundamental destacar que a utilização de contratos de prestação de serviços ou de autônomos de forma irregular — com o único objetivo de dissimular vínculos de emprego — causa prejuízos não apenas financeiros, mas também reputacionais. Esse tipo de conduta pode gerar consequências irreversíveis para a continuidade e sustentabilidade de suas atividades", adverte Rodrigo Marques, gestor de Relações Trabalhistas do PG Advogados.

Jornadas fora da lei

O vice-subprocurador-Geral da República, Luiz Augusto Santos Lima, ponderou que um jovem médico que sai da faculdade tendo que criar uma empresa para ser contratado via PJ.

"Eles são obrigados a se submeter a jornadas de trabalho que não se sustentam dentro da legislação de hoje. Há subordinação, não eventualidade e um regime de trabalho rigoroso, recebendo mediante pagamentos com a falsa ideia de que estão ganhando muito bem. Ganhou 3 meses, depois ficou meses e meses sem receber", disse.

Representando a Confederação Nacional dos Transportes (CNT), entidade patronal ligada ao setor dos transportes, falou o Flávio Unes que defendeu que "não estamos diante da mesma massa de trabalhadores da década de 1940" e que nem todos sonham em ser CLT.

"Dentro da massa de trabalhadores, há uma parcela que tem condições de assumir riscos. E saber disso, evidentemente, passa por avaliar se esse trabalhador seria hipossuficiente (com poucos recursos financeiros), porque aí eles não teriam condições de transacionar, de buscar uma flexibilidade de escolha que a CLT talvez não dê conta de todas as formas de trabalho".

Princípios legais

"A chamada pejotização, quando observados os limites legais, constitui uma forma inteiramente legítima e constitucional de organização empresarial e de prestação de serviços", pontua Rodrigo Marques, gestor de Relações Trabalhistas do PG Advogados. No entanto, ele avalia que o uso irregular desse instituto pode comprometer gravemente a saúde empresarial, gerando aumento expressivo de passivos decorrentes de litígios trabalhistas e administrativos. "Esse tipo de risco pode ser evitado com a adoção de práticas sólidas de Compliance Trabalhista, que asseguram maior previsibilidade jurídica e reduzem significativamente as chances de reclamatórias e autuações por parte do Ministério Público do Trabalho ou do Ministério do Trabalho e Emprego", finaliza.

Patrões

Representando a Confederação Nacional dos Transportes (CNT), entidade patronal ligado ao setor dos transportes, falou o Flávio Unes que defendeu que "não estamos diante da mesma massa de trabalhadores da década de 1940" e que nem todos sonham em ser CLT.

"Dentro da massa de trabalhadores, há uma parcela que tem condições de assumir riscos. E saber disso, evidentemente, passa por avaliar se esse trabalhador seria hipossuficiente [com poucos recursos financeiros], porque aí eles não teriam condições de transacionar, de buscar uma flexibilidade de escolha que a CLT talvez não dê conta de todas as formas de trabalho".

 

Fim do modelo de Previdência Social

O representante do Ministério da Previdência Social, Adroaldo da Cunha Portal, que é secretário-executivo da pasta, avalia que a pejotização levaria ao fim do modelo de Previdência Social atual.

"A pejotização é muito mais do que uma reforma da Previdência. É o fim do modelo de Previdência Social do Brasil", afirmou Portal.

"A pejotização vai jogar quem está na CLT para fora dela. O que restará à sociedade e ao Estado são dois caminhos: ou o Estado ampliará enormemente suas despesas com Previdência nos próximos anos e décadas, ou, o que é bem mais provável que aconteça, novas propostas de reforma da Previdência trarão cortes gigantescos nessa proteção social", diz.

Adroaldo alertou que 73% da Previdência é financiada pela folha de pagamento dos empregados contratados via CLT e que a substituição de 10% desses trabalhadores para um regime de PJ traria uma perda anual de aproximadamente R$ 47 bilhões.

O diretor do Departamento de Regime-Geral da Previdência Social do INSS, Eduardo da Silva Pereira, citou o envelhecimento da população como um fator que agrava o financiamento da Previdência.

Precarização das relações de trabalho

Para o advogado-geral da União, Jorge Messias, é preciso diferenciar as contratações via Pessoas Jurídicas legítimas daqueles que escondem uma precarização das relações de trabalho.

"A pejotização não é o empreendedorismo autêntico, nascido da autonomia e da livre iniciativa. Não é a liberdade de contratar entre iguais. Não é a modernização produtiva que gera eficiência e inovação", disse o AGU.

O ministro acrescentou que, o que parece, à primeira vista, um arranjo moderno de contratação, "é, na prática, um processo que fragiliza o sistema de proteção social e empurra o trabalhador vulnerável para a informalidade disfarçada de formalidade".

O AGU pondera que, entre 2002 e 2024, 56% dos trabalhadores demitidos que se "pejotizaram" estão na faixa salarial de até R$ 2 mil e outros 36,9% recebiam até RS 6 mil, sendo essa mudança, na maioria das vezes, uma imposição do mercado e não uma "escolha" do trabalhador.

"Isso evidencia que já não estamos falando de uma opção de elites profissionais, mas de uma imposição silenciosa sobre a base da pirâmide social", completou Messias.