Por: Affonso Nunes

Poesia para ver, ouvir e espalhar

Elisa Lucinda é uma das autoras selecionadas pelo projeto | Foto: Natália Elmor/Divulgação

Plataformas digitais recebem no dia 5 o Projeto ODE, que reúne poetas brasileiros contemporâneos declamando suas obras em audiovisuais de apurada produção

Ezra Pound disse que "o poeta é a antena da raça". Para Maiakóvski, "a rima do poeta é carícia, slogan, açoite, baioneta". Herbert Viana indicou que "o poeta é a pimenta do planeta, malagueta". E Fernando Pessoa, que completa 90 anos de sua morte este mês foi além ao vaticinar que "o poeta é um fingidor, finge tão completamente, que chega a fingir que é dor, a dor que deveras sente". A poesia vive entre nós, no dia a dia, em expressões populares como a "conversa do pé do ouvido" ou "morto de fome", mas o Brasil não valoriza a poesia e talvez, por isso mesmo, não valorize o livre pensar, o livre criar.

A poesia brasileira contemporânea, essa instituição invísível a olho nu, está prestes a ganhar um novo espaço de circulação com uma linguagem visual inédita que, quem sabe, consiga nos aproximar daqueles que cometem versos por aí. O projeto ODE, que estreia em todas as plataformas de streaming no próximo dia 5, faz da surrada declamação poética um produto audiovisual de qualidade técnica e estética, levando ao público vozes da atual geração de autores brasileiros.

Não é audiobook nem sarau digital

Michel Melamed | Foto: Natália Elmor/Divulgação

Com distribuição da Sony Music e direção artística de Bruno Levinson, a ODE se apresenta como resposta à efervescência que a poesia vem experimentando nas redes sociais nos últimos anos, mas propõe um salto de qualidade em relação aos vídeos caseiros e os stories de Instagram. Não é um aubiobook e tampouco um sarau digital.

"Realizar a ODE é um modo de agradecer à poesia por me lembrar, sempre, que a vida fica maior quando vista e dita com emoção", destava Bruno Levinson, diretor criativo e idealizador do projeto ODE. Ex-gerente de marketing da Sony, ele foi o criador do festival Humaitá Pra Peixe, um celeiro de poetas cariocas.

Macaque in the trees
Maria Rezende | Foto: Fotos Natália Elmor/Divulgação

O conceito central do projeto, explica ele, é valorizar a performance como elemento essencial da experiência poética. Cada um dos vídeos traz um poeta declamando sua própria criação em cenários cuidadosamente escolhidos, com fotografia cinematográfica e sonorização profissional em diálogo com o conteúdo de cada criação poética, construindo uma narrativa visual que amplifique os sentidos do poema, ou seja, o fluxo das palavras torna-se experiência sensorial.

Macaque in the trees
Victor Isensee | Foto: Natália Elmor/Divulgação

 

Entre os destaques está a participação de Mauro Santa Cecília, poeta e letrsta mineiro que faleceu em fevereiro, pouco depois de gravar seu episódio. As imagens captadas pela equipe de ODE acabaram se tornando um dos últimos registros audiovisuais do autor. A seleção dos poetas reúne ainda nomes como Elisa Lucinda, Michel Melamed, Vitor Isensee, Maria Rezende, WJ e MC Martina.

Ao disponibilizar os poetas e suas criações em plataformas como Spotify, Deezer e Apple Music, o ODE visa atingir o público jovem, hoje o principal consumidor de poesia nas redes sociais, um público que há tempos migrou do consumo linear de televisão para o universo do streaming sob demanda.

Esse movimento de aproximação entre poesia e meios digitais não é exatamente novo, mas o formato do ODE refina o que lá circula nas redes sociais. Nos últimos anos, plataformas como Instagram e TikTok viram surgir uma geração de "instapoetas" que conquistaram milhões de seguidores publicando versos curtos em formato de imagem ou vídeo. Embora esse fenômeno tenha democratizado o acesso à poesia e revelado novos talentos, também provocou debates acalorados sobre a qualidade literária dessa produção e sobre os limites entre poesia, autoajuda e frases de efeito.

Macaque in the trees
MC Martina | Foto: Natália Elmor/Divulgação

Cada poeta foi filmado em ambientes que dialogam simbolicamente com sua obra ou trajetória, com cenários cuidadosamente escolhidos pelo cenógrafo Sérgio Marimba e sua equipe. Essa atenção aos detalhes aproxima ODE da linguagem do videoclipe autoral e do curta-metragem experimental.

A estreia simultânea dos episódios em 5 de dezembro permite que o espectador desenhe seu próprio percurso. A estreia do ODE Clássicos com Elisa Lucinda entrou no ar com 10 poemas de Fernando Pessoa, Resta saber se a iniciativa conseguirá, de fato, conquistar novos públicos para a poesia ou se ficará restrito aos já convertidos.