Calçando-se na comédia política "No Nos Moverán", do diretor estreante Pierre Saint-Martin Castellanos, para tentar uma vaga no Oscar, o México vai muito bem na criação de conteúdo 0 km para plataformas digitais - vide o barulho da série "Sem Querer Querendo", sobre a criação do Chaves, na HBO Max -, mas não anda em sua melhor fase cinematográfica. Em 2024, "Sujo", de Astrid Rondero e Fernanda Valadez, que venceu o Festival de Sundance, nos EUA, prometia uma nova era de ouro para a pátria natal do Seu Madruga, mas não explodiu no gosto do povo, pelo menos não do modo como "Amores Brutos" estourou na preferência popular - no mundo todo - há 25 anos.
Não por acaso, ao comemorar duas décadas e meia de prestígio, com direito a uma cópia restaurada em tecnologia 4K, o longa-metragem de Alejandro González Iñárritu voltou às telonas. Sessões dele mobilizam o CineCarioca José Wilker, este fim de semana todo, sempre às 15h20. A partir desta sexta-feira, a produção entra também na grade da MUBI, que cuidou de exibi-la no 27° Festival do Rio, trazendo o fotógrafo habitual de Iñárritu nos anos 2000, Rodrigo Prieto, para junto do lançamento.
"No fim dos anos 1990, o México enfrentava problemas políticos terríveis, numa onda de violência que marcava a nossa geração, o que nos impulsionou a buscar um tipo de cinema na margem oposta dos parâmetros documentais da América Latina de então. Queríamos retratar o nosso tempo a partir de influências artística mexicanas, de épocas diversas, como a obra do cineasta Arturo Ripstein e o programa de TV do Chaves, que era uma referência de nação", disse Prieto ao Correio da Manhã numa conversa via Zoom, emocionado ao ouvir que o sorriso do então jovem Gael García Bernal era uma metáfora de esperança num abismo naturalista. "A risada dele era um contraponto ao desastre que vivíamos. E mesmo em meio a conflitos, nós conseguimos que as pessoas se interessassem em ver cães lutando na tela grande. Era mais fácil haver adesão a um filme de guerra violento do que a uma rinha de animais".
Transformado em realizador depois de lançar "Pedro Páramo" na Netflix em 2024, Prieto se firmou como diretor de fotografia depois de quatro indicações ao Oscar. Concorreu por três longas de Martin Scorsese ("Assassinos da Lua das Flores", "O Irlandês" e "Silêncio") e pelo faroeste romântico que rendeu o Leão de Ouro de Veneza a Ang Lee há 20 anos: "O Segredo de Brokeback Mountain". Sua consagração aos olhos de Hollywood coincide com a fama mundial de Iñárritu (ganhador de dois Oscars de Melhor Realização, por "Birdman" e "O Regresso") e de seu roteirista, o escritor Guillermo Arriaga. Em maio, no Festival de Cannes, o cineasta e Gael estiveram na Croisette para celebrar o regresso desse marco hispano-americano em circuito. Os dois trabalharam de novo em "Babel", que deu ao realizador a láurea de Melhor Direção em solo cannoise em 2006. Prieto esteve com eles também.
"Eu estudei Cinema e trabalhava com Publicidade, já Iñárritu era um profissional do rádio e seu trabalho como locutor era bem conhecido. Um dia, quando eu fazia comerciais, ele trouxe a proposta do 'Amores Brutos', que parecia um risco, sobretudo num momento politicamente horrível para o México, com muita violência nas ruas", disse Prieto.
No fim dos anos 1990, Iñarritu teve US$ 2,4 milhões para rodar um "filme coral" (termo que designa tramas com vários núcleos narrativos que se tangenciam em alguma unidade temática) pavimentado sobre um desastre rodoviário. É um acidente de carro que rege o enredo de "Amores Perros" (título original). A trama escrita por Arriaga conta três histórias distintas que se entrelaçam na Cidade do México a partir de um acidente de automóvel. Numa, Octavio, que é dono de um cão utilizado em lutas clandestinas, deseja fugir com a cunhada; noutra, Daniel deixa a esposa para viver com uma modelo; na terceira via, o mendigo Chivo quer voltar à família. A colisão (no sentido mais trágico do termo) desses vértices gera uma geometria de dor. "Usei o âmbar entre as cores principais do filme para ressaltar o contraste de figuras como a de Gael, que era viva, mas cheia de sombras", disse Prieto ao Correio.
A restauração de imagem e som de "Amores Brutos" foi realizada em 2020 pela Criterion Collection, Estudio Mexico Films e Altavista Films. A imagem foi restaurada a partir do negativo original da câmera de 35 mm, que foi digitalizado em resolução 4K de 16 bits. A cor foi supervisionada e aprovada pelo próprio Iñárritu, bem como pelo diretor de fotografia Rodrigo Prieto, na Harbor Picture Company em Santa Monica, Califórnia.
O processo foi realizado na Criterion Collection, em Nova Iorque. A nova mixagem da banda sonora surround 5.1 foi criada na Cinematic Media e na Churubusco a partir dos troncos da trilha sonora arquivados digitalmente e da impressão master usando o Pro Tools da Avid e o iZotope RX.
Novos efeitos sonoros e trabalho de Foley dedicado foram adicionados em detalhes ao longo do filme. A nova banda de som foi supervisionada e aprovada por Iñárritu, bem como pelo editor/designer de som supervisor Martín Hernández, e mixada por Jon Taylor no NBCUniversal StudioPost.