Por: Rodrigo Fonseca - Especial para o Correio da Manhã

Era de 'Aquarius' na telinha: TV Brasil exibe o cult de Kleber Mendonça Filho

Indicado à Palma de Ouro de Cannes, 'Aquarius' ganhou 47 prêmios mundo afora | Foto: Cinemascopio

 

Faltam três meses para "O Agente Secreto", de Kleber Mendonça Filho, estrear no Brasil, com lançamento agendado para 6 de novembro, embalado numa consagradora passagem pelo 78º Festival de Cannes. Saiu de lá com quatro prêmios. Troféus de Melhor Direção e de Melhor Ator (dado ao baiano Wagner Moura) foram atribuídos pelo júri oficial da maratona europeia, chefiado por Juliette Binoche, ao mesmo tempo em que o longa-metragem com CEP no Recife recebia da Federação Internacional de Imprensa Cinematográfica (Fipresci) o Prêmio da Crítica, precedido pela láurea da Associação Francesa de Cinemas de Arte e Ensaio. Há 20 anos, Kleber iniciou seu namoro com as telas da Croisette, depois de apresentar o curta-metragem "Vinil Verde" na Quinzena de Cineasta, mas o longa que arrematou seu matrimônio com o evento, ampliando seus laços com a cinefilia do exterior, foi "Aquarius".

Ele bombou na Côté d'Azur em 2016, mobilizando crítica e público. No domingo, às 23h15, a TV Brasil vai revisitar a potência estética dessa narrativa ao exibi-lo em sua programação de fim de noite. É um golaço (ético) da televisão aberta brasileira a opção por prestigiar o cultuado thriller pernambucano que virou emblema de resistência moral nos dias que antecederam o Impeachment de Dilma Rousseff.

Exibido em Cannes na briga pela Palma dourada, com direito a cartazes dizendo "Golpe de Estado" nas escadarias do Palais des Festivals, a produção da Cinemascópio devolveu à atriz Sonia Braga holofotes tão poderosos quanto aqueles de que ela desfrutava nos tempos de "Dona Flor e Seus Dois Maridos" (1976) e de "O Beijo da Mulher Aranha" (1985). Na Croisette, sua atuação foi comparada ao trabalho de mitos como a italiana Anna Magnani (1908-1973), estrela de "Roma, Cidade Aberta" (1945). Em 2017, Sonia ganhou o Troféu Platino de Melhor Atriz por sua interpretação na fita. Foi um dos 47 prêmios conquistados pela produção, eleito Melhor Filme no Festival de Sydney. Foi ainda a atração de abertura do Festival de Gramado, há nove anos, quando sua estrela recebeu o troféu Oscarito pelo conjunto de sua carreira.

Encontra-se em "Aquarius" uma estrutura narrativa que lembra a estética de realismo seco do cinema americano da década de 1970 - sobretudo o filme "A Conversação", que rendeu a Palma de Ouro a Francis Ford Coppola em 1974. O roteiro escrito por Kleber explora o clima de paranoia em torno da crítica musical Clara (Sonia), uma jornalista sexagenária cujo prédio está em negociação para ser vendido - o que não vai acontecer se depender da vontade dela. Num controle cirúrgico das ferramentas da tensão, Kleber ainda arranca de Humberto Carrão uma interpretação louvável, fazendo dele uma espécie de vilão muito discreto. Ele é o herdeiro da construtora que quer comprar o prédio de Clara, usando uma série de artimanhas nada legais para fazer com que ela saia. A peleja dela para ficar é narrada em paralelo a sua rotina afetiva, com seus filhos, seus netos, seus discos e seus ensaios amorosos. Tudo isso é embalado por uma trilha sonora que vai de Roberto Carlos ("O Quintal do Vizinho") a Queen ("Fat Bottomed Girls"), passando por Alcione ("Sufoco"). A canção "Hoje", de Taiguara (1945-1996), demarca as margens deste incontrolável estudo sobre gentrificação - e resiliência - produzido por Emilie Lesclaux e fotografado por Pedro Sotero.

Rola ver filmes anteriores e posteriores de Kleber em diferentes streamings ao alcance de um clique. Na Netflix, encontram-se "O Som Ao Redor" (2012) e "Retratos Fantasmas" (2023). A MUBI mantém o documentário "Crítico", de 2008, em sua grade. No Globoplay tem "Bacurau", codirigido por Juliano Dornelles e agraciado com o Prêmio do Júri de Cannes.

Em agosto, "O Agente Secreto" passa pelo Festival de Lima, no Peru, em concurso, e flana pelas telas do TIFF, em Toronto. Na trama, um professor universitário e cientista (papel de Wagner) é alvo de uma perseguição de assassinos de aluguel (Roney Villela e Gabriel Leone) a mando de um empresário que almeja o controle de um invento que deveria pertencer ao ensino público no Recife de 1977. No último fim de semana, o longa foi premiado no Festival de Jerusalém por sua excelência no controle das cartilhas da tensão e por sua assertividade política.