Imagine uma arrivista como a prostituta Bebel, de "Paraíso Tropical", mas com ojeriza a pobres, como Odete Roitman, de "Vale Tudo", e traços de psicopatia, à maneira de Nazaré Tedesco, de "Senhora do Destino". Misture bem e reserve. Leve ao forno.
Daí vai nascer Lola, a protagonista de "Beleza Fatal". Ou escolha outras três ou quatro vilãs de novela de sua preferência. Tanto faz. A rigor, quaisquer que sejam as vilãs de sua opção, dessa mistura vai surgir uma protagonista de novela que você já viu antes. Na Globo.
Escrita por Raphael Montes, esta primeira novela da Max (HBO) busca reviver uma época de ouro das novelas da emissora. Toda uma turma de ex-funcionários importantes brilha nos créditos, da diretora-geral Maria de Médicis aos produtores executivos Silvio de Abreu, Monica Albuquerque e Edna Palatnik.
Na tela, três estrelas que protagonizaram dezenas de folhetins das seis, das sete e das nove, Camila Pitanga, Giovana Antonelli e Camila Queiroz, lutam para convencer o espectador a trocar a TV aberta pelo streaming. Elas contam com o apoio de um forte elenco masculino, também egresso da Globo, capitaneado por Herson Capri, Caio Blat, Marcelo Serrado, Murilo Rosa e Augusto Madeira.
A vilã Lola é a maior atração dos primeiros dez episódios e, tudo indica, de todos os 40 que serão exibidos. Infeliz que o marido é um policial honesto, frustrada com o trabalho de secretária de um cirurgião plástico picareta, conhecido como Doutor Peitão, e aproveitando-se da irmã ingênua, ela vai fazer todas as maldades e picaretagens possíveis para fugir de seu destino medíocre.
Pitanga se sai muito bem nos momentos de humor de sua personagem. Crédito do texto de Montes, com apoio de Mariana Torres, Victor Atherino, Manuela Cantuária e Rafael Souza-Ribeiro. A turma é boa em representar um tipo bastante conhecido na teledramaturgia brasileira -a mulher pobre que fica rica pisando no pescoço até da mãe, mas que não consegue esconder a vulgaridade e a falta de modos.
"Que cheiro é esse, Marlene? A clínica inteira tá com futum de carne assada. Só de sentir esse cheiro de comida, já engordei cinco quilos", diz Lola. "Já não te falei pra não esquentar comida no micro-ondas?", reclama a vilã. A funcionária tenta argumentar: "Mas eu vou comer frio, dona Lola?" "Come uma saladinha. Sem cheiro, é fitness, vai por mim", diz Lola.
Queiroz vive Sofia, a jovem que luta para se vingar de tudo que sua tia fez de maldade contra a sua mãe. É outra personagem moldada à imagem e semelhança de dezenas de mocinhas vingativas. Não se compara com Debora Falabella, como a Nina de "Avenida Brasil", ou Malu Mader, a Marcia de "O Dono do Mundo", ou mesmo Bianca Bin, como Clara, em "O Outro Lado do Paraíso".
Por fim, Antonelli vive uma pilantra de coração bom, outro clássico das novelas brasileiras. Ela é Elvira, mora no Caxambi, bairro da zona norte do Rio, e sobrevive à base de pequenos golpes que aplica em parceria com o marido, Lino, papel de Augusto Madeira.
Como sugere o título, a trama gira em torno de uma clínica de cirurgia plástica e do universo da imagem. Sem exigir muito do espectador, Montes apresenta uma discussão sobre os riscos da obsessão com procedimentos estéticos. Também expõe um relacionamento tóxico entre o casal vivido por Serrado e Julia Stockler. Levanta a bandeira do combate à homofobia, expondo as dúvidas de um cirurgião sobre operar uma mulher trans e os preconceitos explícitos do dono da clínica.
Como a Netflix fez em "Pedaço de Mim", seu melodrama em 17 episódios, a Max mostra com "Beleza Fatal" que também sabe fazer novela. Só não compreendo a razão de fazer investimentos tão altos em um gênero que a Globo domina. É verdade que a emissora carioca não vive a sua melhor fase no gênero, mas não me parece que a guerra nas plataformas de streaming será vencida por quem fizer as melhores novelas.