Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Falou em riso, falou Leandro Hassum: comediante surge em nova comédia

Leandro Hassum é um pai ciumento que precisa driblar as fronteiras do portunhol em 'Família, Pero No Mucho' | Foto: Guilherme Leporace/Netflix

No 'portunhol salvaje', aquele que fabrica expressões idiomáticas fictícias como "Coca-Cuela", "pierto" e "depiende", Leandro Hassum é la más grande diversión, assim na tela (grande) como no céu... da Netflix. É por lá que o campeão nacional de bilheterias na esfera da neochanchada esquia nas fronteiras linguísticas entre o carioquês e o espanhol dos argentinos em "Família, Pero No Mucho", já na grade de uma plataforma onde ele tem sido presença constante desde a pandemia.

Seu novo filme é um bem-vindo antídoto contra as patrulhas ideológicas da caretice - disfarçadas de correção política - que por vezes travam a conexão popular das comédias nas receitas dos exibidores e na audiência de canais da streaminguesfera. Nos EUA, por exemplo, não se vê um arrasa-quarteirão do gênero desde 2012, quando "Ted", de Seth MacFarlane, bateu meio milhão de dólares na venda de ingressos. Não por acaso, a nova versão de "Corra Que A Polícia Vem Aí!", com Liam Neeson, prevista para agosto, é esperada pelo mercado audiovisual com o mesmo ardor que se aguardava a revelação dos Segredos de Fátima.

Pode ser um milagre. Por aqui, onde se acredita que Deus é brasileiro, o filão segurou as pontas, com fervor, graças a estrelas do porte de Hassum. Sua filmografia anestesia nossas amarguras. "Eu tento continuar com a minha essência", diz Hassum, em entrevista via Zoom com o Correio da Manhã, ao falar sobre a continuidade de sua grife de excelência pop ao firmar parcerias com a plataforma que fez do N maiúsculo seu símbolo. "Na Netflix, a gente filma como se fosse para a tela grande. Eu sigo fazendo como se fosse cinema, o que é um tesão".

Ímã de risos, balizada por uma afetiva toada de crônica de costumes "Família, Pero No Mucho" foi rodada sob a direção de Felipe Joffily (de "Muita Calma Nessa Hora") entre as paisagens geladas de Bariloche e o calor do Rio de Janeiro. Não tem mau humor que resista às sequências em que o dono de restaurante Otávio (Hassum) tenta aprender como nuestros hermanos falam trivialidades em meio a um friiiiiiiio daqueles de bater o queixo. Ele dá uma pausa nas feijoadas regadas a torresmo, couve e laranja que serve em seu restaurante em Santa Teresa para visitar o frio da Argentina, a fim de conhecer a futura nova família de sua filha musicista, Mariana (Júlia Svacinna). O sogro da moça, Hector (Gabriel Goity), será a pedra no sapato de Otávio nesse "Entrando Numa Fria" (2000) à moda luso-hispano-americana. "Pertencemos a países fronteiriços e, nesse filme, vemos como a gente é parecido", diz o ator, que, radicado nos EUA, busca uma internacionalização de sua graça há tempos.

Se esse processo der certo por vias latinas - e, a julgar pela boa audiência da Netflix, já em sua arrancada, rolou êxito -, Hassum pode ser a saída de que as narrativas cômicas necessitam para escapar dos grilhões do moralismo. Na Europa, a gargalhada sabe ainda se desviar do caveirão do Bope woke e das batidas do politicamente correto, vide iguarias francesas como "Un P'tit Truc En Plus", que vendeu 10,8 milhões de tíquetes, nas salas de projeção de Paris, Marselha, Nice e arredores, em 2024. Em Hollywood, contudo, a situação é triste. No circuitão norte-americano não pintam franquias cômicas made in USA, daquelas de lucrar cifras colossais, desde "Se Beber, Não Case" (2009 - 2012). A indústria que presenteou o planeta com Buster Keaton, Mae West, Jerry Lewis, Lucille Ball, Goldie Hawn, Steve Martin, Eddie Murphy, Lily Tomlin, Jim Carrey e gigantes afins não teve rendas cifras astronômicas nos multiplexes. Seu dínamo mais imbatível, Adam Sandler, que lotou salas de 1998 (quando lançou "O Rei da Água") até 2011 (ano de "Cada Um Tem A Gêmea Que Merece"), migrou para a Netflix há uma década. Lá, sob a dublagem indefectível de Alexandre Moreno, ele reina. Não por acaso, seu novo longa, "Um Maluco no Golfe 2" ("Happy Gilmore 2"), que estreia nesta sexta-feira na plataforma, é encarado como uma das maiores apostas do streaming nesta temporada.

No Brasil, ainda sabemos rir sem medo, pautados em Ingrid Guimarães, Mônica Martelli, Maurício Manfrini (o Paulinho Gogó) e Tatá Werneck. Hassum é parte imbatível desse bonde. Tanto é que já se aposta forte em dois de seus novos longas para o circuitão: "O Rei da Feira", que estreia no dia 4 de setembro (com Pedro Wagner) e "Silvio Santos Vem Aí!", que será lançado em 30 de outubro, com o ator no papel do homem do Carnê do Baú.

Em 2012, conhecido por uma silhueta GG que deixou para trás numa bariátrica, Hassum protagonizou "Até Que a Sorte Nos Separe", um projeto da Gullane Pictures, sob a direção de Roberto Santucci ("De Pernas Pro Ar"). À ocasião, ele brilhava na TV (onde ainda brilha) e bombava nos palcos (como ainda bomba), mas almejava engatar uma carreira solo como protagonista na telona. Vendeu, de cara, 3.432.448 ingressos. Emplacou duas continuações, além de ter estrelado uma segunda franquia, "O Candidato Honesto". Só nessas duas cinesséries e num derivado de "Os Caras de Pau", ele arrastou 15 milhões de pagantes ao circuito, assumindo um trono outrora ocupado por Oscarito, Mazzaropi e Renato Aragão: o posto de rei da risada varejão. Renovou a majestade no streaming, em 2020, quando "Tudo Bem No Natal Que Vem" tornou-se um dos mais invejados fenômenos de audiência da Netflix. Simbiose mais perfeita com a persona de Silvio - e com a necessidade que a gente tem de rir - é impossível.