Por: Rodrigo Fonseca - Especial para o Correio da Manhã

O auê da Ritaagora é no Teatro dos 4

'Republica Lee' leva aos palcos uma recriação do espírito rebelde e utópico dos anos 1960 | Foto: Bianca Tatamiya/Divulgação

Nossa Senhora dos espíritos zombeteiros canoros, Rita Lee (1947-2023) há de abençoar o palco do Teatro dos 4, no Shopping da Gávea, à força de uma comédia não-biográfica idealizada por Cella Bártholo, com texto e direção de Tauã Delmiro, que mistura artes cênicas, cinema e irreverência. "República Lee - Um Musical ao Som de Rita" - em cartaz até 10 de setembro, conta com arranjos de Hugo Kerth. Ele (também diretor musical do projeto), Cella e Tauã estão em cena, ao lado de Caio Nery e Ingrid Klug, numa narrativa regada a hits como "Agora Só Falta Você", "Nem Luxo, Nem Lixo" e "Desculpe o Auê".

Sua trama volta no Tempo, até o fim da década de 1960, de 68 a 69, no rastro de cinco jovens, moradores de uma república na cidade de São Paulo. "Os anos 1960 foram marcantes para a construção de uma cultura verdadeiramente brasileira, e a juventude teve um papel essencial nesse processo", explica Tauã ao Correio da Manhã. "Foi uma época de efervescência cultural, com movimentos como a Tropicália, a Jovem Guarda, o movimento hippie e, no teatro, grupos como o Arena e o Oficina. Eles buscavam uma arte que dialogasse com a identidade do país. A partir de 1964, com o golpe militar, o Brasil entra num período de repressão, e esses movimentos passam a usar a arte também como forma de resistência. Em 'República Lee', isso aparece com força: os personagens, ao criarem um filme, estão não só fazendo arte, mas também se posicionando contra o regime, usando a criatividade como forma de enxergar e questionar o mundo".

Tauã estruturou uma linguagem pop, que olha pro Ontem antenada com o Agora: "A juventude de hoje tem muito a aprender com aquela geração. Muito do que conquistamos em termos de liberdade, linguagem, estética e expressão artística vem dali. E mais do que isso: aquele período mostra como a arte pode ser um instrumento poderoso de transformação social", diz o encenador e dramaturgo.

No enredo dessa empreitada da In Cena Produções, o quinteto de protagonistas está engajado em produzir, dentro do apartamento onde moram, um curta-metragem de ficção científica, com baixo orçamento. A trama dentro da trama é baseada em longas-metragens de sci-fi dos anos 1950, como "O Dia Em Que A Terra Parou", "A Invasão Dos Discos Voadores" e "O Ataque da Mulher de 15 Metros".

"Na peça, os personagens estão gravando um filme escrito pelo pai deles, já falecido, inspirado nos roteiros de ficção científica dos anos 1950. Essa escolha não é à toa: os anos 1950 foram marcados pela Guerra Fria, que veio logo depois dos horrores da Segunda Guerra Mundial e trouxe uma forte polarização entre ideologias políticas. No Brasil, esse clima de tensão também criou terreno para o crescimento do extremismo, o que acabou levando à ditadura militar em 1964", explica Tauã, lembrando que as questões tratadas em "República Lee" espelham a polarização que estamos vivendo hoje. "O país ainda está dividido, e a extrema direita tenta retomar um discurso autoritário que lembra aquele período anterior à ditadura. Por isso, a peça usa a ficção para nos lembrar de momentos reais da nossa História que não podemos repetir. O espetáculo trata desses temas sérios com humor. Um humor crítico, ácido, que abre espaço para reflexão sem precisar de confronto direto. Isso ajuda a criar diálogo, especialmente num momento em que muita gente não quer ou não consegue conversar".

Antes de "República Lee", Tauã deslumbrou plateias do Rio desfiando o rosário de baladas de Fábio Jr. em "As Metades da Laranja", espetáculo vencedor do Prêmio do Humor nas categorias Melhor Direção e Melhor Espetáculo.

"Eu me interesso muito em fazer um teatro popular, que se conecte com o público e faça ele se sentir parte da história", diz Tauã. "A música popular brasileira é uma ferramenta poderosa pra isso, porque faz parte da nossa vida e carrega muitos significados. As canções nos marcam em diferentes momentos e despertam emoções. A Rita Lee é uma artista que soube traduzir, com leveza e humor, sentimentos pessoais e questões importantes como afeto, liberdade feminina e crítica social. Por isso, revisitar o repertório dela no teatro é uma forma de manter viva uma obra que é ao mesmo tempo íntima e coletiva. Uma obra que se conecta diretamente com todos os brasileiros que estão assistindo. Viva Rita Lee!".

SERVIÇO

REPÚBLICA LEE

Teatro dos 4 (Shopping da Gávea - Rua Marquês de São Vicente, 52 - 2º piso)

Até 10/9, terças e quartas (20h)

Ingressos entre R$ 50 e R$ 120