Tá aquecida a programação de cinema da TV aberta neste fim de semana, com direito a “O Menino da Porteira” (2009), com Daniel, na “Sessão de Sábado” da Globo, às 14h50, e a comemoração dos 20 anos de “Batman Begins” (2005), no “Domingo Maior” deste 31 de agosto, também no PlimPlim. O ponto culminante desta ferra cinéfila é “Samaritan”, de 2022, com Sylvester Stallone, agendado para “Temperatura Máxima” deste domingão, às 12h35.
Chapliano em seu olhar para as lutas de classe num mundo de faz de conta, tipo Gotham City, “Samaritano” se finca numa tradição cinematográfica que ganhou notoriedade em 1921, com “O Garoto”, quando Carlitos tomou conta do órfão Jackie Coogan, provando que há sempre duas solidões que se aguardam. Há grandes sucessos, nas mais variadas línguas, calcados na parceria entre seres alijados da felicidade que ganham uma segunda chance na trombada com uma criança à caça de pai ou de mãe. É uma lógica que nos deu “Glória”, de John Cassavetes (Leão de Ouro de 1980); “Central do Brasil”, de Walter Salles (Urso de Ouro de 1998); “Verão Feliz” (1999), de Takeshi Kitano, entre muitas outras joias.
Mas o exemplar dessa toada afetiva que mais se aproxima do novo longa-metragem de Sylvester Stallone, escalado pela Globo, é “Shane” (1953), o faroeste lendário de George Stevens (1904-1975), aqui traduzido como “O Brutos Também Amam”. Nesse western primaveril, tudo é inverno na rotina do pequeno Joey (Brandon De Wilde) até a chegada de um forasteiro, com uma destreza acima dos padrões, que dá ao guri a atenção que seus familiares, afogados em inércia moral, não podem oferecer. Num Oeste de perigos, Shane vira pai por escolha, não por dever, e dispara sua amizade no coração de um garoto que carece de modelos de retidão (e de amor). É essa a dinâmica que Stallone pratica num thriller de super-heróis que surpreende por viradas de roteiro e sua conexão modular com a herança simbólica do bangue-bangue.
O próprio Stallone já vivenciou esse tipo de narrativa de paternidade em “Falcão – O Campeão dos Campeões” (1987). Mas, aqui, o desafio do eterno Rambo é injetar um senso de vitalidade às narrativas (super-)heroicas, estando fora dos códigos da Marvel e da DC. Não se trata de uma adaptação de HQs convencional, com toda uma rede de gibis calçando sua dramaturgia. Trata-se da criação de um universo temático novo, com pés fincados na brutalidade das ruas e do tráfico, com um vilão populista. E o que há de demasiadamente humano nesse enredo é um (tocante) processo de um homem grisalho que fez da memória uma inimiga, e dedica seus dias a esquecer(-se) e ser esquecido, pra poder reaver o respeito próprio de outrora. Aí entra o laço filial de Sam, vivido por Javon Walton.
Na trama regada a litros de adrenalina por Julius Avery (“Operação Overlord”), Sam cresce sob o rugido de balas, prometido para o crime, até ser salvo de uma surra letal por um lixeiro, Joe (Stallone), que tem superpoderes. Sam associa a força dele a de um vigilante de outrora, o Samaritano, que desapareceu após brigar com seu inimigo nº1, Nêmese, que portava uma marreta de energia. Sam cisma que Joe é o Samaritano. Este nega, até sofrer um atentado brutal e revelar quem de fato é. Isso no momento em que o chefão Cyrus (Pilou Asbæk) almeja encontrar o martelo de Nêmese e recriar um símbolo do Mal que inspire os degredados.
Essa premissa abre precedente para um tom político contundente para “Samaritano”, sem nunca disfarçar sua natureza marxista, de exclusão dos pobres, que Stallone persegue desde “Rocky, Um Lutador” (1976). Seu novo personagem é um Balboa com tônus de Superman, mas com alma de Shane. Como se sabe que no peito de Homem de Aço bate um coração que usa óculos, no coração de Joe há mágoas que lhe causam miopia. Mas a missão de salvar um menor vai ser o foco que faltava a esse Rocky cuja Kryptonita é a incapacidade de se perdoar.
Na versão brasileira, Luiz Feier Motta dubla Stallone.